Terapia sistêmica ajuda a resolver conflitos familiares e melhorar relacionamentos em casa

Saiba mais sobre a constelação familiar

por Zulmira Furbino 07/02/2016 15:11
Paulo Filgueiras/EM/D.A Press
Para o analista de sistemas Marcelo Duca, a constelação foi o caminho para entender e aceitar muita coisa (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Os pais do analista de sistemas Marcelo Rodrigues Ferreira Duca, de 32 anos, separaram-se quando ele tinha 1 ano. O tempo passou, o pai morreu e a relação com a família ia ficando cada dia mais complicada. Havia questões com a mãe, e também com o pai, de cuja família ele tinha se afastado completamente. A situação angustiante o levou a procurar – e encontrar – ajuda. A saída encontrada por Marcelo foi a constelação familiar, terapia sistêmica que ajuda a desvendar as dinâmicas familiares ocultas que trazem conflitos e emperram a vida. Por meio dessa técnica, surgiu a resposta. Era preciso ser grato aos pais, apesar dos erros que eles eventualmente possam ter cometido. Com isso, a família do analista de sistemas, que não passava o Natal reunida há cinco anos, finalmente pôde comemorar a chegada do Bom Menino em dezembro do ano passado. E em paz.

“O único caminho para aparar arestas e acabar com os conflitos entre pais e filhos, e com tudo o que eles representam na vida de cada um, é a gratidão”, defende o homeopata e terapeuta de constelação familiar Andrei Moreira. A ideia, segundo ele, é que a gratidão mova a conexão para o mais e isso tem uma força especial na relação dos filhos com os pais. Para isso, é preciso buscar a gratidão aos pais sem críticas, julgamentos, exigências ou dó, já que qualquer uma dessas posturas ou formas de pensar colocaria os filhos acima dos genitores. “Na gratidão pelos pais, a gente se coloca numa postura de reconhecimento e de valorização real daquilo que simplesmente é”, ensina o homeopata, que também é escritor e presidente da Associação Médico-Espírita de Minas Gerais (Amemg).

PORTAL
Segundo a psicóloga e terapeuta holística Cristina Camargo, os pais são o portal que trouxe os filhos à vida e, por isso, eles (filhos) devem ser gratos, ainda que eles (pais) não lhes dessem mais nada. “Isso é algo muito antigo. A Bíblia diz “honra teus pais...”. Claro que existem pais e pais, há os que acolhem e os que traumatizam e violentam. Cabe aos filhos a consciência de que os pais são o portal. Com esse reconhecimento, os filhos tornam-se aptos a receber tudo de bom que vem dessa energia”, observa. Para Marcelo Duca, a constelação foi o caminho para encontrar a gratidão. “Minha mãe era superprotetora. Sentia que ela estava me segurando, me impedindo de seguir, mas consegui me colocar no lugar dela e compreender os motivos dessa superproteção. E percebi que, na realidade, ela já havia me dado forças para que eu me fizesse por mim mesmo. A proteção era só a forma que ela conhecia de amar.”

Em 2014, no interior da Bahia, o juiz Sami Storch conseguiu evitar que conflitos familiares se tornassem processos judiciais usando a técnica da constelação familiar antes das sessões de conciliação. O índice de acordo nos processos nos quais as partes participaram da audiência foi de 100%. Na visão do magistrado, o método contribui de maneira decisiva para o fim do conflito. Em 2015, a técnica foi usada com adolescentes infratores em processos de adoção e de violência doméstica na Vara Criminal e de Infância e Juventude de Amargosa, também na Bahia.

Marcos Vieira/EM/D.A Press - 15/12/15
Para a psicóloga Cristina Camargo (C), é na gratidão que mora a energia do fluxo da existência (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press - 15/12/15)


Convivência sem traumas

Especialistas afirmam que é preciso reconhecer a importância da família e se colocar em seu lugar real para aprender a viver em harmonia e a respeitar o fluxo da vida

Focar a parte do copo que está cheia, e não a vazia. Esse é o caminho para despertar, nos filhos, a gratidão pelos pais, retirando-os do processo de demanda, como fazem as crianças que esperam que os pais resolvam tudo, e abrindo para eles o caminho da própria vida. Ainda que a única coisa que os progenitores possam oferecer aos filhos seja trazê-los ao mundo, isso já seria motivo suficiente para que a prole reconhecesse e agradecesse pelo fato de ter nascido e estar viva. Essa é a premissa básica dos especialistas, que compreendem que é na gratidão que mora a energia do fluxo da existência. “Honrar os pais é reconhecer o valor do portal. Só por isso, um filho deveria se sentir grato, mesmo que os pais não lhe dessem mais nada”, defende a psicóloga Cristina Camargo. “Antes de qualquer problema que exista na relação com os pais – seja ele abandono, conflitos, não aceitação –, um filho é sempre fruto de um ato de amor dos pais, que permitiram que ele viesse ao mundo. Isso precisa ser reconhecido”, defende o homeopata e terapeuta de constelação familiar Andrei Moreira.

