Futebol e outras bossas

por Zulmira Furbino 04/05/2015 13:56

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Lelis
(foto: Lelis)

Era uma vez, Osmira. Ela já nasceu antiga, como uma senhorinha de cidade do interior que fica horas na janela vendo o movimento passar e depois vai varrer o quintal, colocar o feijão de molho, lavar o arroz, matar o frango pro almoço, fazer o angu.

 

Veio ao mundo sem dentes, só pra agradar ao Joca, menino de olhos de jabuticaba, que gostava das coisas inventadas e das histórias incabíveis.

 

Osmira era meio de verdade, meio de mentira. Aparecia e sumia do nada, mas bastava o menino chamar que ela vinha, toda faceira, responder às perguntas que ele tinha.

 

Por que a água é molhada? Por que passarinho voa? Por que a gente tem braço no lugar de asa? Por que o dente do meu avô sai pra lavar? O céu não termina? Por que as sombras se movem?

 

Osmira, metida a sabe tudo e muito rápida no raciocínio, respondia no vapt-vupt. E saía cada pérola que vou te falar, viu.

 

A água é molhada porque não secou.

 

Passarinho voa porque não gosta de andar a pé.

 

A gente não tem asa porque, senão, como é que ia dar abraço?!

 

O dente do seu avô não gosta de tomar banho dentro de casa.

 

O céu só termina quando acaba lá no finalzinho do fim, pra depois começar outra vez.

 

As sombras se mexem porque têm susto de gente.

 

O menino, curioso, perguntava all the time, dava até nervoso na gente. Uma vez a mãe dele contou: foram mais de 300 perguntas num só dia.

 

O assunto preferido dele era futebol. Tem até uma fotografia dele, bem pequenino, com sua primeira camisa azul de gola, estrelinhas amarelas no peito e tudo o mais.

 

Mas era aí que o bicho pegava porque Osmira não entendia patavinas de futebol, só gostava de outras bossas. Como é que podia ser uma coisa dessas? Justo ela, que tinha resposta pra tudo.

 

Então veio uma ideia. Que tal botar esse jogo esquisito – onde 20 jogadores, sendo 10 pra cada lado, correm atrás da pelota, e dois ficam parados esperando levar uma bolada –, de pernas para o ar? Rá!

 

(Atenção: quando Osmira surgiu no planeta, esse troço de mulher gostar de futebol como ocorre hoje não era bem assim não.)


Osmira, o que é gol?, o menino perguntou.

E ela, muito antes de a tragédia dos 7 a 1 passar pela cabeça de alguém, respondeu de lábio pra dentro, como as pessoas que já perderam os dentes: "Gol é um veículo daquela marca alemã, que nasceu meio quadrado atrás e se transformou no carro mais queridinho dos brasileiros, depois do fusca".


(Ah!, Osmira, se soubesses como essa tua resposta soaria irônica duas décadas depois...)

 

Osmira, o que é escanteio? "Ora, ora, escanteio é quando o campo tem quatro cantos e a bola faz um rodeio, correndo de um lado pro outro, raspando nas esquinas."

 

Osmira, o que é impedimento? "Essa é fácil. É quando você quer pedir alguma coisa e a sua mãe não te deixa nem abrir a boca e aí o pedido fica sem existir, formando um impedimento."

 

Osmira, o que é linha de passe? "Tem graça! É aquela linha que você afina a ponta, aperta o olho, concentra, mira e passa no buraquinho da agulha, evitando que ele intercepte o caminho."

 

Osmira, o que é bandeirinha? "São aquelas coisas de papel de seda colorido e recortado com duas pontas, que servem para ser dependuradas nos varais em dias de festa junina."

 

O menino cresceu, Osmira sumiu ao tentar escapar de um prato de angu, e nunca mais tiveram notícias dela. Até que, no fim da semana passada, ela reapareceu, desta vez no treino da Caldense, na Toca da Raposa, na véspera do primeiro jogo da final do Campeonato Mineiro.

 

Chegou lá com a missão às avessas. No lugar de dar respostas, deveria fazer algumas perguntas ao técnico do time. Pensou, pensou e não teve ideia nenhuma. Foi aí que telefonou para o Joca, que, surpreso, deu a ela três perguntas inteligentes a serem dirigidas ao comandante.

 

Osmira anotou as três. Estava se saindo muito bem, até ter uma ideia própria, digna dos velhos tempos. Daí, soltou: "Condé, essa é a primeira vez na história que o time da Caldense joga no Mineirão?".


E assim encerrou sua carreira de perguntadora futebolística, para tristeza dos amantes do esporte nacional.