Saúde

Inovações para doenças que afetam mais os pobres levam o Nobel

Prêmio de Medicina é concedido a três cientistas pelo trabalho no combate às doenças parasitárias. Um dos tratamentos criados reduziu em 60% as mortes causadas pela malária nos últimos 15 anos

Rodrigo Caveiro

William Campbell (esquerda), Youyou Tu (meio) é a primeira chinesa a receber o prêmio: referência em malária | Satoshi Omura (direita) ficou surpreso com o resultado: "Devo ser muito sortudo"
Brasília – A cada ano, milhões de pessoas são afetadas por doenças parasitárias, principalmente em populações carentes de países da África Subsaariana, do Sul e do Centro da Ásia e da América do Sul, inclusive o Brasil. Cerca de 450 mil morrem, no mesmo período, depois de contrair malária, em sua grande maioria crianças. Também conhecida por elefantíase, a filariose linfática acomete 100 milhões, causa inchaços e deformações crônicas, levando ao estigma e à incapacitação. Por sua vez, a oncocercose provoca inflamação da córnea e perda da visão e é chamada popularmente de “cegueira dos rios”. O Comitê Nobel do Instituto Karolinska reconheceu nesta segunda-feira (05/10) o trabalho de três pesquisadores que desenvolveram tratamentos para essas enfermidades e revolucionaram a saúde pública: o irlandês William Campbell, de 85 anos; o japonês Satoshi Omura, de 80; e Youyou Tu, de 84 – a 12ª mulher e a primeira chinesa a receber o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina.


Os dois primeiros dividem metade da honraria “por descobertas concernentes a uma nova terapia contra infecções causadas por vermes”. Youyou Tu recebe a outra parte “pelas descobertas em relação a novo tratamento contra a malária”. Campbell e Omura descobriram a avermectina, uma droga que reduziu, de forma radical, a incidência de oncocercose e de filariose linfática, além de ser eficaz contra um número crescente de doenças parasitárias. Youyou Tu isolou a artemisinina em uma erva medicinal chamada Artemisia annua, comum em regiões temperadas da Ásia. A substância teve impacto significativo na redução da mortalidade causada pela malária. “As enfermidades parasitárias afetam especialmente as populações mais pobres do mundo e representam enorme obstáculo para melhorar a saúde e o bem-estar humano”, declarou o Comitê Nobel.

“Você deve estar brincando!”, afirmou Campbell, ao ser despertado na madrugada de ontem com a ligação do Comitê Nobel avisando-o do prêmio. “Eu pedi uma maneira de comprovar isso porque achava impossível”, contou. Omura disse que “humildemente” aceita a honraria e também revelou-se surpreso. “Minha pesquisa não é tão eficiente para obter o Nobel, mas fizemos boas coisas. No entanto, talvez haja muitos bons pesquisadores no mundo. De qualquer forma, eu devo ser muito sortudo”, comentou, em meio a sorrisos.

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Merecimento Diretor do Programa Especial para Treinamento e Pesquisa em Doenças Tropicais e ex-diretor do Programa Global de Malária da Organização Mundial da Saúde (OMS), o australiano John Charles Reeder afirmou ao Estado de Minas que a escolha do Nobel de Medicina foi um reconhecimento “muito importante” e “merecido” por uma série de razões. “Além da excelência da ciência conduzida para a obtenção dessas descobertas, esses cientistas desenvolveram tratamentos para doenças que mais afetam pessoas em nações de baixa e média rendas, as quais eram raramente priorizadas”, explica. Segundo Reeder, os compostos de artemisinina se tornaram a base da terapia contra a malária nos últimos 15 anos. “Eles têm sido usados em terapias de combinação, a fim de reduzir o risco de desenvolvimento de resistência ao medicamento. Todos os países afetados pela malária adotaram esses tratamentos, disponibilizados para o setor público”, lembra. Ainda de acordo com o diretor da OMS, desde 2000, mais de 1 bilhão de cursos de terapias baseadas em artemisinina foram administrados para pacientes com malária. “Isso foi um importante fator contribuinte para o declínio de 37% na incidência de malária e de 60% nas mortes causadas pela doença, nos últimos 15 anos.”

Em relação à oncocercose, 90 milhões de pessoas em 31 nações da África Subsaariana recebem tratamento anual com ivermectina, produto da avermectina. Antes disso, regiões inteiras da África eram atingidas pela cegueira ou por grave desfiguração. Foi uma notável conquista da saúde pública”, acrescentou Reeder. Na semana passada, Youyou Tu foi homenageada com o Prêmio Warren Alpert, cedido pela Universidade de Harvard. Um reconhecimento a pesquisas em ciência básica que transformaram a saúde pública em todo o planeta.

“Por quase meio século, Youyou Tu foi líder na pesquisa de malária. Por sua expertise única, ao combinar a ciência farmacêutica moderna com a medicina tradicional chinesa, ela foi escolhida na década de 1960 para liderar um programa do governo chinês dirigido à descoberta de novas drogas, o Projeto 523. Youyou e sua equipe estudaram mais de 2 mil preparações de ervas chinesas e identificaram atividade antimalária em quase 700 delas. Mais da metade foi testada em camundongos. Foi um processo lento e trabalhoso. Os resultados intrigantes vieram da planta Artemisia annua: eles perceberam que extratos do vegetal inibiam o crescimento do parasita em roedores”, relatou ao EM.

Parceria com brasileiro
Carlos Morel, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inovação em Doenças Negligenciadas da Fundação Oswaldo Cruz, conhece pessoalmente o japonês Satoshi Omura. Ambos assinaram em conjunto artigo na revista científica Trends in parasitology, intitulado “The onchocerciasis chronicle: from the beginning to the end?” (“A crônica oncocercose: do começo ao fim?”), publicado em julho de 2012. “Foi um prêmio mais do que justo”, comemorou o brasileiro.



Urban Lendahl, secretário do Comitê Nobel para Fisiologia ou Medicina

 

Por que o trio de cientistas mereceu o Nobel?
As descobertas pelas quais eles foram agraciados levaram a tratamentos que são muito mais eficientes do que terapias anteriores, com consideravelmente menos efeitos colaterais. Para algumas das doenças causadas pelos vermes parasitas não havia qualquer droga eficiente antes do advento da ivermectina.

Qual o motivo de metade do prêmio ter sido concedido a Youyou Tu?
É o que chamamos de prêmio compartilhado. As pesquisas de Campbell e de Omura se constituem em uma metade – as contribuições de ambos foram necessárias para que a avermectina e a ivermectina se tornassem uma realidade. O trabalho de Youyou Tu obteve a outra metade do prêmio e lidou com a malária, enquanto que as pesquisas de Campbell e Omura lidam com infecções provocadas por vermes.