Saúde

Mitos e verdades da maternidade: nem tudo que falam sobre seu bebê está certo

Ser mãe é estar sujeita a uma saraivada de conselhos nem sempre úteis, apesar de bem-intencionados

Gláucia Chaves

'As pessoas criticam porque estão numa zona de conforto. É mais fácil seguir o padrão do que arriscar. Vou fazer sempre o que acho certo para meu filho', Ana Cláudia Santos, 32 anos, administradora
Criar uma criança é tarefa complexa: como se não bastasse a insegurança natural de mães e pais de primeira viagem, há sempre quem tenha um conselho para dar. O problema é que nem sempre os pitacos têm fundamento e o cabo-de-guerra entre o que dizem os livros, o pedagogo e a avó da criança dão um nó na cabeça da pobre mãe. “A maternidade não é algo intuitivo. Somos pegas de surpresa”, comenta Isabel Clemente, jornalista e autora do recém-lançado A pior mãe do mundo (Editora 5W). Na obra, ela fala sobre os desafios de criar uma família com filhos pequenos — incluindo na lista de afazeres lidar com a opinião alheia.


A pediatra Thelma Oliveira, fundadora do grupo virtual Pediatria Radical e autora de O livro da maternagem (Editora Schoba), explica que a maternidade tem um pé nos séculos passados e outro no presente. “As determinações do passado visavam, principalmente, ao resguardo”, completa. “A mãe tornava-se objeto de prescrições e proibições sempre ligadas ao corpo: sua higiene, tempo de lavar a cabeça (40 dias!), manter-se recolhida (resguardada) dos olhares alheios.” Parteiras, comadres, mães e sogras ficavam incubidas de vigiar o comportamento da futura mãe. “Ela (a mãe) era tratada como doente.” Da mesma maneira, Thelma explica que o bebê era mantido no escuro: janelas, portas e frestas eram vedadas por acreditarem que o pequeno teria olhos sensíveis demais à luz.

O tempo passou, mas os conhecimentos passados de mãe para filha ainda fazem parte da maternidade. Alguns ensinamentos mudaram, outros, nem tanto — e há ainda os que estão sendo revistos, sem encontrar consenso. Um exemplo é o dilema: deixar ou não a criança dormir na mesma cama que os pais. Para Thelma Oliveira, condutas como o compartilhamento de cama causam polêmica e são consideradas tabus pelo medo que temos do afeto. “Todo bebê nasce dependente do contato materno, de seus braços, sua respiração, seu calor, seus batimentos cardíacos”, enumera.

Ao chegar indefeso e dependente a este mundo, o pequeno leva meses para entender que nasceu — e precisa de proteção, aconchego, afeto. “Por que deveria ser separado da mãe? A cria humana é o único animal que é afastado dos pais, da família, da mãe. Por quê? Porque temos medo de amar. O medo de tornar a criança ‘mimada’ é o nosso medo de amar.” A criança, explica a pediatra, não tem um pensamento maquiavélico, disposta a dominar seus pais. O choro é o sinal de que algo está errado e as demandas estão relacionadas a necessidades corporais e, também, emocionais. “Passaremos a vida tentando resgatar esse amor sonegado desde o nascimento”, opina. “É muito mais fácil comprar móveis e brinquedos do que amar.”

Ana Cláudia Santos, 32 anos, segue apenas uma regra quando o assunto é o cuidado com seu filho, Bernardo, de 4 meses: seguir o instinto materno. Para ela, determinações sobre como os bebês devem ser criados não fazem sentido, uma vez que nenhuma criança é igual a outra. Um dos “conselhos” que a administradora já está cansada de escutar é que a cama dos pais é expressamente proibida para os pequenos. O argumento é que, uma vez acostumada a dividir a cama com os adultos, a criança não aceitará jamais dormir sozinha. Ana, contudo, não vê nenhuma ligação entre uma coisa e outra. “Com o meu filho, acontece o contrário”, justifica. “Se ele está com cólica, dorme com a gente. Se não está, dorme na cama dele.”

