Aspirina pode ajudar a prevenir tumores, especialmente o colorretal

Especialistas alertam, no entanto, que dependendo do perfil genético, prejuízo pode ser maior que benefício

por Paloma Oliveto 22/05/2015 09:08

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Valdo Virgo / CB / D.A Press
Pesquisas confirmam o potencial anticancerígeno do ácido acetilsalicílico, mas só agora os cientistas descobriram como isso ocorre (foto: Valdo Virgo / CB / D.A Press)
Na farmacinha de casa, pode estar um importante aliado para a prevenção do câncer. Usada para diversos fins e já recomendada por médicos para pacientes cardíacos, a aspirina também tem se mostrado eficaz no combate a alguns tipos de tumores malignos, especialmente os do trato digestivo. Pesquisas realizadas com centenas de milhares de pessoas estão confirmando o potencial anticancerígeno do ácido acetilsalicílico, mas só agora os cientistas descobriram como isso ocorre. Um estudo da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, revelou o mecanismo molecular pelo qual a substância evita que lesões colorretais evoluam e se transformem em neoplasias.

Um dos principais fatores de risco para o surgimento desse tipo de câncer, que, no Brasil, provoca 14 mil óbitos por ano, são pólipos não tratados que se formam no intestino grosso. Pacientes com histórico de polipose adenomatosa familiar (FAP) devem ficar particularmente atentos, pois essa condição caracteriza-se pela formação de tecido extra no órgão. Geralmente, quando não retirados, os pólipos tornam-se malignos por volta dos 40 anos.

Em 80% dos casos envolvendo câncer colorretal, há uma alteração em um gene que fica na superfície das células e induz a proliferação dessas estruturas. Já se sabe há muito tempo que a proteína EGFR desempenha um papel importante no surgimento de diversos tipos de câncer. O que não se conhecia era a associação do gene e de uma enzima, a COX-2, relacionada à dor e às inflamações durante o processo de transformação do tecido normal em tumor maligno. Os pesquisadores da Universidade de Minnesota constataram que a COX-2 ajuda a desregular o EGFR, fazendo com que o gene favoreça a formação da neoplasia. Contudo, o uso diário da aspirina pode evitar esse processo, pois a substância anti-inflamatória “adormece” a enzima.

Como a atividade anormal do gene EGFR está associada a diversos outros tipos de câncer, como os de mama, pulmão, bexiga, cabeça/pescoço e colo do útero, entre outros, os cientistas escreveram, no artigo, que possivelmente a aspirina pode ajudar a preveni-los também. Contudo, um dos autores da pesquisa, o biólogo molecular Zigang Dong, é enfático sobre a necessidade de realizar mais estudos. “Não só a aspirina, mas outras drogas anti-inflamatórias não esteroides nos parecem extremamente promissoras. Mas, embora altamente interessante, o resultado precisa ser replicado muitas vezes antes de sairmos recomendando às pessoas do grupo de risco que tomem esses medicamentos pensando em evitar o câncer”, destaca.

Dúvidas e riscos Professora da Universidade de Chieti, na Itália, a farmacóloga Paola Patrignani avalia que o trabalho sugere um uso em potencial da aspirina para a prevenção do câncer. Em um comentário escrito por ela a pedido da EbioMedicine, editora que publicou a pesquisa de Dong, ela afirmou que “dados acumulados de estudos clínicos randomizados fornecem uma base racional para considerar o papel potencial de uma dose diária da aspirina na prevenção do câncer colorretal e, possivelmente, de outros tipos de câncer”, escreveu. Mas Patrignani levantou algumas dúvidas que precisam ser respondidas antes de os médicos começarem a recomendar o uso profilático do medicamento. De acordo com ela, é preciso, entre outras coisas, encontrar a dose e a frequência ideal para tirar da pílula o potencial anticancerígeno.

Outra questão que ainda tem de ser aprofundada é saber quem poderá, de fato, se beneficiar. Em março, pesquisadores do Hospital Geral de Boston publicaram o resultado de um estudo nojornal da associação médica americana (Jama) sugerindo que o medicamento só é eficaz na proteção contra tumores em pessoas com determinado perfil genético. Os cientistas se debruçaram sobre 10 pesquisas realizadas desde 1976 nos EUA, no Canadá, na Austrália e na Alemanha, com um total de 19 mil pessoas.

Eles constataram que, de forma geral, o uso regular do ácido acetilsalicílico e de outras drogas anti-inflamatórias não esteroides reduz, de fato, o risco do câncer colorretal. Mas 9% dos participantes que carregam variações genéticas no cromossomo 15 não tiveram qualquer benefício. Mais que isso, em 4% dos indivíduos que têm um raro genótipo no cromossomo 12, a droga aumentou o risco do câncer. “Apesar de considerarmos a aspirina e os anti-inflamatórios não esteroides um arsenal importante e promissor, nossos achados evidenciam a necessidade de aprofundarmos as pesquisas antes de fazer recomendações clínicas. Com análises genéticas, poderemos entender que parte da população que vai se beneficiar e quais pessoas, ao contrário, devem se manter longe do medicamento”, diz Ulrike Peters, coautor do estudo e pesquisador do Centro de Pesquisa Oncológica Fred Hutchinson, em Seattle.

Recomendação As pesquisas animadoras sobre o potencial da droga poderão levar o U.S. Preventive Services Task Force Exit Disclaimer, painel independente de cientistas e especialistas em medicina preventiva dos EUA, a recomendar o remédio para reduzir o risco da doença. No país norte-americano, 10 milhões de pessoas tomam diariamente um comprimido para diminuir a probabilidade de sofrerem ataque cardíaco ou AVC. No Brasil, o medicamento também é muito popular: em 2009, foram consumidos 92 milhões de unidades de AAS.

“É difícil ignorar as fortes evidências sobre o papel da aspirina no combate a alguns tumores malignos”, diz Peter Rothwell, da Universidade de Oxford e autor de meta-análises que investigaram a associação entre o hábito de tomar o remédio e a redução da incidência de neoplasias. Em 2011, um desses estudos comparou o risco de morte por câncer entre participantes que tomaram um comprimido por dia ao longo de quatro anos ou mais e outros que não tinham esse hábito. No primeiro grupo, a mortalidade por câncer foi 20% menor.

Um problema com essas meta-análises é que a maior parte delas se baseia ou em estudos observacionais, que não estabelecem relação de causa e efeito, ou em pesquisas que não foram desenhadas para testar o potencial da aspirina contra o câncer. “Pode ser que tenhamos evidências mais definitivas em breve porque, atualmente, há alguns testes clínicos em andamento nos Estados Unidos para avaliar especificamente a relação da aspirina e a redução da mortalidade por câncer”, diz Rothwell. Os Institutos Nacionais de Saúde listam, em sua página na internet, quatro dessas pesquisas que, juntas, vão incluir mais de 25 mil participantes.