Saúde

Planejamento é necessário para garantir um período sabático produtivo e prazeroso

Frear a rotina do dia a dia para pensar um pouco sobre si mesmo é um conselho habitual: quem nunca fez, morre de vontade, e quem já passou por isso recomenda

Revista do CB

Destino, hospedagem, objetivos, recursos financeiros… Planejar um período sabático pode parecer interminável. Rafael Rezende, 24 anos, está em vias de realizar o sonho de tirar um período para repensar a vida. A princípio, o publicitário pensou em procurar uma agência de viagens. Agora, ele considera a possibilidade de tentar tirar cidadania portuguesa, já que o avô era natural de Lisboa. “Assim, não vou precisar viajar com nenhum curso ou emprego garantido por lá”, completa.


Com a viagem, Rafael pretende ficar um tempo sozinho. “Decidi fazer isso porque vejo muita gente falar que deveria ter tirado um tempo para pensar quando era jovem”, justifica. “A vida vai ficando cada vez mais atribulada, você vai arrumando empregos melhores, compromissos e, quando vê, não pode mais sair.”

'Quando você está na escola, é pressionado a entrar na faculdade e nunca tem tempo para si. Acho importante tirar um tempo para pensar na própria vida.' Rafael Rezende, 24 anos, vai parar de trabalhar e viajar
Profissionalmente, ele acredita que o período sabático também será útil. Ainda que cursos ou especializações não estejam na lista de objetivos, aprender a fundo outro idioma, conhecer uma cultura diferente e saber mais sobre si mesmo são características valorizadas no mundo da publicidade, segundo Rafael. “Quando você está na escola, é pressionado a entrar na faculdade e nunca tem tempo para si. Acho importante tirar um tempo para pensar na própria vida.”

Frear a rotina do dia a dia para pensar um pouco sobre si mesmo é um conselho habitual: quem nunca fez, morre de vontade, e quem já passou por isso recomenda. No caso de Rafael, o período sabático servirá para peneirar seus múltiplos (e nada relacionados) interesses. Ele conta que sempre teve dificuldade para decidir o que queria fazer da vida. “Nunca tive 100% de certeza do que estou fazendo, sempre tive muitas dúvidas”, completa. Quando chegou a hora de prestar vestibular, escolheu a publicidade. Rafael acabou se apaixonando pela profissão, mas seus outros interesses não foram esquecidos. “Da mesma forma que gosto de publicidade, gosto de veterinária, de biomedicina e de engenharia elétrica.”

A gerente Deysianne Candeiras da Silva, 27 anos, já está na fase final de preparação para seu período sabático. Enquanto você lê esta reportagem, é provável que Deysi, como gosta de ser chamada, já esteja vivendo suas primeiras aventuras em terras estrangeiras: ela embarcou no último domingo, dia 17. O plano inicial é ficar um ano na Irlanda, mas tudo pode mudar. O planejamento começou há três anos, quando a vontade de sair um pouco da rotina apareceu pela primeira vez. Após pesquisas e mais pesquisas, ela pôde ter uma noção do quanto precisaria economizar para arcar com todas as despesas. “Fui guardando o que podia na poupança. Compro só o que preciso mesmo”, ensina.

Compras no shopping, restaurantes e passeios com amigos eram os principais gastos de Deysi — e, naturalmente, foram as primeiras coisas a serem cortadas da rotina. Ela pesquisou por quase dois anos até escolher o destino final. Deysi conta que os costumes e o clima (não só o meteorológico, mas o da população local) foram motivos para optar pela Irlanda. “Dos países que eu tinha pesquisado, é o melhor e o mais acolhedor. O estilo do povo é como o dos brasileiros”, justifica. “Acho que, assim, não vou me sentir tão deslocada.” Quando se decidiu, ela pediu demissão e usou boa parte do seguro desemprego e do FGTS para arcar com os gastos iniciais.

'É importante pesquisar o destino, ver o que é melhor, inclusive financeiramente. É bom descobrir se a cidade é acolhedora, se as pessoas costumam receber estrangeiros bem. Saber a língua do local ou pelo menos inglês também é importante.' Deysianne Candeiras da Silva, 27 anos, que planejou três anos para passar um ano na Irlanda
O objetivo principal da viagem é sair da rotina, melhorar o autoconhecimento e trabalhar a reflexão, mas Deysi não quer fechar nenhuma porta. A ideia é trabalhar legalmente no país. Para isso, ela precisou de um visto especial, que exige que o viajante esteja matriculado em algum curso no país. Uma vez por semana, ela terá aulas de inglês. Pouco antes de viajar (quando Deysi conversou com a reportagem), o sentimento era uma mistura de nervosismo, ansiedade e frio na barriga, segundo ela. “A vida é muito monótona. A maioria das pessoas vive cansada. Estamos aqui também para procurar coisas novas.”

