Cientistas descobrem área do cérebro relacionada a sensação de felicidade

Estudo aumenta a compreensão sobre a origem do sentimento e pode melhorar o atendimento a pacientes que sofrem lesões no órgão

por Correio Braziliense 01/01/2015 15:00
CB / D.A Press
O que significa ser feliz em termos neurológicos? Cientistas encontram a resposta (foto: CB / D.A Press)
Já imaginou o que se passou na cabeça do brasiliense que ganhou sozinho a bolada de R$ 205 milhões da Mega-Sena algumas semanas atrás? Bem, pesquisadores japoneses não podem assegurar quais pensamentos ele teve, mas de uma coisa estão certos: naquele dia, o sortudo passou a apresentar uma atividade muito mais intensa na região cerebral chamada precuneus, localizada no lóbulo parietal. Segundo um recente estudo desses cientistas, é nessa área que a felicidade fica armazenada.

O estudo da Universidade de Kyoto, no Japão, publicado na revista Nature Scientific Reports, avança significativamente na busca por desvendar os fatores neurológicos implicados no que os especialistas chamam de felicidade subjetiva. Os autores explicam que esse sentimento é como uma balança na qual as experiências prazerosas pesam mais do que as desagradáveis, sendo “subjetivo” porque essas vivências têm de ser percebidas para que o misto de prazer e satisfação com a vida apareça.

Para investigar o que significa ser feliz em termos neurológicos, um time da Universidade de Kyoto contou com a ajuda de 51 voluntários, sendo 26 mulheres e 25 homens, com idade entre 22 e 27 anos. Os pesquisadores escanearam o cérebro de cada participante por meio de ressonância magnética e pediram para que avaliassem o próprio nível de felicidade, por meio de um formulário no qual deviam concordar ou não com afirmações como “Em geral, considero-me uma pessoa muito feliz” e “Não me considero feliz”.

A comparação dos resultados mostrou que os indivíduos que tinham se autoavaliado como mais felizes e satisfeitos com a vida possuíam o precuneus maior. “Ainda não sabemos exatamente o que acontece no precuneus para que ele tenha mais massa cinzenta, mas tanto o número de neurônios quanto a ramificação dendrítica podem contribuir para que ocorra um aumento de volume dessa massa”, explica, em entrevista ao Correio, Wataru Sato, neurocientista e principal autor do estudo.

O próximo passo da pesquisa é descobrir quais mecanismos cerebrais fazem surgir a felicidade. De acordo com Wataru, esse avanço ajudaria a perceber os níveis de “felicidade objetiva”, aquela medida em pesquisas de qualidade de vida, com base na renda, na segurança e em outros aspectos sociais, além de revelar se já nascemos felizes ou se é algo que se desenvolve com o tempo. “Alguns estudos psicológicos feitos em gêmeos mostraram que fatores genéticos e do meio ambiente influenciam na felicidade. Outros estudos com neuroimagem mostram que esses mesmos fatores provocam mudanças no cérebro. Agora, precisamos juntar essas pistas.”

Reabilitação

A importância de estudos como o de Sato está na possibilidade de avançar em tratamentos para pessoas que sofreram algum tipo de lesão cerebral e tiveram alguma mudança comportamental, de acordo com a psicóloga Cláudia Giacomoni, coordenadora do Núcleo de Estudos em Psicologia Positiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “É inquestionável a importância desses achados em neurociência, pois, se a gente tem claro onde estão localizados comportamentos e emoções no cérebro, isso permite o planejamento do que fazer para ajudar o paciente a se recuperar também no nível psicológico quando ele sofre alguma lesão cerebral”, destaca.

Os cientistas japoneses também acreditam que o novo estudo ajuda a entender a importância da prática de meditação como promotora da felicidade. “Algumas pesquisas de neuroimagem relataram que a meditação aumentou o volume de matéria cinzenta no precuneus. Outros estudos psicológicos também informaram que essa prática tem efeito no tratamento da depressão”, nota Wataru, que deixa uma dica para outras pesquisas: “É possível desenvolver tratamentos baseados em evidências da prática de meditação e, ao mesmo tempo, verificar a estrutura do precuneus para confirmar se houve melhoria na percepção da felicidade”.

Outro benefício de estudos neurológicos sobre a felicidade é apontado pela neuropsicóloga da Universidade de Campinas (Unicamp) Tátila Lopes. “Se a gente descobrir que existe uma região responsável pela felicidade, poderemos tratar uma doença emocional estimulando mais essa área.”

Particularidades
Não há muito tempo desde que a ciência começou a olhar para o que faz com que as pessoas sejam e se considerem felizes. Na década de 1980, uma linha de pesquisa chamada psicologia positiva foi criada para entender como algumas pessoas superam situações estressantes e seguem satisfeitas com a vida, enquanto outras acabam desenvolvendo depressão, ansiedade e paranoias. “Alguns teóricos dizem que as emoções básicas ligadas à felicidade são a alegria, o orgulho e a excitação. Essas emoções estão presentes na forma com que a pessoa avalia a própria vida quando ela pesa experiências vividas no trabalho, com amigos, com a família e a própria situação econômica, por exemplo”, explica Cláudia Giacomoni.

A psicóloga também destaca que o grau de felicidade de alguém depende da interpretação que cada um faz das situações vividas. “Surgiram estudos como ‘as pessoas casadas são mais felizes do que as solteiras’ ou ‘quanto mais anos de estudo, mais feliz é a pessoa’. Mas, com o tempo, se deram conta de que isso explica muito pouco”, observa a especialista, que completa: “A chave está na personalidade. É como eu sou que define se sou feliz”.

Com uma opinião parecida, Tátila Lopes observa que se trata de um sentimento complexo para se descrever e estudar, porque é sentido de maneiras bem particulares. “A felicidade está ligada a estruturas emocionais aprendidas socialmente. Está associada também a motivações, predisposição genética, à forma com que cada pessoa vai enfrentar um acontecimento. Uma situação simples pode deixar alguém muito feliz e a mesma situação ter um efeito neutro em outra pessoa.” E destaca: “Nem todos se importam com muito dinheiro, por exemplo”.

Outras sensações
Ainda pouco explorada pela ciência, acredita-se que a área do precuneus está relacionada também com experiências de medo e alterações do nível de consciência — por exemplo, quando alguém recebe anestesia, ocorre uma alteração na atividade neurológica dessa região.

Gratidão
Em um estudo feito com 249 estudantes universitários, pesquisadores da Universidade de Baylor, nos Estados Unidos, apontaram que, nem sempre, riqueza é sinônimo de felicidade. Após receberem as respostas dos entrevistados, os cientistas perceberam que buscar a felicidade por meio do ganho material faz com que as pessoas tendam a se sentir piores. Em contrapartida, a gratidão é um fator que aumenta a satisfação. “Os indivíduos com mais gratidão mostraram menos relação com o materialismo e estavam mais satisfeitos. Já os indivíduos mais materialistas e com baixo grau de gratidão tendem a ter menor satisfação na vida”, escreveram os autores do estudo, publicado na revista Positive Psychology.