Saúde

Cientista nunca estiveram tão perto da vacina antimalária; mas testes não são tão promissores

A fórmula ainda apresenta eficácia apenas moderada e traz efeitos colaterais como maior risco de convulsões

Vilhena Soares

Cientistas apresentam novos testes com a vacina antimalária mais próxima de chegar ao mercado. No novo artigo, publicado na revista The Lancet, os autores confirmam uma eficácia considerável da imunização em crianças até quatro anos depois da aplicação e mostram que os resultados são muito mais positivos quando, em vez de três doses (avaliadas em estudo anterior), são feitas quatro aplicações. No entanto, a perda de proteção ao longo do tempo e a presença de efeitos colaterais indicam, na opinião de especialistas, que a criação da vacina ideal contra a enfermidade ainda exigirá muita pesquisa.


A fórmula RTS,S/AS01 foi desenvolvida por cientistas do Reino Unido para proteger contra o tipo mais perigoso da malária, causado pelo protozoário Plasmodium falciparum. Os testes apresentados agora foram realizados em crianças com idades entre 6 semanas e 17 meses de sete países africanos com diferentes níveis de transmissão da doença tropical: Burkina Faso, Gabão, Gana, Malawi, Moçambique, Quênia e Tanzânia.

Em um artigo anterior, publicado em 2014, os pesquisadores observaram uma redução de aproximadamente 46% nos casos da doença até 18 meses após a imunização. Desta vez, o período de acompanhamento foi mais longo — cerca de 48 meses para crianças entre 5 e 17 meses e de 38 meses para bebês de 6 a 12 semanas. O teste do tempo mostrou uma queda de eficácia.

Na nova rodada, os cientistas compararam a proteção fornecida por três e quatro doses da fórmula tanto contra os casos mais leves de malária (clínicos) quanto contra a forma mais severa da doença. Nas crianças de 5 a 17 meses, uma quarta dose reduziu o total de casos clínicos em 36,3% (contra 28,3% de três doses) e de episódios severos em 32,2% (contra 1,1% de eficácia de três doses). Nos bebês entre 6 e 12 semanas, a eficácia de quatro doses foi de 25,9% para casos leves e 17,3% para episódios severos, contra uma eficácia de 18,3% e 10,3%, respectivamente, de apenas três doses.

Mesmo com esse resultado, os responsáveis pelo estudo se mostram otimistas. “Apesar de perder a eficácia com o tempo, a RTS,S/AS01 ainda apresenta um benefício claro”, defende, em um comunicado, Brian Greenwood, coautor do trabalho e professor na London School of Hygiene & Tropical Medicine. Segundo ele, como está hoje, a vacina conseguiria impedir milhões de casos da doença anualmente, pois estima-se em 198 milhões o total de pessoas infectadas por ano em todo o mundo.

Para Werciley Junior, infectologista do Hospital Santa Luzia, a nova pesquisa pode ajudar em estratégias de aplicação da fórmula. “Vemos que o grupo que tomou a quarta dose teve efeitos mais positivos e que as crianças tiveram taxas mais altas de imunização, o que antes não havia sido visto nos testes anteriores dessa vacina”, destaca. “Isso pode ajudar a definir o melhor momento para a vacinação e a estabelecer as quatro etapas como procedimento padrão em uma possível adoção futura da vacina”, complementa o especialista, que não participou do estudo.

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Riscos

Apesar de os dados terem sido animadores para os cientistas, os testes também revelaram possíveis efeitos colaterais. De acordo com o estudo, casos de meningite e de convulsões foram mais frequentes nos pequenos imunizados. Na avaliação de Pedro Luiz Tauil, professor da Faculdade de Medicina e pesquisador do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília (UnB), esse dado, somado ao fato de a vacina perder eficácia ao longo do tempo, indica que a RTS,S/AS01 ainda é muito inicial e precisa ser mais bem elaborada.

“São esses pontos que exigem mais testes para que o resultado futuro possa ser completo. É difícil conseguir vacinas que combatam a malária, já que seu parasita é muito mutável. Ele consegue driblar o sistema imune. Essa vacina é um passo importante, mas que ainda precisa de mais estudos”, considera o professor da UnB.

