Uma conversa no Facebook entre duas estudantes de odontologia tem gerado desconforto e revolta no ambiente virtual pelo tom de desprezo a direitos fundamentais das crianças.
E aí entra a segunda jovem que escreveu: “Mentira, mano. Vou guardar isso pra mim. (...) Furar. Amei”. A USP confirma que essa segunda estudante é da universidade e afirma que soltará uma nota à imprensa ainda hoje e que será publicada aqui (leia abaixo).
A crueldade exposta no diálogo tem gerado reações no ambiente virtual não apenas no universo materno, mas nas páginas que tratam de direitos humanos. A Lei Federal n° 8.069/1990 (conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescescente – ECA) não podia ser mais clara em seu artigo 5º: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
Há 35 anos atendendo crianças, a odontopediatra Maria Paulina C. de Freitas Sabbagh ressalta que o atendimento a meninos e meninas deve ser cercado de muito cuidado e envolve uma série de técnicas para estabelecer uma relação de confiança com o paciente. Uma delas, é chamada ‘falar, mostrar e fazer’ e prevê que o dentista deve demonstrar os vários instrumentos, passo a passo, antes de usá-los na criança. “Quando o profissional trabalha o interior da boca, deve mostrar ao paciente tudo o que for possível”, explica a especialista. Somente quando a criança tem a visão dos procedimentos é que as sucessivas aproximações podem ser realizadas adequadamente.
Outra técnica, intitulada ‘controle pela voz/gerenciamento da comunicação’ tem por objetivo a base para a criação de uma relação amigável com a criança. Assim, é importante oferecer garantias aos pequenos de que a situação será menos ameaçadora possível. A técnica exige do profissional uma atuação assertiva e que transmita tranquilidade para que a permanência na cadeira do dentista ocorra sem transtornos. “A experiência e os estudos vêm mostrando que é possível tratar das crianças sem precisar usar de métodos punitivos”, afirma Maria Paulina C. de Freitas Sabbagh.
A odonpediatra explica ainda que o tratamento deve ser pensado e elaborado de forma progressiva. No caso de uma criança que precisa tratar de uma cárie, por exemplo, o atendimento começa focado na educação para a saúde. “Assim, a primeira consulta deve ser focada na questão da higiene bucal ou da fluoterapia.
Maria Paulina C. de Freitas Sabbagh lembra, entretanto, que nos casos de urgência – como um dente quebrado que esteja provocando dor na criança –, essas técnicas não são possíveis de serem aplicadas porque o profissional precisa atuar de imediato. A técnica ‘mão na boca’ é utilizada como último recurso em odontopediatria para permitir que o tratamento odontológico seja realizado com segurança. O objetivo não é assustar a criança, mas sim obter a sua atenção e silêncio para que ela possa escutar o dentista. “Provocar dor em um paciente é algo impensável”, reforça ela.
A história fica ainda pior se pensarmos que são as crianças pobres que, na maioria das vezes, são atendidas nas clínicas vinculadas às universidades públicas e privadas brasileiras.
BIRRAS As birras das crianças são muito mal compreendidas pelo universo adulto, mesmo que cada ser humano tenha passado pela infância antes de atingir a maioridade. Quando uma criança chora, o que ela mais precisa é de acolhimento.
ESCLARECIMENTO
Em nota, a Faculdade de Odontologia da USP, em nome da disciplina de odontopediatria, se pronunciou por volta das 17h. Abaixo, a íntegra:
"A disciplina de Odontopediatria da FOUSP esclarece que o atendimento, o qual a aluna menciona em sua publicação, refere-se tão somente ao procedimento de orientação de higiene bucal, que é realizado por alguns alunos durante o segundo semestre do curso de graduação na disciplina optativa de prevenção em odontopediatria. Nesta disciplina, os alunos realizam apenas procedimentos de orientação, educação, diagnóstico e prevenção, não sendo objeto desta atividade tratamento que envolva terapêutica clinica com aplicação de anestesia e tratamento subsequente.
De acordo com a grade curricular de disciplinas da Faculdade de Odontologia da USP, NENHUM aluno está habilitado a aplicar anestesias antes de cursar a disciplina de técnica anestésica, que é ministrada a partir do quinto semestre. Cabe esclarecer que a referida aluna está atualmente cursando o terceiro semestre, portanto, não habilitada a realizar este procedimento e nem qualificada a manifestar-se publicamente a respeito de atividades invasivas e de atendimentos odontológicos.
Vale ressaltar que a disciplina de Odontopediatria da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo é composta por docentes com amplo conhecimento de psicologia em odontopediatria, inclusive com livros e capítulos publicados nacional e internacionalmente sobre esse assunto e todas as atividades clínicas são supervisionadas por docentes. Entre as diretrizes de atuação preconizadas pela disciplina está a de fazer com que a primeira experiência odontológica da criança seja positiva, de oferecer o primeiro atendimento desde o bebê, promovendo a saúde e prevenindo o aparecimento de doenças bucais.
Dessa forma, a disciplina de Odontopediatria da FOUSP não concorda com a postura de alunos não qualificados a se manifestarem em nome da profissão e repudia veementemente qualquer tipo de quebra de conduta ética que a odontologia prima por manter."
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