Ginecologistas sugerem mutilações genitais "minimalistas" e despertam fortes reações

Shah Kavita Arora e Allan J. Jacobs defendem que alguns tipos de excisão podem ser tolerados para permitir as tradições culturais. A mutilação genital pode levar à morte. Comunidade médica reagiu

por AFP - Agence France-Presse 24/02/2016 10:23
TONY KARUMBA / AFP PHOTO
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 200 milhões de mulheres foram vítimas de excisão no mundo, principalmente na África e no Oriente Médio (foto: TONY KARUMBA / AFP PHOTO)
Excisões "minimalistas", que permitam respeitar as tradições culturais sem pôr em perigo a saúde das mulheres, devem ser toleradas - dizem dois ginecologistas americanos em um artigo que despertou controvérsia entre os especialistas. "Nós não estamos dizendo que as intervenções sobre os órgãos genitais de mulheres são desejáveis, mas sim que certas intervenções deve ser toleradas pelas sociedades liberais", escrevem os dois autores em na revista especializada 'Jornal de Ética Médica'.

Em vez de falar sobre a mutilação genital, eles recomendam o uso do termo "alteração genital" para descrever os diferentes métodos de excisão e os riscos associados a eles.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), que lançou uma campanha contra a prática, cerca de 200 milhões de mulheres foram vítimas de excisão no mundo, principalmente na África e no Oriente Médio. O procedimento envolve a remoção parcial ou total da genitália externa feminina (clitóris, grandes lábios e pequenos lábios) e é realizada em crianças, às vezes muito jovens e em adolescentes por razões culturais, religiosas ou sociais.  A prática pode levar à morte em caso de choque hemorrágico.

Para os médicos Shah Kavita Arora e Allan J. Jacobs, ambos de Cleveland (EUA), dois tipos de excisão podem ser tolerados: as que não têm efeito duradouro sobre a aparência ou o funcionamento dos órgãos genitais e aquelas que mudam "ligeiramente" sua aparência, sem ter um efeito duradouro sobre a capacidade reprodutiva ou satisfação sexual das mulheres. Eles comparam essas intervenções à circuncisão masculina, que é legal no mundo ocidental. Todas as excisões que levam a perturbar a sexualidade e o curso da gravidez ou o parto devem ser proibidas, segundo eles.

A postura despertou fortes reações. Para a médica Ruth Mackin, da Escola de Medicina Albert Einstein de Nova York, "uma tradição cultural destinada a controlar as mulheres, mesmo da forma menos nociva, deve ser abandonada".

Brian D. Earp, pesquisador americano especialista em bioética teme que a autorização de excisões "mínimas" leve a um "fiasco", multiplicando os problemas legais, regulamentares, médicos e sexuais.  Ele prega também uma "atitude menos tolerante" diante da circuncisão, ressaltando que as crianças dos dois sexos "não devem ter seus órgãos sexuais alterados ou retirados antes que eles possam compreender e autorizar este tipo de intervenção".

Arianne Shahvisi, da universidade britânica de Sussex estima que uma abordagem minimalista teria poucas chances de culminar no objetivo desejado por estas mutilações, "que é controlar o apetite sexual das mulheres".