Pensamento positivo: tirar foco do que é ruim é fundamental para atravessar tempos difíceis

Em tempos de crises e fatores globais de pessimismo, há quem escolha enxergar a vida com bons olhos em nome da saúde física e mental

por Carolina Cotta 22/11/2015 11:58

Crise política. Instabilidade econômica. Medo de desemprego. Doença na família. Dramas pessoais. Vivemos tempos difíceis, é inegável. Quando tais eventos aparecem juntos a impressão é a de que nunca foram tão grandes as adversidades. Mas não se desespere: esse é mais um dos tantos momentos difíceis que enfrentamos ao longo da vida. Para muitas pessoas, a sucessão de problemas traz angústia, medo, estresse e ansiedade. É real a possibilidade de corpo e mente adoecerem nessas situações. E por isso mesmo é tão importante buscar equilíbrio e harmonia.

Para Acely Hovelacque, médica clínica e homeopata, tantos obstáculos podem desestabilizar, principalmente, pessoas mais velhas e depressivas. “Esses acontecimentos são fatores adoecedores e de desorganização. Mas, em situações difíceis, temos que pensar no que temos de bom. Onde está o que não adoeceu? Qual é o fator que estabiliza? O que me vitaliza? O que me deixa em um estado melhor?”, pondera a especialista, autora do livro A bula da vida: uma fábula sobre medicação e meditação (Editora Autêntica).

Arte/EM/D.A Press
Fé em força superior, meditação, manutenção da relações de carinho e afeto, exercício físico: cada pessoa tem um jeito mais eficiente de enfrentar os desafios próprios da vida (foto: Arte/EM/D.A Press)
Citando o filósofo francês Jean-Yves Leloup, para o qual a humanidade está vivendo um apocalipse, uma revelação, Acely acredita que haja algo desmoronando, mas também algo nascendo. “Escutamos o barulho do carvalho que cai, mas não escutamos o barulho da floresta que brota. Ouvimos o ruído das torres desmoronando, mas não escutamos a consciência que desperta. No mundo de hoje, muitas coisas desmoronam, e, em geral, falamos das coisas que fazem ruído, mas não falamos das sementes de consciência e de luz que estão germinando.”


Maria Tereza Correia/EM/D.A Press
Acely Hovelacque, médica clínica e homeopata, recomenda meditação e exercícios de respiração para retomar contato com a positividade (foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
ACREDITAR Tirar o foco do ruim e pensar no que é bom é essencial para atravessar esses momentos. Ter fé em algo maior, meditar, buscar as relações mais acolhedoras, se exercitar... tudo pode funcionar. Cada pessoa tem um jeito mais eficiente de enfrentar os desafios próprios da vida e deve identificá-lo e usá-lo.

 

“E se a pessoa não acreditar em nada, pode recorrer a uma ferramenta comum a todos: respirar. O oxigênio acalma, nos dá a chance de estar mais lúcidos”, defende Acely.

 

Esta reportagem traz histórias de pessoas que estão reagindo a essa onda de problemas e, principalmente, ajudando outras a encontrar a paz interior. São experiências de superação, de novos planos de vida, de atitudes simples, porém capazes de envolver os mais próximos contra o pessimismo.

 

Em comum, todos têm a consciência de que momentos difíceis sempre existirão e uma proposta de ação, e não apenas de lamento. Vamos tentar?

Olhar para dentro
“Pare. Respire. Repouse um pouco e encontre uma conexão, uma frequência mais saudável. Tenha um gesto de bondade consigo mesmo”, sugere Acely Hovelacque, segundo a qual estamos sendo pouco generosos com nós mesmos. Para a médica clínica e homeopata, integrante do Colégio Internacional de Terapeutas, esse “exercício”, três vezes ao dia, no momento em que paramos no sinal, aguardamos em uma sala de espera ou estamos tensos, nada mais é do que um tempo para nós. “A ansiedade tem muito a ver com o futuro. A atenção plena no agora, a pausa pra respirar com calma quando as coisas começam a dar errado, pode ajudar a enfrentá-la”, defende a médica.

