Saúde

Bactéria do corpo humano pode ajudar a detectar diabetes e até câncer

Cientistas transformaram micro-organismos comuns no intestino humano em sensores vivos de cancros. O novo teste de urina também apresentou resultados promissores para detectar o diabetes

Paloma Oliveto

Uma bactéria que coloniza naturalmente o organismo humano poderá ajudar os médicos a diagnosticar diabetes e câncer em uma simples amostra de urina. Dois artigos independentes publicados na revista Science Translational Medicine descreveram uma técnica de bioengenharia que detectou, com alto índice de precisão e de forma não invasiva, níveis anormais de glicose — o indicativo da doença metabólica — e presença de células tumorais metastáticas. Para tanto, os cientistas contaram com a ajuda da E. coli, um grupo probiótico que habita o intestino.


Abundante no corpo humano e de todos os animais endotérmicos (de sangue quente), a maior parte das cepas de E. coli são inofensivas, incluindo as usadas nos testes científicos. Além disso, ela é fácil de cultivar em laboratório: alimenta-se de praticamente qualquer fonte, não precisa de oxigênio para sobreviver e cresce muito rapidamente. Desde a década de 1970, o micro-organismo é utilizado na engenharia genética e, como seu DNA foi totalmente sequenciado, se tornou a escolha número um dos cientistas na hora de desenvolver produtos biotecnológicos, aqueles que usam organismos vivos.

“Hoje, podemos programar essas bactérias como programamos computadores”, diz o biólogo sintético Tal Danino, pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e principal autor do artigo sobre a detecção de câncer de fígado com E. coli modificadas. O cientista conta que uma das características mais surpreendentes desses micro-organismos é que eles podem crescer naturalmente dentro de tumores malignos. “Isso acontece porque os tumores típicos são áreas a que o sistema imune não tem acesso. Então, a bactéria os usa como um ambiente seguro”, diz.

No laboratório de Danino, a equipe de pesquisadores constatou que, quando ratos desenvolvidos para ter câncer de fígado eram alimentados com essas bactérias, elas se instalavam no tumor do órgão doente. “Percebemos que a forma mais conveniente de destacar a presença dos probióticos e, consequentemente, dos tumores, era fazer com que essas bactérias produzissem um sinal detectável na urina”, explica. Para isso, os pesquisadores programaram os micro-organismos de forma a fabricar uma molécula que muda de cor na presença de câncer metastático no fígado.

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Arthur Prindle, pesquisador da Universidade da Califórnia em San Diego e coautor do estudo, explica que as metástases de fígado são difíceis de serem detectadas pelos exames convencionais de imagem. “Quando se fala de câncer, lidamos com o tempo e, quanto mais cedo essa detecção, maiores as chances para o paciente”, lembra. De acordo com ele, as metástases são responsáveis por 90% de todas as mortes relativas ao câncer, e as que surgem no fígado são particularmente complicadas porque são muito pequenas. “Mas, se detectadas precocemente, as chances de sobrevivência são muito grandes”, observa Prindle.

Os cientistas usaram uma cepa segura, a E. coli Nissle 1917 (EcN), bastante aplicada em testes de laboratório. No MIT, a bactéria foi modificada para mudar de cor na presença do tumor. No organismo, a atividade enzimática desse micro-organismo é excretada pela urina. Assim, nos ratos com metástases no fígado, a urina ficava vermelha, indicando precocemente o câncer. Segundo Danino, a ideia é continuar as pesquisas para que o mesmo micro-organismo seja capaz de detectar outros tumores, especialmente os do trato digestivo. As esperanças do biólogo vão além do diagnóstico: “Já que essa bactéria localiza tumores, estamos a programando para não só detectar o câncer, mas também tratá-lo, ao produzir moléculas terapêuticas dentro do ambiente tumoral, fazendo assim com que ele murche”, conta.