Tauil também destaca que a vacina trata um tipo de malária que não é frequente no Brasil. “O Plasmodium falciparum causa a malária em sua forma mais grave, mas, no país, somente 12% dos casos são desse tipo. Aqui, são mais recorrentes os do tipo vivax”, afirma. O especialista também ressalta que o investimento em outras áreas, além da vacinação, é essencial para o combate à doença. “Temos casos de países que conseguiram acabar com a doença sem vacinas, por isso é importante que os esforços não se concentrem somente nessa via, para que os resultados positivos de controle e extermínio da doença aumentem”, completa.

De acordo com Brian Greenwood, a eficácia da vacina ainda será testada antes de seu uso e sua comercialização. “A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) vai avaliar a qualidade, a segurança e a eficácia da vacina com base nesses dados finais. Se o EMA der um parecer favorável, a OMS poderá recomendar o uso de RTS,S/AS01, em outubro deste ano. Caso isso aconteça, ela será a primeira vacina licenciada para ser usada em humanos contra uma doença causada por um parasita”, diz o autor do estudo.

Cinco protozoários

A malária é uma doença que pode ser causada por cinco protozoários (parasitas) do gênero Plasmodium: P. vivax, P. falciparum, P. malariae, P. ovale e P. knowlesi. Somente os três primeiros protozoários estão presentes no Brasil, sendo a espécie P. vivax a mais recorrente. O P. ovale ocorre apenas no continente africano, e o P. knowlesi, no sudeste asiático.


Avaliação necessária
“A área de saúde tem dado grande ênfase à prevenção. Estudos que focam essas estratégias, como é o caso da vacina, têm um impacto direto nas questões de melhorias da saúde. Ao prevenir, você tem uma redução de pessoas internadas e de uso de medicação. A malária é uma das doenças que mais mata no mundo, e isso pode sobrecarregar os sistemas de saúde. Esse é um estudo importante, que, apesar de ainda estar em fase de testes, pode ser aplicado futuramente. O importante é estudar as causas dos efeitos adversos, como os casos de meningite, que podem evoluir para cenários mais graves. É necessário avaliar, tirar todas as dúvidas de que a vacina não traria efeitos negativos às crianças, para, assim, aplicá-la com segurança e reduzir o número de casos da doença.”

Paulo Sousa Prado, biólogo especialista em saúde do Núcleo de Virologia do Laboratório Central de Saúde Pública do DF

Aumento do número de casos

Paciente com malária na África: sistema sobrecarregado pelo ebola
As mortes causadas pela malária em 2014 podem ter sofrido um aumento considerável, devido à interrupção de serviços de saúde em países da África Ocidental, sobrecarregados pelos surtos do ebola concentrados em Guiné, Serra Leoa e Libéria. Autores de um artigo, publicado na The Lancet Infectious Diseases, estimam que 11 mil mortes e 3,5 milhões de casos não tratados da doença surgiram em 2014 por conta da falta de recursos médicos nessas regiões.

Os cientistas analisaram dados de 2000 até o início do surto de ebola, em março de 2014, identificando a piora do combate à malária a partir do ano passado. O número de casos não tratados da doença pode ter aumentado em 45% (1,6 milhão) na Guiné, 88% (1,3 milhão) em Serra Leoa e 140% (0,52 milhão) na Libéria. “A epidemia de ebola em curso em algumas partes da África Ocidental, que em grande parte sofreram com sistemas de saúde sobrecarregados e frágeis em 2014, torna o tratamento adequado para a malária impossível, comprometendo os progressos realizados no controle e na eliminação dessa doença na última década”, diz Patrick Walker, pesquisador do Imperial College London, em um comunicado.

As novas estimativas também sugerem que a ausência de tratamento clínico e hospitalar teria aumentado as mortes por malária em 35% (5.600 mortes) na Guiné, 50% (3.900) em Serra Leoa, e 62% (1.500) na Libéria. Os cientistas acreditam que campanhas de emergência para reduzir a doença podem ser um método eficaz para reduzir esses números em 2015. “Nossas previsões destacam a verdadeira magnitude do impacto humanitário causado pela epidemia de ebola. Medidas para prevenir a infecção por malária, como a administração de medicamentos em massa, são urgentemente necessários”, destaca Walker.

Amanhã, a Organização Mundial da Saúde lança a Jornada Mundial de Luta contra a Malária. Ontem, o órgão ligado às Nações Unidas publicou um relatório segundo o qual mais de 500 mil pessoas morrem a cada ano, vítimas da doença. De acordo com o órgão, apesar dos esforços realizados para acabar com os surtos, em 2013 foram registrados 198 milhões de casos, com 584 mil mortes.