Pesquisadores buscam avanços na prevenção de doenças tropicais

Cientistas apostam no sequenciamento genético e na criação de vacinas para evitar a propagação dos males tropicais. As adaptações sofridas pelos insetos transmissores são um dos obstáculos das pesquisas

por Vilhena Soares 06/01/2015 14:00

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Anderson Araújo/CB/D.A.Press
(foto: Anderson Araújo/CB/D.A.Press)
Para evitar doenças que assombram a humanidade há milênios, soluções de última geração. Eis a linha dos estudos com resultados mais promissores contra os males negligenciados. Pesquisadores do Brasil e do resto do mundo acreditam que a prevenção eficaz virá da biotecnologia. Apostam principalmente no mapeamento do genoma dos transmissores e no desenvolvimento de vacinas. “Sem dúvidas, esses avanços tecnológicos estão oferecendo alternativas que não eram possíveis até pouco tempo atrás para melhorar nossa aproximação às doenças tropicais”, avalia Ricardo Palacios, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento Clínico da Divisão de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância do Instituto Butantan.

Palacios é um dos pesquisadores do projeto da vacina contra a dengue desenvolvido no instituto brasileiro. Segundo ele, a busca pela imunização começou há mais de 70 anos. “Ainda na Segunda Guerra Mundial, com os trabalhos, por exemplo, de Albert Sabin, o descobridor da vacina oral da pólio”, diz. “Mas ele e muitos outros pesquisadores não tiveram sucesso por causa da complexidade da doença.” A dengue pode ser causada por quatro sorotipos de vírus. Por isso, uma vacina completa precisaria ser eficaz contra todos eles. A pesquisa do Butantan está na segunda fase, com voluntários brasileiros. “Estamos confirmando a segurança em pessoas que tiveram ou não dengue e faremos testes adicionais para aferir a resposta de defesa gerada pela imunização”, detalha.

O pesquisador conta que os três projetos de vacina para a dengue mais avançados no momento apostam na engenharia genética para criar vírus vacinais atenuados e que são aplicados em testes com seres humanos. “Até o século passado, as tentativas de atenuar os vírus da doença não foram bem-sucedidas.” A Sanofir Pasteur busca a imunização que abranja os quatro tipos de vírus da dengue há 20 anos. Um trabalho “cheio de detalhes”, segundo Sheila Homsani, gerente do Departamento Médico do laboratório. “É algo muito difícil porque ainda envolve o mosquito, que sofre mudanças contínuas, difíceis de serem rastreadas e que podem variar conforme o ambiente. Outras doenças, como a de Chagas e a esquistossomose, têm sido alvo de estudos de laboratórios internacionais que também têm sofrido para trabalhar com esse tipo de alteração”, conta.

A vacina da Sanofi Pasteur está em fase final de experimentação e apresentou desfechos promissores com crianças na Ásia, uma das regiões que mais sofrem com os casos da doença. “Realizamos testes com crianças com eficácia de até 56%. Em breve, teremos o resultado feito com participantes que tinham entre 9 e 16 anos na América Latina. Esse é um dos passos necessários, antes do lançamento, para que possamos garantir a eficácia e a segurança da vacina”, destaca Homsani.

A especialista ressalta que, quanto mais soluções preventivas surgirem para as doenças tropicais — de preferência mais fáceis de serem adquiridas pela população —, maiores serão as chances da redução dos casos de infecção. Ainda assim, diz ela, as medidas preventivas não podem ficar apenas no campo da imunização. O mapeamento do DNA dos mosquitos é uma das frentes apontadas por Homsani. “Isso pode servir como intervenção para que o inseto deixe de disseminar o vírus”, explica. “Outras medidas simples podem ser tomadas, como evitar a água parada, um dos cuidados mais importantes para reduzir os riscos de proliferação do inseto da dengue.”

Desvendando o genoma
A técnica de mapeamento do genoma dos insetos que transmitem doenças tropicais surgiu em meados dos anos de 1990, quando o recurso foi utilizado originalmente para análises de células de DNA humanas. “Trata-se de uma metodologia relativamente simples desenvolvida por pesquisadores nos EUA e que hoje é perfeitamente dominada por inúmeros grupos aqui no Brasil”, explica Santuza Teixeira, professora do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Santuza trabalhou com outros cientistas brasileiros e americanos no mapeamento do mosquito Anopheles darlingi, principal vetor da malária nas américas do Sul e Central. Eles avançaram na análise genética, mas não o suficiente para desenvolver uma vacina a partir das informações obtidas. “Muitos grupos continuam trabalhando com o objetivo de entender como o parasita da malária interage com o mosquito para tentar desenvolver uma forma de controlar a transmissão da doença”, destaca a pesquisadora. “Com o mapeamento do genoma, podemos selecionar com muito mais eficácia os antígenos das vacinas, utilizando o conhecimento das sequências de DNA que os codificam.”

O mapeamento do Aedes aegypti, que transmite a dengue e a febre chikungunya, foi um dos primeiros na área, conduzido em 2007 por um grupo de pesquisadores do Instituto para Pesquisa Genômica dos Estados Unidos. A esperança dos cientistas é de que, além de descobrir estratégias de elaboração de antígenos para a criação de vacinas, ao entender as modificações no DNA dos insetos, eles possam impedir a capacidade de eles infectarem os humanos.

“Informações quanto ao material genético desse mosquito se tornam uma ferramenta para estudar o mecanismo genético de interação dele com o vírus, o que pode nos ajudar a entender a biologia do inseto e revelar novas maneiras de interferir quanto à transmissão da doença”, destacou, em comunicado à imprensa, Zhijian Tu, professor associado do Departamento de Bioquímica do instituto.

Prima da dengue
É uma doença causada pelo vírus CHIKV e tem sintomas semelhantes ao da dengue: febre alta, dor muscular, de cabeça e, principalmente, nas articulações. Não existe uma versão hemorrágica da febre chikungunya, embora a artrite possa continuar ativa por muito tempo. O vírus surgiu na África, espalhou-se para a Ásia e, depois, para a Europa e a América. Recentemente, o CHIKV foi identificado em ilhas do Caribe e na Guiana, e chegou ao Brasil. Até 15 de novembro último, o Ministério da Saúde havia contabilizado 1.364 infectados, sendo que apenas 71 foram importados, ou seja, pessoas que adquiriram a doença em outro país.