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Luz elétrica reduz nossas horas de sono

Pesquisa mostra que a presença da iluminação artificial na vida dos indivíduos é capaz de reduzir em 30 minutos por noite as horas dormindo

Marcelo Ernesto
Seguidas noites maldormidas podem acarretar problemas cardíacos, no sistema imunológico e até mentais - Foto: Valf / EM / D.A Press
O que é mais importante para você: a qualidade do seu sono ou o conforto trazido pela presença da energia elétrica em sua vida? Essa pergunta pode parecer descabida, especialmente porque vivemos cada dia mais cercados de artefatos tecnológicos, mas um estudo recente mostra a influência desses objetos na qualidade e na quantidade do sono nosso de cada dia. A pesquisa comparou os padrões do sono em casas com e sem luz elétrica. O resultado revelou que a claridade artificial provoca perdas significativas da sonolência. E mais: especialistas garantem que seguidas noites maldormidas podem acarretar problemas cardíacos, no sistema imunológico e até mentais.

O estudo mostra como a presença da luz elétrica afetou diretamente a quantidade do sono dos indivíduos expostos à presença dela. Foi analisado um grupo de 700 seringueiros que vivem no município de Xapuri, no Acre, todos residentes na Reserva Extrativista Chico Mendes. Parte deles tem acesso à energia e outros não tem esse conforto. A pesquisa “A organização temporal do trabalho e suas repercussões na saúde e bem-estar de seringueiros e operários que trabalham em uma reserva extrativista amazônica” envolveu especialistas do Brasil, Reino Unido e da Suécia.

O estudo revelou que a presença da melatonina, hormônio responsável por estabelecer a rotina do sono, demorou mais tempo para aparecer nos seringueiros que estavam expostos à energia elétrica quando comparados com os que não têm acesso à luz artificial. Essa condição determinou diretamente a diminuição do tempo de sono de cada seringueiro em menos 30 minutos diários, quando comparados.
Ao longo da semana são duas horas e meia a menos dormindo. Levando em consideração um mês é como se o indivíduo ficasse uma noite e meia sem dormir e sem ter reposição, considerando a média de oito horas de sono.

“Trata-se do primeiro estudo realizado em uma população de trabalhadores não só com hábitos semelhantes, mas com origem étnica homogênea, a maioria descendente de nordestinos e que vive ali há gerações. Até então tudo o que tínhamos eram estudos em laboratório, muitas discussões sobre a exposição à luz intensa ‘arrastar’ o ritmo biológico, mas sem comparações na espécie humana, disse Claudia Roberta de Castro Moreno, da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP), responsável pela pesquisa. Ainda segundo a pesquisadora, como a energia elétrica está em todos os nossos ambientes, estudos como esse acabam sendo raros e oferecem uma oportunidade de interpretar melhor essas percepções.

Os resultados ainda demonstraram que o chamado ciclo circadiano – que estabelece as rotinas e o funcionamento do organismo -, também sofreu alterações com a presença da luz e isso contribuiu para o atraso no início da produção da melatonina. “A sociedade moderna promove um estilo de vida que trabalha contra o alinhamento circadiano, com o aumento da exposição à luz artificial e uso de equipamentos eletrônicos. O estudo contribuiu para ampliar o entendimento sobre o equilíbrio desejado entre a exposição à luz artificial e à natural e sua influência na saúde das pessoas”, explicou Moreno.

O estudo
Para chegar aos resultados, os seringueiros foram divididos em três grupos de acordo com os hábitos de trabalho. Quem trabalha somente durante o dia, somente à noite e quem tem a rotina durante o dia e também à noite. Cada seringueiro também respondeu a uma entrevista feita por uma equipe da Universidade Federal do Acre (Ufac) que registrou informações sobre o sono de cada um. Isso na primeira fase.

No segundo momento do estudo, durante 15 dias, um grupo de 20 seringueiros foi monitorado, inclusive com equipamentos que mediam a atividade física, por meio de um aparelho chamado actímetro. A movimentação, registrada no equipamento, foi comparada com os horários onde existe a presença de luz natural ou a artificial. O nível de melatonina também foi medido. Foram colhidas amostras de saliva dos grupos em diferentes horários e as amostras encaminhadas a São Paulo e depois para a University of Surrey, na Inglaterra.

Os resultados das duas análises mostraram que quando expostos à luz elétrica os indivíduos se movimentavam até mais tarde, como registrado nas medições com o aparelho. Já a melatonina demorou mais a aparecer no organismo de quem tinha a claridade artificial.
Essas condições contribuíram para que o aparecimento do sono fosse adiado.

Repercusões cardiovasculares, imunológicas e até mentais
A presença da energia elétrica na vida dos indivíduos além de alterar a produção de melatonina, por causa da presença da luz artificial, como comprovado no estudo, ela ainda permite que as atividades sejam estendidas até mais tarde. Tudo isso afeta a qualidade do sono e, cada vez mais, empurra o momento de ir para cama para altas horas da noite. Com menos horas dormidas por noite o indivíduo fica com a saúde exposta. “Ficar sem dormir ou dormir menos que o necessário traz uma série de repercussões cardiovasculares, imunológicas e ate mentais. Mais que descansar, como algumas pessoas pensam, o sono é responsável por reparos no nosso organismo. É absolutamente necessário que a pessoa tenha um bom sono”, disse o professor de psiquiatria da UFMG e médico do sono, Maurício Viotti.

Ainda segundo o especialista, não só a presença da luz mas a intensidade de atividades que demandam raciocínio afetam a qualidade e quantidade do sono dos indivíduos. Segundo Maurício, para a média dos indivíduos, oito horas por noite é suficiente. Ele recomenda que sejam tomadas medidas para higiene do sono. Umas delas é diminuir a intensidade das luzes próximo a hora de dormir e evitar atividades intensas.

“Após o jantar pode se estabelecer uma rotina mais amena.
Relaxar, tomar um chá, não comer demais. Pode se ouvir uma música, ler etc”. Viotti ainda diz que se em caso de insônia ao deitar o ideal é que a pessoa não fique na cama. “A pessoa pode condicionar que não vai conseguir dormir e isso acaba prejudicando a qualidade do sono”.

Fim de semana
Para as pessoas que devido às atividades sociais e ao trabalho não conseguem dormir o suficiente durante a semana, Maurício diz que esse período pode ser compensado nos fins de semana. Apesar disso, ele reforça que dormir o dia todo ou acordar muito tarde também não é recomendável. Nos casos de insônia, o médico afirma que deve ser investigado o motivo da falta de sono e, somente se não for encontrada uma causa secundária, é que se recorre a medicamentos.

“Muitas vezes a insônia, na verdade, ocorre devido a uma causa secundária. Pode ser estresse, ansiedade. Nesses casos, é tratado o problema e o sono é restabelecido”, destaca. Por fim, ele faz um alerta: “Dormir não é perda de tempo. Durante o sono, a concentração e a memória são regulados. Sabe-se que quem dorme em excesso ou pouco vai viver menos”, afirmou. .