Saúde

Pessoas amamentadas até um ano serão adultos com salários maiores

A constatação é de um grupo de cientistas brasileiros que acompanhou 6 mil pessoas durante 30 anos. Aquelas que foram amamentadas por pelo menos um ano recebem R$ 340 a mais e têm quociente de inteligência maior

Bruna Sensêve

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Um superalimento, com os minerais, as vitaminas, as enzimas digestivas, os hormônios, os carboidratos, as proteínas e a gordura de que um mamífero precisa durante os primeiros meses de vida. O leite materno ainda tem anticorpos e linfócitos da mãe que ajudam o bebê a resistir às infecções. Novas pesquisas sobre os efeitos a longo prazo do aleitamento mostram resultados melhores também com relação ao desenvolvimento de doenças cardíacas, diabetes e problemas renais em adultos. Nessa linha de benefícios a longo prazo, uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul, consegue surpreender com estudo divulgado na renomada revista científica Lancet Global Health.


Eles detalham as possíveis vantagens de desenvolvimento da inteligência e mesmo os benefícios financeiros e sociais de quem é amamentado até, pelo menos, os 12 meses de idade. Esses fatores foram medidos após 30 anos de acompanhamento. Na análise, as crianças, hoje adultas e amamentadas durante pelo menos um ano, foram comparadas àquelas que receberam o alimento por menos de um mês. A diferença é muito expressiva. São quatro pontos a mais de QI, acréscimo de R$ 340 no salário mensal e um ano a mais de escolaridade.

“Nosso estudo fornece a primeira evidência de que o prolongamento do aleitamento não só aumenta a inteligência, pelo menos até a idade de 30 anos, mas também tem um impacto tanto individual quanto social, melhorando o nível de escolaridade e os rendimentos”, detalha Bernardo Lessa Horta, um dos autores. Segundo ele, o efeito do aleitamento materno sobre o desenvolvimento do cérebro e da inteligência da criança está bem estabelecido na literatura, mas se eles persistem na vida adulta é uma conclusão menos clara para os cientistas.

Alguns estudos apontam um diferencial no QI de adultos que foram amamentados por tempo igual ou superior a um ano. Porém, sempre houve uma dificuldade para controlar os fatores externos que podem alterar os dados recolhidos. Horta conta que muitos trabalhos foram desenvolvidos na Inglaterra e que, depois, descobriu-se que a maioria das mães que amamentavam os filhos estava nas classes sociais mais elevadas da população, o que certamente influencia nos resultados.

Esse não foi um problema para a comunidade de aproximadamente 300 mil habitantes da cidade de Pelotas. O estudo começou sob a coordenação de Fernando Barros e Cesar Victora, ambos do programa de pós-graduação da UFPel. A intenção era conhecer os determinantes de mortalidade perinatal (entre as 22 semanas completas de gestação e os sete dias completos após o nascimento) e infantil, crescimento e desenvolvimento na infância. Para isso, resolveram estudar os nascimentos que ocorreram na cidade durante o ano de 1982 e acompanhar esses bebês até a vida adulta. “Na época, decidiram fazer esse estudo para entender fatores ligado à sobrevivência e ao crescimento da infância. Posteriormente, decidiram investigar se os eventos que ocorrem na infância levaram ao adoecimento posterior”, explica Horta.

Dessa forma, foram analisados critérios tanto da prevalência de doenças quanto marcadores precoces ligados ao capital humano, como o bem-estar psicológico dos participantes. “Se pensarmos no ponto de vista da população e não do indivíduo, mudar a distribuição do QI para cima é importante. Mais que isso, conseguimos observar que também há um ganho ainda mais palpável, que são os R$ 340 no salário”, avalia o pesquisador.

Efeito mãe
Segundo Horta, a mais simples explicação para essa associação é de que se trata do efeito de uma mãe mais atenciosa e dedicada, partindo do princípio de que, ao se preocupar com a amamentação do bebê, essa também é uma mulher que estimula mais o filho. “Uma mãe que tem uma relação melhor com a criança e que estimula o desenvolvimento em vez do aleitamento por si só”, complementa. Entretanto, ele lembra que, em alguns trabalhos, esse ponto também foi controlado e os resultados do aleitamento se mantiveram positivos.

