Saúde

Perda de paladar ameaça saúde dos idosos

Cientistas constatam que os mais velhos têm dificuldade de perceber o umami, um dos cinco gostos básicos caracterizado como saboroso. A limitação pode causar deficiências nutritivas e desencadear doenças

Bruna Sensêve

Azedo, salgado, doce, amargo e... Umami. O último pode não transmitir com a mesma rapidez a sensação no paladar que os outros quatro mais conhecidos, mas não há quem deixe de apreciar uma carne suculenta, legumes tenros ou uma pratada de crustáceos apetitosos. Esse gosto “delicioso” e duradouro de “deixar água na boca” é reconhecido como um dos cinco sabores básicos. Por isso, garante a capacidade de equilibrar o paladar e definir melhor o gosto total de uma refeição. Não só isso. O umami parece ter mais facetas que o imaginado, e todas elas muito boas para a saúde. Um trio de pesquisadores do Japão acredita que há uma estreita relação entre a capacidade de um indivíduo de perceber o umami e a condição física dele. Principalmente, quando a pessoa vai envelhecendo.
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“Nosso teste de sensibilidade desenvolvido recentemente revelou a perda apenas da sensação do gosto umami com a preservação dos outros quatro básicos em alguns pacientes idosos”, resume Noriaki Shoji, que conduziu o estudo com Takashi Sasano e Shizuko Satoh-Kuriwada, todos da Escola de Odontologia da Universidade Tohoku. Eles avaliaram 44 idosos com relação à provável perda de gostos básicos no paladar, entre outras condições de saúde. Em comum, os participantes reclamavam de perda de apetite e de peso, resultando em saúde total debilitada.


Com base nos resultados, publicados na revista Flavour, os cientistas consideram que melhorar o fluxo salivar pode ser um tratamento para pacientes com distúrbios digestivos, nutricionais e de paladar. Nesse cenário, estimular o sabor umami aumenta o fluxo da saliva. “Encontramos também o tratamento de hipossalivação (baixa produção de saliva). Isso diminui a hipogeusia (diminuição da função gustativa), indicando que a salivação é essencial para manter a função do gosto normal”, diz Shoji.

Para estimular a produção de saliva e tratar doenças relacionadas ao paladar, à digestão e até mesmo à nutrição, os cientistas deram aos voluntários o chá japonês kobucha, feito de pó de algas e rico em umami. Foram observados a salivação, o apetite, o peso e a saúde em geral dos participantes. “A manutenção do umami não só contribuiu para a função gustativa, mas também para a preservação da boa saúde oral e em geral nas pessoas idosas”, garante Shoji.

A partir dos 50
Análises anteriores indicam que as alterações no gosto fazem parte do processo fisiológico de envelhecimento, pois, com a idade, há uma redução de receptores específicos para as percepções gustativas. O declínio dos estímulos primários da gustação (doce, salgado, azedo, amargo e umami) passa a ocorrer a partir da sexta década de vida. A estimativa é de que a idade do indivíduo seja inversamente proporcional ao número de receptores específicos para as percepções gustativas. Nos jovens, esse número corresponde a mais de 250 corpúsculos para cada papila. Nas pessoas acima de 70 anos, cai para menos de 100.

Como o gosto tem base anatômica no número de corpúsculos gustativos nas papilas linguais, o envelhecimento provoca um decréscimo do limiar de detecção e identificação de sabores. Assim, o idoso necessita de maior concentração de elementos indutores da sensação de sabor na constituição dos alimentos. Segundo a gerontóloga Elci Almeida Fernandes, membro do diretório da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e nutricionista clínica do Instituto Central do Hospital das Clínicas de São Paulo, a perda gustativa é mais acentuada no paladar para os sabores salgado e amargo, o que gera uma tendência de os mais velhos acrescentarem condimentos às refeições.

“Esse hábito pode se tornar um fator deletério devido a sua contribuição para o possível advento de doenças cardiovasculares. Com a redução do volume de saliva no processo de envelhecimento, por exemplo, há consequente decréscimo da secreção de amilase e sua atividade, dificultando a digestão inicial dos carboidratos”, explica.