É essa a “receita” de Acely para resgatar a harmonia e o equilíbrio. A especialista sugere que, logo pela manhã, antes mesmo de sair de casa, as pessoas se voltem para si próprias e pensem sobre quem são e para onde estão indo. “A sensação que tenho é que as pessoas perderam a escuta de si mesmas, e ainda mais a do outro. Esse ritual de presença é uma forma de buscar estabilização para o dia que começa. Poderia ser uma meditação, mas também pode ser uma simples pausa para lembrar quem sou e por que estou aqui, antes de ligar o celular e receber quinhentas mensagens”, sugere.

Para a especialista, quando estamos instáveis e não sabemos quem somos, corremos o risco de cair. Isso fica exacerbado quando passamos por muitos problemas ao mesmo tempo. Ou quando vemos, ao nosso lado, tantos problemas, como os ocorridos nos últimos dias. Os atentados de Paris, poucos dias depois da tragédia em Mariana, sensibilizaram, promoveram a solidariedade e o debate, mas também foram responsáveis por uma sensação de impotência que paralisa. Muitas pessoas fugiram das redes sociais numa tentativa de não encarar uma realidade tão dura.

Nem sempre encarar a realidade é o melhor caminho. Para Acely, importante mesmo é termos consciência de que não estamos bem, sendo capazes de identificar quais fatores ajudam e quais agravam a instabilidade. “Precisamos também ter consciência de quando necessitamos de ajuda, se de um médico, de um psicólogo ou de um amigo. Às vezes, a leitura de um bom livro ou o relaxamento depois de uma atividade física já são capazes de acalmar e ajudar aquela pessoa a seguir em paz. Há fatores adoecedores e aqueles que promovem mais saúde. Importante é identificá-los”, alerta.

A meditação é uma boa aposta, pois promove a lucidez que muitos estão perdendo. De forma geral, é uma prática que ajuda a “voltar pra casa”, e para o aconchego que isso representa. Mas há pessoas que relaxam correndo. “Meditação, dormir bem, praticar esportes e conectar-se com a arte ajudam. Quando entramos no cinema ou ouvimos uma música, muitas vezes conseguimos trocar de realidade, e isso descansa, abre outra perspectiva. Se foco o problema, entro em um ciclo vicioso. Nessas horas, também é importante conversar com pessoas lúcidas e não bater à porta de um terrorista afetivo. Tem hora que precisamos atacar e tem hora que precisamos nos retirar.”

ENCONTRO COM A NATUREZA
O médico e escritor João Celso dos Santos, de 66 anos, refugiou-se na paz de um vilarejo. Ele tem uma casa em Macacos desde 1989, chegou a morar lá em outros tempos, e depois que se aposentou no serviço público escolheu o lugar para viver essa nova fase. “Recolhi-me àquilo que gosto: um canto em contato com a natureza com o qual sonhava desde minha adolescência. Um lugar para poder escrever”, comenta João, que já teve um conto adaptado pelo Grupo Galpão.

Adepto do conceito da saúde integrativa, que visa a integração do indivíduo consigo mesmo, consciente e inconsciente, com o outro e com o universo, João busca, numa abordagem histórica e antropológica da nossa história, o alento para momentos como o atual. “O medo está no cerne da humanidade. Desde que optamos pela razão, tudo o que fazemos é em busca de segurança. Então, precisamos aprender a lidar com esse sentimento. E não devo esperar que o outro faça nada por mim. Por isso, gosto tanto dos versos da música Tocando em frente: 'Cada ser em si possui o dom de ser capaz de ser feliz, cada um compõe a sua própria história'.”

BEM-ESTAR COMPROMETIDO
Fragilidade econômica, corrupção, inflação e aumento do desemprego estão impactando a saúde e o bem-estar do brasileiro, gerando ansiedade, depressão em diferentes graus e outras complicações emocionais e físicas. Levantamento da clínica de medicina preventiva Med-Rio Check-up, revela que cresceu mais de 30% o índice de pacientes deprimidos em relação ao mesmo período em 2014.

