Saúde

Cochilos muito longos e a sonolência durante o dia são fator de risco para diabetes, diz estudo

Apesar de ainda não ser possível estabelecer uma relação de causa entre os problemas de sono e a doença metabólica, outros estudos já chegaram à mesma conclusão

Correio Braziliense

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Dormir pouco é uma característica típica da modernidade, marcada também por um estilo de vida cada vez mais acelerado dentro e fora de casa. Cientistas têm observado, no entanto, que o hábito de fechar os olhos por menos de oito horas durante a noite aumenta o risco de desenvolver ou agravar o diabetes tipo 2, além de problemas cardiovasculares e neurológicos. Um estudo da Universidade de Tóquio, no Japão, mostra que pessoas com sonolência excessiva durante o dia e que tiram cochilos por horas apresentam mais chances de ter a complicação metabólica, ao contrário de quem se contenta com sonecas de até 30 minutos.


“Essa sonolência e esses longos cochilos podem ser consequência de distúrbios do sono durante a noite, como a apneia obstrutiva do sono”, explica o especialista em epidemiologia e doenças metabólicas Tomohide Yamada, líder da pesquisa japonesa, que foi detalhada, no mês passado, no encontro da Associação Europeia para o Estudo da Diabetes (EASD, na sigla em inglês). Ele e a equipe fizeram uma meta-análise para investigar a relação entre sonolência diurna e/ou cochilos e o risco de desencadeamento do diabetes tipo 2. A pesquisa considerou três bases internacionais de publicações científicas — Medline, Cochrane Library e Web of Science — e foram selecionados artigos publicados a partir de novembro de 2014.

Dos 683 estudos identificados, 10 se enquadraram nos critérios estabelecidos por eles para o estudo aprofundado. As pesquisas selecionadas foram realizadas na Suíça, na China, na Espanha, na Alemanha, nos Estados Unidos e na Finlândia. A análise mostrou que o risco de diabetes tipo 2 era aumentado em 56% entre aqueles que sofriam sonolência durante o dia. Para quem afirmou tirar cochilos longos, o incremento foi de 46%. Os autores concluíram que cochilos curtos, de meia hora, não apresentam riscos para a doença metabólica.

Yamada alerta, porém, que ainda não é possível estabelecer uma relação de causa entre problemas de sono e diabetes. “A sonolência excessiva e os cochilos longos podem ser apenas algumas marcas dessa doença, ainda não há uma evidência da causa”, ressaltou o pesquisador. Há, no entanto, outros estudos que chegaram à mesma conclusão.

Especialista em endocrinologia e diretor da Sociedade Brasileira de Diabetes, Antônio Carlos Lerário acredita que as complicações noturnas e as consequências delas ao longo do dia possam ser, na verdade, mais um fator atrelado ao desenvolvimento de doenças. “Os distúrbios do sono podem ser fatores de risco comuns de alguns males, mas não são os únicos. Existem também a genética, a falta de exercícios, o estresse, a má alimentação, tudo isso pode levar ao diabetes e a outros prejuízos à saúde”, ressalta.

A especialista em medicina do sono Luciane Mello, do Hospital Federal da Lagoa, no Rio de Janeiro, complementa: “Há indícios de que cochilos prolongados estão associados ao risco de desenvolver doenças cardiovasculares, mas existem várias condições para essas doenças. O hábito de dormir pouco nem sempre é determinante”. Lerário considera importante que haja mais pesquisas para identificar, de forma detalhada, como o sono pode provocar prejuízos graves ao organismo. “Ainda é confuso, difícil, separar uma coisa da outra. Por que um indivíduo aumentou a taxa de glicemia? Por ele estar obeso ou por dormir mal? Essa obesidade causou apneia do sono, ou o contrário? Algumas pessoas têm apneia e não têm diabetes. Não foi explicado o que desencadeia o quê”, observa.

