Saúde

Desde dezembro, vírus ebola já sofreu mais de 300 mutações

Grupo de cientistas mapeou o micro-organismo que amedronta a África; descoberta pode ajudar na busca por tratamento contra a doença

Roberta Machado

Pesquisadores mapearam a evolução do vírus ebola na África Ocidental a partir da entrada da doença em Serra Leoa. Eles sequenciaram 99 genomas colhidos de amostras de 78 pessoas que ficaram doentes nos primeiros 24 dias do surto e descobriram que ele se originou da mesma variação do vírus que se espalhou pela África Central há uma década. Essa é a maior epidemia de ebola da história, com 3.069 infectados e 1.552 mortos, sendo que mais de 40% do número total de casos surgiram nos últimos 21 dias. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mantido o ritmo atual de contaminação, a doença poderá acometer mais de 20 mil pessoas.


Os cientistas sequenciaram o genoma do vírus ebola analisando amostras de pessoas infectadas em janeiro, no início do surto
Depois de comparar o genoma do vírus causador do surto atual com 20 amostras de casos anteriores da doença, os cientistas descobriram que as duas linhagens que provocam a atual epidemia sofreram mais de 300 variações genéticas desde quando surgiram no centro do continente africano em 2004, no mesmo ano em que o vírus matou cinco pessoas no Sudão. “É difícil saber, com certeza, como o vírus se propagou dos lugares onde estavam suas variantes ancestrais”, ressalta Kristian G. Andersen, pesquisador do Broad Institute na Universidade de Harvard e um dos autores do estudo. “Também não sabemos se pequenos surtos humanos passaram despercebidos e possam ter contribuído para a migração (do vírus) para a África Ocidental.”

O primeiro paciente que se sabe ter contraído a doença na epidemia atual foi uma criança de 2 anos, mas a forma como o menino se contaminou em dezembro passado, em um vilarejo da Guiné, ainda é desconhecida. Acredita-se que, depois de matar a mãe e a irmã do garoto, o vírus tenha atravessado fronteiras depois do funeral da avó da criança, uma curandeira que tratava infectados e que morreu em 1º de janeiro. Estima-se que 12 mulheres tenham contraído a doença durante os ritos fúnebres e levado o ebola para Serra Leoa.

Depois de atingir o país vizinho, o ebola se espalhou rapidamente pela Libéria e pela Nigéria, sendo transmitido entre pessoas por meio do contato com fluidos corporais de indivíduos doentes. “O primeiro caso, na verdade, vem a partir do contato humano com um animal infectado. O reservatório é ambiental. Mas, a partir do momento em que uma pessoa é infectada, a cadeia de transmissão passa a ser os seres humanos, e o vírus é transmitido pelo contato com as secreções”, explica o especialista brasileiro José Cerbino, médico infectologista do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI). Desde então, o patógeno sofreu mais de 50 mutações, dando origem a pelo menos uma nova cepa.

Cura
Divulgado hoje na Science, o sequenciamento do vírus ebola abre as portas, segundo os pesquisadores, para novas buscas de cura da doença mortal. As mutações detectadas podem ajudar cientistas a desenvolver testes de diagnóstico mais precisos e até mesmo indicar um alvo para futuros tratamentos. Os resultados do estudo já estão sendo adotados, inclusive, para aperfeiçoar o remédio Zmapp, usado no tratamento de pessoas infectadas no novo surto, como dois americanos e um espanhol que contraíram a doença na Libéria.

Entre as vítimas da atual epidemia, estão mais de 240 profissionais de saúde, infectados durante pesquisas ou depois de longos turnos em hospitais com condições precárias de atendimento — ao menos 120 deles morreram. Dos 50 autores do estudo que examinaram o genoma do vírus, quatro foram infectados e morreram antes de o artigo ser divulgado.

A OMS publicou ontem um plano de contenção da doença que pretende parar a transmissão do vírus em até nove meses e evitar o contágio em novos países. Em parceria com entidades, como o Médicos Sem Fronteiras e outras agências da ONU, a OMS pretende dar prioridade aos centros de tratamento, além de investir na mobilização social e em funerais seguros.

Na Nigéria
Um médico na cidade de Port Harcourt, polo industrial petrolífero da Nigéria, morreu vítima do ebola após ter sido infectado por um paciente. Ele havia realizado os primeiros atendimentos a Patrick Sawyer, o liberiano que trouxe o vírus para o país vizinho. Essa foi a sexta morte causada pelo vírus na Nigéria. A mulher do médico também foi infectada e já demonstra os sintomas da doença. Cerca de 70 pessoas que tiveram contato com o médico estão sob monitoramento em Port Harcourt.

Acelerados testes com vacinas

Uma vacina experimental para combater o ebola está sendo levada para estudos em humanos, em um esforço de acelerar a pesquisa de desenvolvimento da substância e de combater o pior surto já registrado da doença. O trabalho, que conta com o financiamento de um consórcio internacional, está sendo desenvolvido pela farmacêutica GlaxoSmithKline (GSK) em parceria com os Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês) dos EUA. Voluntários saudáveis na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos participarão de testes com a droga a partir do próximo mês.

Posteriormente, a vacina deve ser levada para Gâmbia e Mali, países vizinhos à região em que o vírus atualmente se dissemina. A intenção é produzir um estoque de até 10 mil doses para uso de emergência, caso os resultados com os testes sejam positivos. A fase 1 dos experimentos tem previsão para começar assim que os fabricantes receberem as aprovações éticas e regulatórias necessárias. Os testes devem ser concluídos no fim deste ano.

O Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas do NHI também está trabalhando em um programa mais amplo de testes clínicos, incluindo uma versão da vacina também desenvolvida pela GSK que poderia combater uma segunda cepa do ebola. Uma terceira forma de imunização criada por cientistas canadenses também é alvo de pesquisas nos Estados Unidos e pode ser levada a testes humanos em breve.

No último dia 11, a OMS aprovou o uso em humanos de drogas experimentais como uma forma de conter o surto que assombra a África Ocidental.