Saiba mais sobre o transtorno bipolar, doença que atinge mais de 4 milhões de brasileiros e pode levar ao suicídio

O espectro da bipolaridade é amplo e gera muitas dúvidas

por Augusto Pio 21/04/2016 09:43
EM / D.A Press
A bipolaridade é marcada pela alteração do humor e deve ser bem cuidada (foto: EM / D.A Press)
A bipolaridade é uma doença que atinge cerca de 4,2 milhões de brasileiros. Ela é caracterizada pela alternância entre depressão e euforia (mania, como dizem os médicos) e sua banalização é muito perigosa, pois é a que mais mata por suicídio: cerca de 15% dos pacientes. Em pessoas bipolares, o risco de apresentar comportamento suicida é 28 vezes maior do que no resto da população. A expectativa de vida de homens bipolares é 13 anos menor e das mulheres, 12 anos menor do que da população em geral, segundo estudo feito na Dinamarca. Chamada de psicose maníaco depressiva (PMD), termo considerado estigmatizante, a patologia ganhou o nome transtorno bipolar nos anos 1980.

A psiquiatra e psicanalista Sandra Maria Melo Carvalhais, coordenadora do curso de psiquiatria da Faculdade Ipemed de Ciências Médicas, em Belo Horizonte, ressalta que é muito comum dizer que uma pessoa “tem bipolaridade” por apresentar humor variável, demonstrando estado de tristeza em alguns momentos e, em outros, humor elevado, sem haver motivos aparentes para a mudança. Entretanto, isso pode ser uma variação de humor normal, que ocorre com qualquer pessoa no dia a dia. “Não existe uma causa definida. Sabemos que há predisposição hereditária, vulnerabilidade e fatores que influenciam numa crise: eventos estressantes da vida ou estresse prolongado (conflitos interpessoais, perdas, mudanças que exigem muita adaptação) e o uso de substâncias psicoativas”, diz Sandra.

Segundo ela, é possível se referir à bipolaridade quando essas alterações se tornam mais intensas, repetitivas, interferem e comprometem a vida da pessoa de forma mais significativa. Nesse caso, trata-se do transtorno afetivo (do humor) bipolar que se caracteriza por episódios nos quais o humor e o nível de atividade do sujeito estão profundamente perturbados. A bipolaridade é um transtorno psiquiátrico que se caracteriza, grosso modo, pela manifestação de episódios depressivos, hipomaníacos e/ou maníacos ao longo da vida de um indivíduo.

“Segundo o DSM-5, a última edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria, os episódios são variados e os mais comuns são transtorno bipolar (TAB) tipo I, tipo II, tipo misto e transtorno ciclotímico. E ainda, com características próprias, há outros transtornos: o relacionado ou induzido por substância/medicamento, o relacionado devido a outra condição médica, o transtorno relacionado especificado e o transtorno relacionado não especificado”, explica o psiquiatra Adriano Simões Coelho.

DEPRESSÃO É DIFERENTE
No tipo I, o paciente apresenta os episódios de mania alternados com as fases depressivas, não necessariamente em uma sequência, em que uma sucede à outra. E as fases depressivas costumam ser mais frequentes. No tipo II, há episódios depressivos alternados com fases de hipomania, quando os sintomas não são tão intensos. “Depressão é diferente de tristeza, esta uma reação normal a estímulos negativos. A depressão costuma ser mais duradoura e intensa, a pessoa não reage a estímulos positivos, causa prejuízos funcionais e não é necessário ter um fator causal. Muitas vezes, a vida do indivíduo está completamente organizada e sem problemas e ele encontra-se deprimido. Ele pode ter sintomas como cansaço, falta de energia, lentificação psicomotora, alterações do sono e do apetite”, esclarece Simões Coelho.

Euler Júnior / EM / D.A Press
O psiquiatra Adriano Simões Coelho diz que o espectro da bipolaridade é amplo e gera muitas dúvidas no diagnóstico. Por isso, paciente deve passar por consulta médica (foto: Euler Júnior / EM / D.A Press)


Nos casos de bipolaridade em geral, podem ocorrer alterações do humor diversas vezes em um único dia, algumas vezes por semana, por ano ou demorar anos entre cada oscilação. “Alguns pacientes apresentam também a mistura de sintomas, como ficar sem energia, mas com pensamentos acelerados; ou ter agitação, mas está deprimido, podendo se encaixar nos estados mistos”, diz o psiquiatra, esclarecendo que “o ciclotímico seria um quadro em que o paciente alterna hipomania com sintomas depressivos leves e muitas vezes interpretados como temperamento ou características de personalidade, tendo como marca essencial a cronicidade: pelo menos dois anos e sintomas presentes na maioria dos dias”. Segundo Adriano, há risco elevado de uma pessoa com transtorno ciclotímico desenvolver TAB tipo I ou tipo II posteriormente.

DIAGNÓSTICO
O médico ressalta que o espectro da bipolaridade é amplo e gera muitas dúvidas. “Os diagnósticos podem ser simples, mas também extremamente complexos, em virtude da variedade dos sintomas apresentados. Muitas vezes se confundem com outros diagnósticos psiquiátricos e com alterações comportamentais causadas por doenças clínicas, neurológicas, pelo uso ou abuso de substâncias/medicamentos etc. Por isso, é importante que o diagnóstico seja feito por um médico psiquiatra, capaz de identificar essas características. Por se tratar de um espectro de doenças com grande impacto social, familiar e profissional para seus portadores o diagnóstico e intervenção precoces podem favorecer bastante seu prognóstico”, explica Adriano.

