Sopa batida ou consumè?

por Zulmira Furbino 31/08/2015 16:58

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Era uma vez o edifício Balança, Mas Não Cai. Localizado num bairro fora do eixo Sul da cidade e considerado pejorativamente “ZN” (de Zona Norte), pelos ZNs que nasceram ali e migraram para o outro lado da vida, o tal prédio tinha tudo para ser assim considerado.

E nem por isso deixava de ser adorável. è que a vida fervilha além dos bairros nobres.

Ali você pode lavar o tapete e pendurá-lo discretamente para secar na amurada interna do prédio sem que o vizinho encha a sua paciência . Também é onde as festas juninas com a presença da rua inteira são compromisso anual quase religioso.

Esse é o lugar no qual o Dia dos Namorados é comemorado em conjunto no salão de festas do prédio e a vizinha separada é intimada a ir, mesmo se estiver sem par, caindo na maior saia justa porque não dá pra recusar.

Nesse território, é possível pegar uma xícara de açúcar, três colheres de café, cinco dentes de alho e um tiquinho de sabão em pó emprestados com o vizinho, desde que não seja tudo de uma só vez.

Há as gincanas infantis anuais organizadas pelas mães mais animadas – sempre existem várias mães animadas fora dos limites da Região Central. E a vizinha desempregada que fila boia na sua casa de segunda a sexta-feira, até você descobrir e acabar discretamente com a festa da coitada.

Morar ali é como viver no interior.

Você sabe dos problemas no casamento da moradora do 302, porque ela é sua amiga e contou. Conhece a fama da professora do prédio da frente e também a daquela dona de casa do prédio da direita, pois ambas não conseguem beber sem dar aquele show.

Visita a casa da mãe de um amigo do seu filho e se espanta com a quantidade de meninos e bichos que dividem harmonicamente um espaço de 86 metros quadrados. E conversa de janela a janela com aquela outra mãe do edifício ao lado, mas morre de preguiça do blá-blá-blá.

Nessa parte da cidade, dá pra dividir com a mãe da amiga da sua filha os dias de buscar ou levar na escola, aulas de música, jazz, natação, vôlei. Porém, cuidado! Se você for meio distraída e, por acaso, se esquecer de buscá-las em decorrência de uma chuva torrencial, será inimizade na certa.

Vivendo fora dos limites planejados da cidade, você está mais longe da parte mais moderna, bonita e valorizada. Em compensação, fica mais perto do que importa.

Sabe o nome do cachorro do cara do apartamento ao lado, troca confidências com a moradora de frente, que está tentando a vida como terapeuta

holística e anda arranjando namorados problemáticos pela internet.

Quem vive fora do "eixo" encara o mundo de um jeito descomplicado.

Toma sopa batida – e não consumè.

Come macarrão – e não “uma massa”.

Vai ao barzinho comer picanha com mandioca ou batata frita e ouvir música popular brasileira ao vivo sem risco de ser considerado brega.

E essas são liberdades que você não encontra feito mato por aí.

O eixo fora da região nobre é aquele lugar onde as vizinhas se reúnem às seis da tarde, sentadas em tocos de madeira na porta de casa, o que faz você se lembrar da infância na sua cidade do interior (praticamente todo mineiro que mora na capital tem a sua).

Ali é o local onde você paga R$ 4,50 por uma cerveja que custa entre R$ 9 e R$ 10 nos bairros de elite. E no qual o traje quase obrigatório da academia é uma camiseta de micareta.

Por outro lado, a chamada ZN enriquece a existência de uma pessoa com suas histórias pra lá de saborosas. Caso da menina de 5 anos que, aproveitando que a mãe passa muito tempo fora, resolve se trancar no quarto, recusando-se a ir para a aula.

Até que o irmão e a empregada têm uma ideia e batem a campainha de casa, gritando de forma que ela ouça:

– Oi, Fulana! – fulana é uma garota de 11 anos por quem a menina é apaixonada. – Que pena! A Vitória não vai poder falar com você porque está trancada no quarto.

Daí, a pequena Vitória cai na armadilha e abre a porta depressa pensando que a amiga realmente está lá para ser apanhada num pulo.

A vida num edifício do tipo balança, mas não cai parece – e muitas vezes é – meio farofada, mas isso só aumenta o seu sabor. E, mesmo assim, as pessoas inventam motivos e se mudam para a Zona Sul.

Mas tem hora que bate uma puta saudade.