Os avisos vêm de todos os lados e são sobre praticamente todos os aspectos da criação. Dar ou não remédios para crianças, por exemplo. Ana conta que sempre ouviu dizer que não é bom dar chá para bebês muito novos, mesmo que estes estivessem se contorcendo em cólicas. A orientação que recebeu foi que medicamentos seriam a opção mais indicada, mas a mãe não se sentiu à vontade. Resolveu ir contra a maré e dar um chá. A cólica que o menino sentia desapareceu por completo. “Vi que ele se sentiu bem melhor do que quando tomava remédio”, completa.

Na verdade, a rebeldia de Ana contra o senso comum começou logo na gravidez. Quando descobriu que teria um filho, ela já foi logo avisada: seria bom manter distância da musculação e da academia, para proteger o feto. “Malhei até os sete meses de gravidez”, relembra a mãe. Outro pitaco que escutou foi que bebês não podem entrar na piscina, por conta do cloro. Aos 4 meses, Bernardo já deu seus mergulhos. A papinha industrializada também já está na rotina do pequeno, também sem grandes repercussões nos exames pediátricos.

Não se trata de ser “do contra”. Para Ana, não seguir determinadas regras diz respeito apenas à sua intuição de mãe. “Escutei muito sobre o choro, que não pode pegar o bebê de imediato. Eu pego mesmo, acalmo, acalanto.” Deixar a criança dividir a cama com os pais, ainda que de vez em quando, dar chupeta, tudo isso faz parte do que é ser mãe para ela. “As pessoas criticam por ser um padrão mesmo. Elas entram em uma zona de conforto”, opina. “É mais fácil seguir o padrão do que arriscar. Vou fazer sempre o que acho certo para meu filho.”

'Não faz sentido tentar seguir o que a maioria dos livros coloca, porque não dá para saber de tudo. O bebê é puro instinto, a mãe também. É preciso confiar que vai dar certo', Clara Fagundes, 31 anos, servidora pública
Impulso natural
Embora muitas das “regras” da maternidade tenham origem na sabedoria popular, o pediatra Sylvio Renan Monteiro de Barros, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e autor do livro Seu bebê em perguntas e respostas — Do nascimento aos 12 meses (MG Editores), muitos dos conhecimentos da vovó já foram testados pela ciência. Alguns se provaram reais, outros não. “Antigamente, falava-se que a gestante tinha que comer por dois, mas hoje já sabemos que há um limite de peso que a mãe pode ganhar para fugir da hipertensão do parto”, exemplifica. De acordo com Sylvio Barros, “90% dos tabus são baboseira”, mas alguns, apesar de encontrarem certo sentido em fatos científicos, são apenas exageros ou má interpretação de pesquisas. “Assim, transformam-se em tabus que parecem respaldados. As pessoas levam tudo muito ao pé da letra.”

A falta de interpretação é um dos problemas mais graves na hora de seguir orientações, sejam elas de mães, sejam de pediatras. O medo do pequeno nunca se acostumar a dormir ou a ficar sozinho, por exemplo, faz com que muitas mães exagerem. “Deixar o filho sozinho por três horas não tem necessidade. Ele vai se acostumar a ficar só, mas não precisa ser na força”, alerta o médico. A pressão é tanta que Sylvio Barros tem um conselho geral: a mãe deve proceder da forma como achar mais confortável, desde que o bebê esteja seguro e feliz. “Tanto que recomendo que as mães nem amamentem perto de outras, para evitar comparações e aflições.”

Como muitas mulheres que se descobrem grávidas, a servidora pública Clara Fagundes, 31 anos, tornou-se leitora voraz de artigos científicos e reportagens sobre maternidade. Há um ano, sua filha, Helena, veio ao mundo e Clara pode, finalmente, colocar tudo o que aprendeu em prática. Seria algo simples, se a realidade não fosse completamente diferente da teoria. “Com o tempo e com a experiência, você percebe que existe uma diferença enorme entre o que os seus pais te falam e o que os especialistas dizem”, completa. Encontrar o equilíbrio entre a sabedoria popular e a ciência foi o primeiro desafio. “Acho que não faz sentido tentar seguir o que a maioria dos livros coloca, porque não dá para saber de tudo. O bebê é puro instinto, a mãe também. É preciso confiar que vai dar certo.”