O estudante de medicina Marcus Renato Castro Ribeiro, de 27 anos, estava frustrado com o curso que escolheu, mas descobriu na gratidão ao amor dado pelo pai uma chave para resolver o seu impasse com a carreira. Fazendo a constelação familiar, Marcus identificou um conflito com o pai, algo que ele nunca havia percebido antes. “Meu pai sempre me deu tudo, mas vi que sempre havia exigido dele um afeto ao meu modo. Depois, consegui identificar que ele sempre demonstrou afeto por mim a vida toda. Quando enxerguei isso, minha relação com ele mudou, apesar de ele ter permanecido o mesmo. Nos aproximamos muito, consegui ser mais afetuoso com ele, no lugar de cobrar dele o que eu queria”, diz. A partir daí, Marcus passou a olhar tudo de positivo que a vida oferece. E garante que isso mudou também sua vida amorosa e profissional – e que os conflitos com a medicina acabaram.

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
Andrei Moreira, homeopata e terapeuta de constelação familiar (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)


“Dentro do coração dos filhos, há sempre um amor profundo pelos pais, ainda que esse sentimento nem sempre seja reconhecido. Quando as pessoas não libertam a gratidão, frenquentemente reproduzem padrões de comportamento, o que é uma forma de expressão do amor, e acabam se tornando iguais àquilo que criticam”, afirma Moreira, que também é escritor e presidente da Associação Médico-Espírita de Minas Gerais (Amemg). De acordo com ele, porém, na maior parte das vezes só o tempo pode despertar a gratidão dos filhos. “Às vezes, a pessoa precisa experimentar o fracasso para retornar. Quando está no olho do furacão, ela não consegue perceber isso. Muita gente tem que esperar anos até que as frustrações acumuladas a obriguem a fazer o movimento de volta”, diz. Ele conta que já ouviu de muitos pacientes que, depois desse reconhecimento, muitos conflitos que vivenciavam e eram sustentados inconscientemente pela falta de gratidão desapareceram. Às vezes, o amor é claro e abundante, mas, na família, não existe respeito à ordem. “Mas a ordem é muito clara e simples. Quem veio antes veio antes. Quem veio depois, depois. Quem veio antes dá, quem veio depois recebe. Quem veio antes é grande, quem veio depois, pequeno. Essa é uma lei natural da vida. Funciona para tudo”, sustenta Andrei Moreira.

BENEFÍCIOS
Segundo essa “lei”, quando o filho tem a oportunidade de focar conscientemente isso, buscando voltar ao seu lugar de filho, começam a surgir os efeitos benéficos. “Todos os dias, em quase todas as consultas, dá para sentir problemas dessa ordem. Vale para tudo: o relacionamento com os pais, os amorosos (passados e presentes) e até nas instituições”, diz Andrei Moreira. A ideia central é que é preciso respeitar o que chegou primeiro. Nesse sentido, não existe ex-mulher ou ex-marido, por exemplo. O que existe é o primeiro, o segundo, o terceiro amor. Diante disso, parceiros que exigem que seus pares esqueçam completamente o passado, como se o amor atual pudesse ser fonte de tudo, fazem um movimento de desrespeito e de violência com o relacionamento anterior e, por isso, enfraquecem o relacionamento atual.

Segundo Andrei Moreira, quando a pessoa decide se recolocar em seu lugar real, é possível ter contato com o sentimento de gratidão aos pais. Ela, no entanto, sai da rota quando deseja ser importante. “Muitas pessoas pagam um alto preço para serem importantes. São, por exemplo, filhos que querem resolver as coisas para os pais, sem respeitá-los, e se transformam num peso, porque ficam de frente para os pais e de costas para a própria vida. É diferente do filho grato, que cuida dos pais ou faz pelos pais o que eles precisam, mas sempre no lugar de filho, seguindo e respeitando o fluxo da vida”, ensina.

Mente mais aberta
Dinâmica da psicologia sistêmica, criada pelo alemão Bert Hellinger, chama o mundo a reinserir o ser humano em seu contexto familiar, profissional, amoroso, entre outras situações naturais da vida. Hellinger, filósofo, teólogo, pedagogo e psicanalista, nasceu em 1925 e desenvolveu a constelação familiar na década de 1970, a partir de sua experiência de 16 anos na África do Sul. A técnica ensina a descortinar uma dinâmica que, na maioria das vezes, permanece escondida nos sistemas de relacionamento familiar, o que também pode ser estendido para diversos outros campos da vida.