O cenário, a língua e os costumes irlandeses não serão as únicas coisas novas que Deysi conhecerá em seu período sabático. Além de ser a primeira viagem para fora do Brasil, ela terá de aprender a se virar, já que nunca morou sozinha. “Tenho dois irmãos que moram na Irlanda há cinco anos, mas vou morar longe deles”, completa. “Dá medo pensar que morarei sozinha em outro país, mas estou muito confiante. Vai ser muito bom para mim.” Para tirar o sonho do papel, ela dá dicas: invista em pesquisa, economia e muita coragem para sair da zona de conforto. “A pessoa tem de saber o que quer e se vai se sentir bem no lugar que escolher”, aconselha.

Além de muito trabalho e persistência, Caio César Pereira, 25 anos, contou com uma ajudinha do destino para realizar seu período sabático. Em um primeiro momento, o foco do psicólogo foi juntar dinheiro. Economizou o que pôde no Brasil e viajou para a Austrália, onde trabalhou em três empregos durante sete meses. O planejamento, contudo, começou de verdade há seis anos. Aos 19 anos, Caio já trabalhava como promoter de festas e passou por diversos estágios. Mesmo assim, o retorno financeiro ainda era escasso — e o sonho do período sabático, cada vez mais distante.

'Criar coragem é mais difícil que juntar dinheiro, mas ter dinheiro é importante, infelizmente. Ser humilde, não ter medo de trabalhar e ter determinação são os ingredientes para conseguir. Ser comunicativo também ajuda muito.' Caio César Pereira, 25 anos, que passou quatro meses viajando pela Indonésia, Singapura, Tailândia, Camboja, Vietnã, China e Nova Zelândia.
Um golpe de sorte, porém, fez tudo mudar. Na volta de uma viagem para a Bolívia, em 2010, Caio encontrou um envelope no chão. “Abri e vi que tinha um bolo de notas dentro”, relembra. Ele olhou em volta, para observar se havia alguém à procura do envelope, e nada. Caio voltou para Brasília e abriu o envelope com os pais. Dentro, 30 notas de US$ 100. “Fomos à Polícia Federal e falamos o que encontramos, o local e o horário”, conta. “Não entregamos o dinheiro, porque queríamos entregar em mãos para o proprietário.” Dois meses depois, a polícia entrou em contato, avisando que ninguém havia reclamado o dinheiro, portanto, Caio poderia ficar com ele.

O investimento inesperado deu o último incentivo necessário para Caio sair pelo mundo. Como o objetivo era trabalhar para só depois aproveitar o período sabático, ele precisou se matricular em um curso (já que esse é um pré-requisito para estrangeiros poderem trabalhar legalmente na Austrália). O dinheiro encontrado no aeroporto ajudou a pagar as passagens e o visto. Ainda assim, Caio teve de desembolsar mais R$ 7 mil só para chegar à Austrália. “Sobraram US$ 300 e eu ainda tinha de encontrar um lugar para ficar”, relembra. Na primeira semana, Caio ficou em um albergue que cobrava US$ 25 por dia. Para comprar comida, começou a tocar violão na rua.

Durante as apresentações na praça, ele conheceu um grupo de jovens que frequentava uma igreja australiana. Caio passou a frequentar a igreja semanalmente, até que, certo dia, um dos amigos o convidou para viajar pelo país. “Ele era carpinteiro e trabalhava com construção. Ia fazer uma igreja no interior da Austrália e me convidou para trabalhar com ele.” Uma semana de trabalho depois, os dois retornaram e Caio foi morar na casa da família do amigo. Sem precisar se preocupar com a hospedagem, ele pôde se dedicar exclusivamente ao plano de juntar dinheiro: das 5h30 às 9h, tocava violão na rua. Das 11h às 15h, trabalhava como garçom em um restaurante italiano e, das 17h às 23h, era garçom em outro estabelecimento.

Sete meses depois, Caio estava preparado financeiramente para o tão esperado período sabático. Por quatro meses, ele viajou pela Indonésia, Singapura, Tailândia, Camboja, Vietnã, China e Nova Zelândia. “O que mais me impressionou foi ver que o ser humano é o mesmo em qualquer lugar do mundo”, conta. “Sempre quis viver uma aventura, é uma coisa da minha natureza. Aprendi muito sobre mim mesmo. Foi uma meta pessoal e me sinto uma pessoa muito mais realizada, por ver que consegui.”