Outra explicação é a composição do leite materno, rico em ácidos graxos saturados de cadeia longa (DHAS), açúcares importantes para o desenvolvimento neuronal. O alimento natural forneceria uma quantidade mais adequada de nutrientes necessários para a melhor formação cerebral. “Nosso dado é mais uma evidência de que é importante estimular e promover políticas públicas que reforcem a ideia da amamentação. Há um diferencial no futuro do adulto. Queremos passar a mensagem que o aleitamento não tem só o efeito a curto prazo, como redutor de óbitos e doenças em crianças pequenas.”

Na opinião do presidente do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Luciano Borges Santiago, há uma evidência científica gigantesca de que o aleitamento protege contra infecções. Com o tempo, foram surgindo pesquisas de longo prazo indicando vantagens relacionadas à obesidade, ao desempenho, a doenças cardíacas e a outra série de enfermidades renais. Em todos eles, quanto mais o bebê mamou, maior a proteção.

“Começamos a ver com outro detalhamento. O leite materno tem a nutrição adequada e muitos nutrientes são essenciais para o desenvolvimento de alguns aspectos cognitivos. Em especial, o desenvolvimento do cérebro e de bainhas de conexão nervosa que cuidam do desempenho cerebral.” Santiago afirma que estudos antigos faziam essa relação e a indústria não perdeu tempo em criar fórmulas com as gorduras ômega 3 e 6 na mesma proporção existente no leite materno.

“A indústria trabalha no desenvolvimento desses alimentos sabendo que tem algo no leite materno que é diferente. Eles tentam isolar para ver o princípio ativo, sabem que dá diferença. O leite materno é o padrão ouro”, diz o especialista. Mas Santiago reforça que tudo sempre não passará de uma tentativa, sem chances de chegar perto dos efeitos do alimento natural. “Conseguiram, por exemplo, diminuir a quantidade de proteína do leite de vaca para chegar ao leite humano, mas não ficou igual ao materno. Continuam tendo problemas, mesmo tendo melhorado muito o leite de vaca.”

Análise cognitiva

O quociente de inteligência é uma medida obtida por meio de testes desenvolvidos para avaliar as capacidades cognitivas (inteligência) de um sujeito em comparação ao grupo etário ao qual ele pertence. No estudo da Universidade de Pelotas foi usada a Escala de Inteligência Wechsler para Adultos (WAIS-III), que é um dos mais importantes exames para a avaliação clínica de capacidade intelectual de pessoas com 16 a 89 anos.

Parecido com a menopausa
Após o parto, caem os níveis de estrogênio da mulher. Eles costumam retornar à normalidade relativamente rápida entre as que não estão amamentando. O equilíbrio, porém, não acontece nas que amamentam, causando sintomas parecidos com os da menopausa. É o que indica um estudo divulgado na Breastfeeding Medicine. Os cientistas analisaram mulheres que alimentaram os filhos entre três e seis meses após o parto. Foram analisadas as ocorrências de secura vaginal, ondas de calor e mudanças de humor. As que estavam amamentando não mostraram diferenças na prevalência de fogachos, mas foram significativamente mais propensas a ter secura vaginal.



Vantagem cognitiva precisa ser mais estudada

“Estudos anteriores a longo prazo investigaram os efeitos sobre a inteligência e a educação, mas não há um que fez uma associação entre a amamentação e a renda na vida adulta. Muitos artigos têm mostrado a relação entre inteligência, educação e ocupação. Os pesquisadores brasileiros mostram que crianças que foram amamentadas mantêm essa vantagem cognitiva e educacional até pelo menos os 30 anos, e essa vantagem está ligada ao aumento da renda. Os resultados sugerem que o caminho de desenvolvimento crucial é efeito do aleitamento materno sobre o desenvolvimento cognitivo. Esse recorte brasileiro sugere que a amamentação pode ter efeitos a longo prazo sobre a inteligência em uma população sem forte padrões sociais de aleitamento materno, e essa consequência pode mediar os efeitos sobre os resultados da vida, como a obtenção de renda e educação. Esses achados, no entanto, precisam ser corroborados por estudos futuros”

Erik Mortensen, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca