Saúde

Estudo mundial indica caminhos para afastar risco de Alzheimer em idosos

Perda de memória, desorganização de vida, tristeza, medos. Saúde mental do idoso não anda bem

Silas Scalione Bruna Sensêve

Na forma inicial, o Alzheimer causa alterações na memória, na personalidade e em habilidades espaciais e visuais. A progressão pode ser rápida ou lenta, mas, em todos os casos, tem como estágio final uma resistência à execução de tarefas diárias, perda da razão e da habilidade para cuidar de si próprio, incontinência urinária e fecal e deficiência motora progressiva. Essas características altamente debilitantes são o que assusta cerca de 68% das pessoas entrevistadas em todo o globo pela Alzheimer's Disease International (ADI). A equipe de pesquisadores multidisciplinar divulgou ontem o Relatório Global do Alzheimer 2014 com essa e outras conclusões importantes. Em alguns países, nos últimos 20 anos, por exemplo, há uma redução da incidência de demência. O motivo, segundo o documento, é o melhor controle do diabetes, da hipertensão e a diminuição do tabagismo. (Leia mais sobre a pesquisa à direita).


Independentemente da idade e da carga genética, a demência causada pelo Alzheimer pode ser prevenida
A equipe liderada por Martin Prince, do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociências da King’s College of London, examinou criticamente evidências para a existência de fatores de risco modificáveis para a demência. “Nós nos concentramos em quatro domínios fundamentais: desenvolvimentos psicológico e psicossocial, estilo de vida e fatores de risco cardiovascular”, enumera. Eles garantem, com base em dados científicos, que, mesmo com o envelhecimento da população, a incidência do problema pode ser modificada com a redução do uso do tabaco e um melhor controle e detecção da hipertensão e do diabetes. A última doença, de acordo com as conclusões do grupo, pode aumentar o risco de males neurodegenerativos em 50%.

Independentemente da idade e da carga genética, a demência causada pelo Alzheimer pode ser prevenida. A receita não foge ao tripé que sustenta uma vida saudável e longeva: não fumar, comer bem e se exercitar. Os pesquisadores resumiram as recomendações em uma máxima: “O que é bom para o coração é bom para o cérebro”. Isso porque a redução dos casos da doença percebida por eles tem como pano de fundo uma melhora na saúde cardiovascular em países de alta renda. “Existem evidências de vários estudos de que a incidência de demência pode estar caindo em países de alta renda, vinculada a melhorias na educação e na saúde cardiovascular. Precisamos fazer tudo o que pudermos para acentuar essas tendências”, afirma Martin. Os pesquisadores lançaram os resultados na semana que antecede o Dia Mundial do Alzheimer, no próximo domingo, como forma de manter a mobilização e atenção em torno do tema.

Simpósio
Em Belo Horizonte, amanhã e depois, ocorre o II Simpósio de Manejo da Depressão e Demência no Idoso: Desafios da Prática Clínica, na Faculdade de Medicina da UFMG. O programa é organizado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Medicina Molecular (INCT-MM), o Núcleo de Geriatria e Gerontologia (NUGG), ambos da UFMG, e pelo Laboratório de Investigação em Neurociências Clínicas (Linc). Para o professor adjunto de saúde mental da Faculdade de Medicina da UFMG, Breno Satler Diniz, antes de qualquer tratamento, o mais importante é se fazer diagnósticos adequados dos quadros por meio de avaliações médicas (com psiquiatra, geriatra, neurologista etc.) e de exames neuropsicológicos feitos por psicólogos especializados nessa área, além de exames complementares, como a ressonância do cérebro.

“A partir do diagnóstico, há várias estratégias de tratamento. Nos pacientes com quadros demenciais, podemos usar medicamentos – como a rivastigmina, a donepezila e a galantamina – associados ou não a treinamento de memória e reabilitação cognitiva. Já em idosos com depressão, o ideal é usar antidepressivos com a terapia”, revela.

No Alzheimer, os principais exames nos estágios iniciais da doença são ressonância do cérebro e outros exames de imagem, como a tomografia por emissão de protons (PET) e a visualização in vivo da proteína beta-amiloide cerebral, com a avaliação da concentração da proteína beta-amilóide e a proteína Tau no liquor. “Apesar de aumentar a confiabilidade do diagnóstico, esses exames são complementares às avaliações médica e neuropsicológica. Além disso, eles não estão amplamente disponíveis em todos os lugares para a população”, revela o médico.