Logo no começo das leituras, Clara já se sentiu decepcionada. A descrença com os manuais para mães e pais veio a partir do momento que as tais regras de conduta começaram a aparecer. “Você tem que ver o que funciona para você e para o bebê”, defende. Pontos como deixar que a criança chore um pouco antes de verificá-la ou contar quantos minutos o bebê mama, por exemplo, a incomodaram em especial. “Toda mãe, quando escuta seu filho chorar, tem o instinto de ir lá, pegá-lo, ver o que é. É algo até evolutivo, fomos programadas para ter empatia pela criança”, justifica.

'Criança um dia cresce, e esse é o momento que tenho para tê-lo no colo, beijar, abraçar, vai passar muito rápido', Andréia Nobre, 32 anos, servidora pública
No começo da gravidez, o primeiro conselho que escutou foi com relação ao tipo de parto que escolheria. Clara queria que a filha nascesse de parto natural, mas foi avisada de que o melhor a se fazer era marcar logo o horário da cesárea. “Como a Helena nasceu em dezembro, me diziam que era perigoso (parto normal) porque era fim de ano, eu poderia cair nas mãos de um plantonista ruim.” Quando a menina veio ao mundo, choveram conselhos sobre tudo: qual seria a melhor forma de amamentar, por quanto tempo, como fazer a menina dormir etc.

Dentre os conselhos mais danosos, na opinião da mãe, estão controlar o tempo do bebê (bebês não poderiam mamar mais do que 10 minutos seguidos, segundo os conselheiros de Clara) e amamentar de três em três horas. Helena divide a cama com a mãe desde os primeiros dias de vida e, para Clara, não poderia haver nada mais natural. “Durante a maior parte da vida, as pessoas dormem juntas”, argumenta. “Acho até que as pessoas são bem intencionadas, mas, muitas vezes, os conselhos mais atrapalham do que ajudam.”

Fábia Queiroga, pediatra do Hospital Santa Lúcia e supervisora do Banco de Leite da unidade, diz que é importante que a mãe siga seu coração, mas também precisa ter discernimento para saber o que é ou não seguro para seu filho. A profissional é da opinião de que deixar bebês dormirem na mesma cama dos pais é algo não recomendável, por questões de segurança. “A mãe pode se virar por cima da criança. Há ainda a diminuição da circulação de oxigênio do bebê, que estará no meio de dois corpos adultos”, exemplifica. Providenciar um cantinho exclusivo para a criança é uma das principais condutas para evitar a morte súbida do pequeno, segundo a especialista.

Queiroga frisa que a maternidade não é uma ciência exata. Cada criança tem sua própria personalidade e nem sempre condutas iguais por parte das mães resultarão em crianças parecidas no futuro. Pode ser que um bebê que seja acalentado o tempo inteiro apresente uma maior dependência de contato, ou não. “O bebê tem que estar sendo acompanhado, para ter seu desenvolvimento normal”, completa. “Nos primeiros dias, ele ainda é um ser ‘desorganizado’, precisa de aconchego. À medida que ele vai crescendo, vai fazendo seus horários de amamentação e a mãe vai se adaptando.”

A servidora pública Andréia Nobre, 32 anos, não tem tempo a perder: quer aproveitar cada segundo da vida do filho Daniel, hoje com 1 ano. “Criança um dia cresce e esse é o momento que tenho para tê-lo no colo, beijar, abraçar, vai passar muito rápido”, argumenta. A possibilidade do filho tornar-se um menino mimado, cheio de dengos e manhas, já foi apresentada a Andréia diversas vezes. A mãe, contudo, não vê sentido no alerta. Até porque o garoto já não quer mais saber tanto de colo: quer mais é se movimentar, brincar e aprimorar os primeiros passos.