PENSAMENTO DELIRANTE De acordo com o homeopata e psiquiatra Aloísio Andrade, diferentemente das depressões neuróticas, a bipolaridade se enquadra na classificação das depressões psicóticas, nas quais a distorção das percepções leva a pessoa a ter pensamentos delirantes, indo de ideias de ruína às de grandeza. “Mesmo quando prevalece apenas um dos polos, o distúrbio é definido como bipolar. Alterações da percepção levam a um comprometimento da crítica, fazendo com que o paciente no momento das crises se torne incapaz de cuidar de si e de seus interesses, confundindo fantasias e realidade. Os estados alterados de consciência impedem a possibilidade de pleno exercício do livre- arbítrio, ficando as escolhas perturbadas e, portanto, comprometidas”, explica.

Ramon Lisboa / EM / D.A Press
Homeopata e psiquiatra, Aloísio Andrade diz que nas fases de acalmia, paciente tem vida social normal (foto: Ramon Lisboa / EM / D.A Press)
Segundo Andrade, tanto uma infância em condições precárias como uma sem faltas, mas sem limites, podem fragmentar o “eu” da criança, levando a uma situação de maior vulnerabilidade. “Traumas, abusos, falta de referências familiares e sociais facilitam os quadros de confusão mental. A idade do início dos sintomas pode ser precoce (perto dos 25 anos) ou mais tardia (após os 40). Em qualquer faixa etária a doença pode se manifestar. Pode acometer homens e mulheres. Porém, estatísticas tendem a mostrar maior tendência em mulheres, podendo em algumas amostras chegar a três mulheres para cada homem”, esclarece Aloísio Andrade.

As principais evidências sobre a existência de fatores genéticos no transtorno bipolar incluem uma frequência aumentada da doença em parentes próximos aos portadores da doença. “Entre gêmeos idênticos, a porcentagem de ocorrência é significativamente maior do que na população em geral, mostrando que se um dos gêmeos adoece, o risco de o outro adoecer é muito grande. Segundo o National Institute of Mental Health de Nova York, mais de 2/3 das pessoas com transtorno bipolar têm, pelo menos, um parente próximo com a doença. Quando um dos pais tem o transtorno, o risco para cada criança é de 15% a 30% maior. Quando ambos os pais têm o TAB, o risco aumenta para 50% a 75%”, acrescenta Andrade.

De acordo com Adriano Simões Coelho, mesmo sendo raro, o TAB pode se iniciar tardiamente em idosos. “Pesquisas mostram que esses indivíduos têm menos histórico familiar da doença. Nesses casos, é importante a investigação de traumas, uso de medicamentos, abuso de substâncias, acidente vascular cerebral e causas orgânicas, como doenças crônicas degenerativas, hipertensão e diabetes, alcoolismo, entre outras. Essas investigações devem ser feitas em pacientes jovens também, mas nos idosos, são especialmente importantes”, acrescenta.

Tratamento para controlar crises
Quando a pessoa é diagnosticada com bipolaridade, por meio de consulta clínica e entrevista com o psiquiatra, o tratamento é focado no controle de sintomas e crises. “Há abordagens psicofarmacológicas (estabilizadores de humor, antipsicóticos, antidepressivos e ansiolíticos), psicoterápicas, terapia ocupacional, orientação para mudanças de hábitos de vida, entre outras”, diz o psiquiatra Adriano Simões Coelho. Segundo Aloísio Andrade, se ocorrer cura no paciente é porque não era transtorno bipolar, pois para essa patologia não há cura completa.

Há estudos que demonstram que o tratamento medicamentoso adequado protege as células cerebrais do indivíduo, reduzindo as crises. “A baixa aderência ao tratamento causa aumento do número, gravidade e frequência das crises, perda cognitiva e danos nos âmbitos social, profissional e familiar”, diz Adriano. Sobre as mudanças de hábitos de vida, o paciente não deve exagerar no uso de substâncias que alterem o ciclo de sono, como cafeína, procurar dormir bem, fazer atividade física e ter hábitos saudáveis.“A participação da família e pessoas do convívio do indivíduo no processo é fundamental ao tratamento. Orientar sobre fatores desencadeantes de crises é importante, como privação de sono, e sintomas que indicam desestabilização, como insônia, sentir-se mais agitado ou com baixa energia”, acrescenta.

Na abordagem inicial e durante as crises, as consultas ao psiquiatra são mais frequentes, pois são momentos em que pode haver elevado risco para a integridade do indivíduo (ideação suicida, abuso de substâncias, comportamentos de risco). “Se é possível o acompanhamento ambulatorial, ele pode ser diário, uma vez por semana, quinzenal ou mensal. Vai depender da estrutura familiar e da gravidade do quadro. É sempre importante que o profissional esteja disponível para orientar e fazer abordagem em momentos de urgência/emergência do seu paciente”, pontua Simões Coelho.

“As consequências com o passar dos anos são maiores quando o tratamento não é feito adequadamente, podendo levar até a quadros de demência, com perda total da capacidade de administrar a si mesmo e a própria vida. Quando o tratamento é bem-sucedido, as crises são menos frequentes e menos intensas, podendo o paciente,  nas fases de acalmia, levar uma vida relativamente normal, trabalhando, estudando e convivendo adequadamente na família e na sociedade”, acrescenta o psiquiatra Aloísio Andrade.

(Colaborou Cristiana Andrade)