Isso contribuiria para uma menor percepção do sabor doce, podendo, dessa forma, ajudar o surgimento de alterações glicêmicas em indivíduos que ingerissem carboidratos simples em excesso. “De acordo com a pesquisa, o decréscimo do paladar não só reduz o prazer e o conforto da alimentação, como também é causa de sérios fatores de risco para as deficiências nutricionais e imunológicas”, observa Elci Fernandes.

Digestão
Enzima produzida pelo pâncreas e pelas glândulas salivares que atua na digestão do amido e do glicogênio contidos nos alimentos. As taxas de amilase são analisadas para o diagnóstico de pancreatite e disfunções na tireoide.


Remédios potencializam
“ Já é comprovado que os pacientes idosos são mais vulneráveis aos efeitos tóxicos dos medicamentos. De acordo com a farmacocinética clínica, eles sofrem uma série de alterações que interferem diretamente nos processos de absorção, distribuição, metabolização e eliminação dos medicamentos. Portanto, os efeitos tóxicos nesses pacientes podem ocorrer de maneira mais proeminente, devendo-se ter um extremo cuidado para assegurar a monitorização adequada das reações adversas, entre elas, os distúrbios gustativos. Drogas excretadas na saliva podem potencializar os efeitos adversos ou alterar a produção própria de algum sabor. Além do uso de medicamentos, alguns aspectos caracterizam essa perda, como a má higiene bucal, lesões dos nervos sensoriais, presença física de fragmentos e restos alimentares sobre os corpúsculos gustativos, o que pode dificultar a estimulação dos quimiorreceptores orais. A gravidade desse fato vai depender do tratamento que o paciente recebe e mais de uma alteração funcional do que orgânica.”

Elci Almeida Fernandes, membro diretório da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e nutricionista clínica do Instituto Central do Hospital das Clínicas de São Paulo

Solução em substância do alho
Kumiko Ninomiya, do Umami Information Center, no Japão, discute a descoberta do umami e explora as diferenças na cultura culinária entre a Europa e o Japão em um artigo também publicado na revista Flavour. Ninomiya acumula estudos colaborativos recentes com chefs e pesquisadores sobre os diferentes perfis de sabor de soja para as unidades populacionais de japoneses e ocidentais. Ela explica que o umami tem sido mais facilmente aceito pelos japoneses e encontrou certa resistência de uso na cozinha ocidental. Mas a troca recente de métodos de cozimento e a existência de diversos tipos de alimentos ricos nesse gosto em diferentes países facilitaram uma nova abordagem para o desenvolvimento de experimentos em busca de alimentos saudáveis e ainda mais saborosos.

“As substâncias chamadas kokumi, encontradas em alho, cebola e vieiras, são conhecidas por aumentar gostos básicos quando combinadas com outros sabores, apesar de não terem gosto sozinhas.” Essa é inclusive a possível arma a ser usada para resolver o problema encontrado pelo trio de pesquisadores inicial. O aumento da sensação umami por meio do uso de substâncias kokumi é capaz de reforçar o sabor de alimentos.

Dois artigos também integrantes da série de trabalhos divulgados na Flavour sobre a ciência dos sabores mostraram os primeiros resultados de testes para melhorar o gosto da famosa manteiga de amendoim americana em versão com baixo teor de gordura usando kokumi. Geralmente, as adaptações tradicionais melhoram os fatores nutritivos dos alimentos, mas prejudicam o sabor. Com o uso da kokumi, garante os cientistas, é possível se aproximar de um alimento saudável e irresistível.

Professor de biofísica da Universidade do Sul da Dinamarca, Ole Mouritsen observa que, apesar dos resultados promissores, a compreensão humana dos gostos é inferior ao conhecimento sobre os outros sentidos. Por esse motivo, o entendimento e a descrição da percepção sensorial dos alimentos requerem a contribuição de muitas áreas do conhecimento. “A natureza e as ciências da vida, humanas, sociais, bem como as artes, contribuem com as perspectivas sobre o que chamamos de ‘gosto’.”