A mãe conta que não se prende à regras convencionais por preferir seguir seus instintos. Daniel nasceu em dezembro e o calor do verão a deixava preocupada. Escutou, em uma consulta pediátrica, que não seria necessário dar água ao garoto, uma vez que o leite materno é suficiente para garantir a hidratação. Mesmo assim, ela desobedeceu: dava pequenas quantidades do líquido na chupeta. Seguir o coração, nesse caso, a deixou mais tranquila, mas nem sempre é assim. A insegurança de mãe de primeira viagem, segundo ela, piora consideravelmente com o excesso de conselhos. “Quero ajudar, mas, às vezes, fico confusa.”

Por vezes, o instinto materno de fato pode se enganar. Daniel é um menino que sente bastante calor, segundo a mãe. Por isso, de vez em quando, Andréia o deixa sem camisa, para refrescar. Assim que começou a ir para a creche, contudo, não raro Daniel volta para casa com o “peito cheio”, tossindo ou espirrando. “Já me disseram que deixá-lo sem camisa às vezes pode estar causando isso, mas também pode ser o convívio na creche”, pondera a mãe. Ainda assim, a preocupação continua.

Tantas opiniões são úteis, muitas vezes, mas Andréia engrossa o coro que parece ser o mantra de todas as mães: na prática, a coisa muda de figura. “Claro que muitas dicas são importantes, mas a gente fica insegura por ser mãe de primeira viagem”, completa. A angústia de saber se a criança será prejudicada de alguma forma no futuro por conta de decisões tomadas no presente é, também, um fantasma constante. Contudo, até agora, Andréia está feliz com as decisões que tem tomado. “Beijo e abraço meu filho sempre e ele não é uma criança chorona”, frisa. “Na hora de cuidar, vai a questão do coração.”

Mitos
Banho no bebê só depois do sétimo dia, para evitar o “mal de sete dias”

Dar chupeta “molhada” em açúcar ou em chazinho para acalmar a criança

Algumas mulheres têm leite fraco e devem/deveriam tomar cerveja preta e canja

Ao sair da maternidade, o bebê deveria ficar no berço, para não se tornar dependente

Agasalhar muito, com luvas, gorro e manta: resquícios da Corte portuguesa num país tropical. É um costume que causa hipertermia nos bebês e que pediatras conhecem bem como “falsa febre”

Não se usa mais chá nem água, apenas leite materno exclusivo nos primeiros seis meses

“Criança não tem que querer, tem que obedecer e pronto”; “quem não apanha em pequeno apanha depois de grande na rua”. O crescimento e desenvolvimento da criança têm fases caracterizadas por comportamentos inerentes ao grau de amadurecimento do sistema nervoso central. A falta desse amadurecimento motiva atitudes opositivas em situações de estresse, chamadas “birras”. Essas acontecem em ambientes com excesso de estímulos luminosos e sonoros, ou na rua, chamando a atenção de passantes, que ficam à espera de um ‘corretivo’. O certo a fazer é sair do tal ambiente, segurando a criança no colo e oferecendo-lhe água.


Usar andador facilita a marcha: a criança aprende a andar com obstáculos progressivos. Dentro do andador, ela não tem contato com paredes e outros obstáculos, não adquire noção espacial e se machuca com muito mais facilidade, além da maior chance de quedas.
Fonte: Thelma Oliveira, pediatra

Para ler
A pior mãe do mundo
Isabel Clemente
Editora 5W
2014
264 páginas
R$ 34,90

O livro da maternagem
Thelma Oliveira
Editora Schoba
2013
720 páginas
R$ 59,50

Seu bebê em perguntas e respostas — Do nascimento aos 12 meses
Sylvio Renan Monteiro de Barros
MG Editores
2008
136 páginas
R$ 38

Coaching para pais e mães
Bibianna Teodori
Editora Matrix
2014
223 páginas
R$ 34,90