 

Os mais de 100 mil exames considerados no levantamento relevam que a ansiedade passou a atingir 32% dos pacientes, índice que era de 20%. A automedicação aumentou de 10% para 18%. Em relação à insônia, 25% dos clientes examinados relatam dificuldade para dormir e têm o sono interrompido regularmente. E 70% estão padecendo de alto nível de estresse. Em 2010, o índice era de 55%.

Pense positivo

Crises sempre acompanharam a humanidade, mas a velocidade da informação e o mais elevado grau de conexão já experimentado pelas pessoas e povos parecem ter projetado qualquer acontecimento a uma nova dimensão. A profusão de notícias compartilhadas, a abertura de tantos fóruns de debate virtuais, como os proporcionados pelos grupos de WhatsApp, geram mais comentário sobre tudo, e esse tudo torna-se maior do que é.

 

Foi assim com as eleições, quando as pessoas se questionaram por que política, enfim, passou a interessar a todos. Foi assim com a foto do garoto sírio resgatado sem vida em uma praia. Foi assim com a cidade de Mariana, em Minas Gerais, e com Paris.

Paulo Filgueiras/EM/D.A Press
Segundo Patrícia Carvalho, há quem busque meditação para ''poder conviver com todo esse caos e ser menos influenciada por tantos problemas'' (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Para a dentista Patrícia Carvalho, de 47 anos, coordenadora do Brahma Kumaris em Minas Gerais, organização internacional para o desenvolvimento humano e da qualidade de vida, é paradoxal, mas, ao mesmo tempo em que as pessoas se tornam mais ansiosas com problemas diversos à sua volta, elas também têm mais percepção de que precisam fazer alguma coisa para lidar com isso. “Parece que, quando se chega ao auge do estresse, da ansiedade e da insatisfação, é mais fácil despertar para a necessidade de fazer algo diferente”, acredita Patrícia.

Com essa ansiedade crescente, há cada vez mais abertura para a meditação e o autoconhecimento. “As pessoas estão procurando mais esses recursos para poder conviver com todo esse caos e ser menos influenciadas por tantos problemas”, defende. Para Patrícia, não temos, a princípio, uma estrutura capaz de absorver tantos detalhes e informações e, de repente, nos deparamos com isso em profusão. Tanta coisa ruim gera ansiedade e uma sensação de que não somos capazes de dar conta de tudo isso. “Criamos, então, uma sensação de urgência que não é real. Um exemplo é nos sentirmos culpados se não respondemos a uma mensagem”, explica.

COMPETÊNCIAS Serenidade, calma, autocontrole e estado de satisfação não serão encontrados no consumismo e em questões materiais. E, se não investirmos nesse equilíbrio, estaremos sujeitos a ver problemas familiares, de relacionamento e financeiros se intensificarem. “Se a pessoa não está bem, ela não consegue manter a harmonia nas relações. Isso só reforça minha crença de que aquilo que precisamos não está fora de nós. Pelo contrário, o mundo não tem nada para nos oferecer no nível de experiência. Não devemos buscar felicidade no mundo, temos que estar felizes para curtir o mundo. Se queremos amor, precisamos primeiro desenvolver um estado de amor-próprio.”

Para Patrícia, o desenvolvimento interno é uma das chaves para enfrentar os problemas com mais equilíbrio e serenidade. Isso exige desenvolver capacidades internas, competências. “Não basta você ser um ser humano mediano, você precisa ser capacitado para lidar com a complexidade dos problemas. O mundo lá fora, as pessoas, a sociedade, todos estão precisando da nossa ajuda. Se o mundo precisa da nossa paz, harmonia, felicidade, é fundamental que nos preparemos para isso. Precisamos entrar em contato com nossas qualidades internas. A meditação é um dos meios. Mas há outros também.”

