Maria pegou uma chuvarada a caminho do analista. Tremendo de frio, ligou chorando para a mãe, que estava no trabalho. No fim da sessão, ela poderia, pelamordideus, lhe enviar um Uber? O fato se deu justo no momento em que sua genitora observava, num site de notícias, slides dos alienígenas que teriam sido recolhidos pelos EUA em 1947 (caso Roswell).
E.T. – o Extraterrestre acabava de estrear no cinema e havia uma multidão embolando-se pra lá do Ted's, na tentativa de ver o filme. Sem dinheiro e sem sombrinha, a mãe de Maria tentava achar o irmão, Tunico, que deveria estar na fila para a sessão das 16h. Não deu.
A grana embolada no bolso da calça jeans suja e apertada era a conta exata da passagem de volta pra casa. Como a chuva não parava e a sessão havia começado, a saída seria encarar o aguaceiro até o ponto do ônibus.
Fazia frio, ventava. A roupa da mãe de Maria estava encharcada e, ainda por cima, ela havia perdido a estreia de E.T. (não era uma tragédia, mas era quase, por isso, nesse ponto, ela começou a chorar).
Uma hora e meia de tempestade depois, nada do ônibus apontar na avenida. Para não entrar em desespero, a futura genitora resolveu aguardar e, sem perceber, foi dividindo a espera em pequenos blocos molhados de tempo, até que três preciosas horas se passaram.
Aí não deu mais. O único jeito seria tentar tomar um táxi, que o pai pagaria quando ela chegasse em casa (não, não, e se ele estivesse sem dinheiro no bolso?). Antes, ela teria de comprar uma ficha de telefone, com o risco de desinteirar o dinheiro da passagem.
Smartphone, Uber, WhatsApp, que falta vocês fizeram!
Ao lado dela, uma moça de camisa de ombreira e calça bag falou com alguém no orelhão e saiu feliz da vida. Animada com a cena, a garota, que a essa altura já tinha chorado rios inteiros, decidiu comprar a tal ficha telefônica.
Discou 462-2735. Nem sinal. A ficha foi engolida. Tudo bem, o dinheiro que sobrou dava para comprar outra, pensou, saindo em busca de outro orelhão.
Plic, plec, plec, plic, plec.
Com sua boca de monstro-dragão-jacaré-tubarão, o terrível engolidor de chamadas urgentíssimas devorou a última ficha, sem completar a ligação. Agora não dava mais nem pra comprar outra e muito menos pegar o busão. A única saída seria tomar um táxi (momento seja o que Deus quiser).
A então adolescente, que um dia daria luz a Maria, atravessou a Avenida Augusto de Lima e desceu a Rua Espírito Santo, no rumo da Avenida Afonso Pena. Sem táxi à vista, resolveu caminhar até a rodoviária, onde seria impossível não encontrar transporte. Tiritando de frio e medo, cruzou a Praça Rio Branco, seguindo para o terminal de chegada.
No primeiro lance de escada de acesso à área, um choque.
Estava tudo inundado. A água ia a pelo menos metro e meio de altura. A futura genitora desabou e voltou para a Afonso Pena, sem saber o que fazer. Na esquina da Rua São Paulo, porém, deu-se o pequeno milagre: ela se lembrou de Antônia, amiga de sua irmã que morava ali pertinho. Bateu na porta dela com a humildade dos desamparados.
Foi acolhida com carinho, banho quente, escalda-pé, leite com Toddy, roupa seca e cheirosa, por um tempo que durou até que a chuva fosse embora por completo. Sã, seca e salva, despediu-se, agradecendo, e levando como única preocupação a possibilidade de encontrar um conhecido no caminho, porque, francamente, a roupa que Antônia emprestou estava meio fora de moda.
E assim termina a história de uma mãe outrora filha.
Aos olhos das meninas de hoje o caso parecerá um conto alienígena, ambientado num tempo estranho, quando o mundo era gentil, despovoado de petralhas e coxinhas, onde havia água pra dar e vender e não existia Uber ou smartphone para acionar socorro imediato na iminência de um aperto.
Coisa da Idade da Pedra, claro.