Os chamados tratamentos alternativos, como dança, aulas especiais, atividades físicas e maior atenção aos hobbies, em geral, são, segundo Breno Satler, intervenções muito importantes, pois podem melhorar o comportamento dos pacientes e, consequentemente, sua qualidade de vida. “No entanto, elas não devem substituir as medicações ou intervenções mais estruturadas, como psicoterapia ou a terapia ocupacional”, diz.

Diversas pesquisas vêm sendo conduzidas sobre essas doenças. O Instituto Jenny Andrade de Farias, do Hospital das Clínicas da UFMG, em conjunto com o Serviço de Geriatria e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Medicina Molecular busca desenvolver novas técnicas para diagnóstico mais preciso da depressão e da doença de Alzheimer em idosos. “Além disso, pesquisamos o desenvolvimento de novas estratégias de tratamento para tais quadros, como a reabilitação cognitiva, neuromodulação e uso de medicamentos específicos”, completa Satler.

Principais conclusões do estudo da ADI

» O diabetes pode aumentar o risco de demência em 50%

» A obesidade e a falta de atividade física são fatores de risco importantes para o diabetes e hipertensão. Portanto, devem também ser alvo de cuidados especiais

» Parar de fumar reduz o risco de demência. Estudos de incidência de demência entre pessoas com 65 anos ou mais mostram que os ex-fumantes têm um risco semelhante aos que nunca fumaram, enquanto aqueles que continuam a fumar correm risco muito maior.

» Aqueles que tiveram melhores oportunidades educacionais apresentam menor risco de demência no fim da vida. Evidências sugerem que a educação não tem impacto sobre as mudanças cerebrais que levam à demência, mas reduz o seu impacto no funcionamento intelectual.

» Pouco mais de um sexto (17%) das pessoas pesquisadas entendem que a interação social com amigos e familiares pode ter impacto sobre
o risco.

» Apenas um quarto delas (25%) identificaram o excesso de peso como um possível fator.

» Somente um em cada cinco (23%) dos pesquisados disse que a atividade física pode afetar o risco de desenvolver demência e perda de memória.

» Mais de dois terços (68%) das pessoas entrevistadas em todo o mundo estão preocupadas com a obtenção de demência no futuro.

Fonte: Alzheimer's Disease International (ADI)




Uma grande interrogação
A depressão é o principal transtorno psiquiátrico em idosos, com uma prevalência de 10%. Dados da Previdência Social revelam que é a principal causa de aposentadorias precoces, a primeira relacionada à área da psiquiatria e a segunda causa geral, perdendo apenas para as lombalgias crônicas. “Apesar disso, os transtornos mentais são considerados menos graves que as doenças cardiovasculares e diabetes, mesmo sabendo-se que grande maioria desse pacientes chegam a passar mais de 30 anos sem trabalhar”, diz o professor Erico Castro-Costa, pesquisador associado do Centro de Pesquisa Rene Rachou da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que estará no evento em Belo Horizonte, abordando a prevalência e o impacto da depressão e da demência na sociedade.

“O paciente deprimido está verdadeiramente doente, mas a sua falta de interesse pela vida costuma ser vista, infelizmente, pelos seus familiares como um distúrbio de caráter, como falta de força de vontade ou simplesmente preguiça. O psiquiatra nunca é o primeiro médico que a família procura. Geralmente, os pacientes passam antes pelos clínicos, cardiologistas ou neurologistas, deixando a psiquiatria como última opção, muitas vezes pela falta de conhecimento, fuga e a dificuldade de assumir o quadro”, aponta o médico.

Em países desenvolvidos, como o Reino Unido, a França, a Noruega e os Estados Unidos, as demências são prioridade de saúde pública, sendo desenvolvidos planos específicos e estratégias de cuidados. Segundo Castro-Costa, o envelhecimento populacional tem causado um grande impacto na epidemiologia das demências, principal causa de incapacidade e de dependências dos idosos. “A população idosa apresenta maiores taxas de crescimento na China, Índia e países latino-americanos. Mas o Brasil já é a sexta maior população idosa do mundo, com 16 milhões de pessoas.”

Serviço
Os interessados em participar do II Simpósio de Manejo da Depressão e Demência no Idoso: Desafios da Prática Clínica podem se inscrever no site da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep) acessando o link https://www.cursoseeventos.ufmg.br/CAE/DetalharCae.aspx?CAE=6286