Palavra de especialista
Frederico Tavares -- Corrdenador do Mestrado em Comunicação da UFOP

 

“O mundo não está 'mais difícil', mas está mais evidente, mais 'transparente'. Nossa vida será sempre complexa, à medida que nos envolvemos em coisas, a partir de nossas escolhas ou mesmo de acontecimentos. Uma biografia sempre será algo marcado por fluxos intensos, não apenas 'hoje'. No entanto, acho que vivemos agora novos regimes de visibilidade. Sabemos mais o que as pessoas pensam, como agem. Estamos mais expostos, somos mais vistos e observados. Como diz um amigo meu, usando uma antiga expressão: 'O rei está nu'. Por exemplo: o ódio, a intolerância, o preconceito, a injustiça, a desigualdade social não são novidade. Sempre existiram. Mas hoje é possível vê-los, 'tocá-los', ouvi-los onde e quando menos se imagina. Escancarados, indiscretos, eu diria. Inclusive a partir de quem menos se imagina. Nas redes sociais, na internet. Por isso, nos decepcionamos com entes queridos, com amigos, familiares, colegas. Mesmo que tenhamos sempre vivido com eles. Por causa desse contexto e desses espaços, hoje rompemos amizades, desfazemos relações, contratos. Somos processados etc. E não adianta separar o 'real' do 'virtual'. Os discursos, as representações que produzimos podem nos trair, é verdade, mas são um excelente espelho e vitrine que nos servem de anteparo para a nossa sociabilidade contemporânea. Nesse aspecto, concordo que seja uma dificuldade, um obstáculo da vida atual. Mas pode ser também uma virtude, uma fonte para o engajamento e para entendermos, por aí, quem realmente somos e o mundo que queremos para nós, fazendo valer a 'ética', no seu sentido original e não naquele sentido enviesadamente moralista.”

 

Convite para o bem

Paulo Filgueiras/EM/D.A Press
Breno Henrique Silva crê que leva um estilo de vida positivo, o que permite a ele ajudar os amigos (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Na última sexta-feira, 13, por sinal, logo depois da notícia dos atentados em Paris, o empresário Breno Henrique Silva, o Fuscão, de 36 anos, se encontrou com os amigos para uma “cervejinha” de abertura do fim de semana. Era para ser uma noite agradável, mas a turma passou o tempo lamentando por Paris e Mariana. “Temos filhos pequenos, alguns recém-nascidos, e as tragédias deixaram todos temerosos”, lembra.

 

Mas Breno, que tem o que chama de “estilo de vida positivo”, ao acordar no sábado e ver tantas mensagens pessimistas no grupo do WhatsApp, resolveu mandar uma mensagem diferente. Propôs que fizessem coisas boas.A ideia foi animar os amigos. “Estava sentindo a turma desiludida e convidei todos a saírem do baixo- astral que tomou conta das conversas de boteco”, conta. “O mundo e a vida são duas coisas sensacionais, cruel mesmo é o ser humano. Alguns seres humanos. Os que trabalham para o mal ou para o ódio são minoria. Os ruins sempre estiveram em desvantagem numérica.

 

O bem ainda é maior; as pessoas honestas e trabalhadoras ainda existem em quantidade muito superior; os bons filhos são mais numerosos que os maus filhos; nem toda empresa ou empresário é ganancioso; os bons policiais são maioria; e por aí vai. Só político que é tudo farinha do mesmo saco”, dizia parte da mensagem.

 

COISAS BOAS Para Breno, desde o início da humanidade, existem as tragédias e a divulgação da crueldade. Para ele, é impossível não se sensibilizar e simplesmente fechar os olhos. Porém, não dá para ficar só lamentando. “As coisas ruins são muito mais noticiadas que as coisas boas, que ocorrem o tempo todo. Vi, naquele momento de descrença de pessoas tão próximas, a oportunidade de jogar uma mensagem positiva. Apesar de tanta coisa ruim, existem também muitas coisas boas sendo praticadas mundo afora. Coisas boas também acontecem ao nosso lado todo o tempo.”

 

E, assim, convocou os amigos a procurar alguma forma de fazer boas ações.“A ideia foi provocar um sentimento bom. Sugeri que eles olhassem as coisas boas à sua volta, que fossem ao parque com os filhos ou que aproveitassem o fim de semana para almoçar a comida da mãe, que pusessem o pé no chão, que ouvissem uma música que não escutavam há muito tempo. Funcionou, porque, como resposta, fui recebendo fotos e mensagens do que estavam fazendo com aquilo. Não tem como não se sensibilizar com as tragédias. Mas não acho que devemos ficar paralisados. Temos que aprender com elas e agradecer por levantarmos e termos mais um dia de sol”, defende.