Quase um computador

Na França e na Inglaterra, pesquisadores da Universidade de Montpellier e da Universidade de Stanford também apostam nos probióticos sintéticos para a detecção do diabetes, doença que depende do diagnóstico precoce para ser bem manejada. Assim como no trabalho norte-americano, os cientistas europeus reprogramaram a célula da E. coli para que a bactéria mude de cor na urina ao detectar níveis anormais de glicose. Para tanto, praticamente transformaram o micro-organismo em um computador.

“Nós nos inspiramos no funcionamento de circuitos eletrônicos. Foram três anos de tentativas e erros para fabricar a bactéria sintética”, conta Jérôme Bonnet, jovem cientista do Instituto Nacional Francês de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm) que foi premiado em 2013 por seus esforços nessa linha de pesquisa. “Os métodos tradicionais de detecção de doenças laboratoriais são muito eficazes, mas é cada vez mais necessário buscarmos meios portáteis e fáceis de diagnosticar doenças, seja em casa, seja em lugares remotos”, justifica.

Diferentemente do outro estudo publicado na Science Translational Medicine, esse utilizou urina de humanos. Os pesquisadores coletaram amostras de indivíduos saudáveis e diabéticos e, no tubo de ensaio, fizeram a mistura do líquido com as bactérias modificadas. Com uma precisão semelhante à obtida pelos exames tradicionais, os biossensores foram capazes de identificar, por meio da mudança de cor da urina, o padrão anormal de glicose e, consequentemente, apontar os pacientes com a doença metabólica.

Bonnet esclarece que esse é apenas um protótipo. “A longo prazo, esperamos que biocomputadores possam ser usados para estudar e reprogramar sistemas vivos, como as bactérias, não só para diagnosticar doenças, mas para melhorar terapias celulares. É atrás disso que estamos correndo”, garante.

Ação genética no fígado
Uma terapia genética com alvo no fígado pode deter a progressão do diabetes 1, segundo um estudo feito em ratos. O tratamento restaura a tolerância à insulina, o que evita que o sistema imunológico destrua as células produtoras desse hormônio. Segundo um artigo publicado também na revista Science Translational Medicine de hoje, o trabalho oferece uma nova estratégia para o tratamento do diabetes, com a possibilidade de um dia substituir as injeções frequentes de insulina. O diabetes 1 é uma doença autoimune, na qual o sistema imunológico erroneamente reconhece as células produtoras de insulina do pâncreas, chamadas células beta, como organismos externos, e as ataca. Sem insulina para ajudar na absorção de açúcar, a glicose se acumula na corrente sanguínea. A terapia proposta pelos pesquisadores da Universidade de Stanford atua no fígado e evita a destruição das células beta.

Vacina usa vírus contra o melanoma

Tipo mais grave de câncer de pele, o melanoma poderá ser curado com injeções do vírus da herpes modificado. A solução inovadora vem do Instituto de Pesquisa de Câncer de Londres, já foi testada em humanos e apresentou resultados promissores. Segundo artigo divulgado no Journal of Clinical Oncology, seis meses depois da terapia, 16% dos 400 pacientes tratados permaneciam em estado de remissão da doença e 10% estavam livres dela — a cura se caracteriza quando a condição se mantém por cinco anos.

A sobrevida dos participantes também aumentou. Aqueles que estavam no estágio 3 e 4 do melanoma — considerado metastático — e foram submetidos ao tratamento com a droga T-VEC viveram em média 41 meses. Os pacientes que não receberam a mesma terapia e enfrentavam um quadro menos avançado da doença resistiram em média 21 meses e meio.
A T-VEC foi injetada nos participantes em dose única, a cada duas semanas, durante 18 meses. O vírus modificado presente nela para de causar a herpes e começa a crescer com o tecido afetado pelo câncer até que ele exploda, espalhando, assim, “o patógeno do bem” e provocando uma reação de defesa contra o tumor. “O sistema imunológico do paciente acorda e ataca as células cancerígenas onde quer que estejam”, resume Kevin Harrington, coordenador do estudo. A expectativa dos cientistas é de que a vacina comece a ser usada clinicamente a partir do ano que vem.