Mesmo sem consenso, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aponta outro indício para a ligação entre o sono e o desencadeamento de doenças. “Ocorre durante o sono uma limpeza de toxinas que se acumulam no cérebro. Sem ele, o acúmulo é maior. Por isso, dormir alivia os sintomas da enxaqueca e o Alzheimer, por exemplo”, explica. “No mundo moderno, com tantas pressões sociais, respeitar a necessidade de repouso é importante. Quem tenta dormir o quanto quer e não consegue, ou acorda no meio da noite sem sono, precisa procurar auxílio médico”, recomenda.

Defesa em alerta
O que acontece com o corpo quando ele está em repouso intriga e move pesquisadores pelo mundo. Uma das descobertas é de que não há tanta inatividade assim; ao contrário, diversos mecanismos são acionados durante o período, como a liberação de hormônios, a consolidação do aprendizado e até mesmo a criação de uma memória imunológica. Um artigo publicado no último dia 30, na revista Trends of Neurosciences, segue essa última linha. Segundo o estudo alemão, no sono profundo, o sistema imunológico, responsável pelo combate de bactérias e vírus, faz uma espécie de arquivo com características desses invasores para identificá-los em uma próxima infecção.

“Se nós não dormimos, o sistema de defesa poderá focar em partes erradas do invasor”, explica Jan Born, autor da pesquisa e especialista em sono e memória pela Universidade de Tuebingen, na Alemanha. O estudo aponta que esse sistema coleta fragmentos de vírus e/ou bactérias para criar as células T de memória, que duram por meses ou anos e podem ajudar o corpo a reconhecer uma infecção, atuando de forma mais rápida no combate. Dessa forma, a privação de sono deixaria o organismo vulnerável aos ataques de patógenos.

O artigo acrescenta ainda que pesquisas anteriores em humanos mostram uma associação entre o aumento da quantidade de células T de memória e a fase de sono profundo logo após o corpo receber uma vacina. “Esse modelo de memória celular deve ser avaliado, tendo em vista a criação de vacinas contra o HIV, a malária e a tuberculose, que são baseadas na memória imunológica”, ressaltou Born.

Quanto maior o cérebro, mais sono

Se um animal passa várias horas por dia dormindo, dificilmente terá tempo para buscar alimentos e, com isso, ao longo da evolução da espécie, adquirirá um corpo mais compacto do que aqueles mais ativos. Isso marca a diferença, por exemplo, entre um elefante, que fica acordado 21 horas por dia, e um morcego, que dorme 20 horas. Mas o que faz com que um morcego durma mais do que um elefante, ou que um humano durma quatro vezes o sono de uma girafa, que fica satisfeita com apenas duas horas?

A pesquisa da neurocientista Suzana Herculano-Houzel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, traz uma pista para um dos questionamentos seculares da ciência sobre a relação entre massa corporal e horas de sono: tudo depende da concentração de neurônios no cérebro. Dessa forma, quanto maior for a densidade da massa de neurônios, mais tempo é necessário dormir. Segundo a pesquisa, publicada em setembro na revista Proceedings of The Royal Society B, isso ocorre por que, quanto mais próximas estão as células nervosas, mais conexões são feitas, aumentando as taxas de substâncias que induzem o sono.

Suzana analisou o cérebro de 24 espécies de mamíferos, entre primatas (gorilas e humanos), roedores, girafas e elefantes. Ela observou que, quanto maior o animal e o cérebro dele, menos ele dormia. A pesquisadora sugere que as espécies que têm mais neurônios poderão dormir menos — o que considera uma vantagem evolutiva, pois terão mais tempo para se alimentar, aumentando também as chances de desenvolver um corpo maior.

Bebês
A hipótese da cientista explicaria ainda por que os bebês humanos (e de algumas outras espécies) dormem tanto e os idosos têm mais dificuldade para uma boa soneca. Segundo a cientista, todos nascem com a mesma quantidade de neurônios, mas o cérebro de um recém-nascido é bem menor do que o de um adulto. Logo, as células nervosas ficam mais concentradas num espaço apertado. Com o passar do tempo, o cérebro aumenta, os neurônios ganham espaço e chega-se à média de oito horas de sono de um humano adulto. Na velhice, acredita-se que há uma perda de células nervosas, fazendo com que o sono também seja reduzido.