Saúde

Ilustradora mineira ganha o mundo com mensagens que explicitam o controle sobre a mulher

'Desconstruir uma situação banalizada de opressão nunca é fácil. Não é de uma hora pra outra, com uma única discussão na internet, que isso muda. Mas muda', diz Carol Rossetti. Trabalho foi traduzido para o inglês, espanhol, russo, alemão e italiano

Letícia Orlandi

A série 'Mulheres' começou em abril deste ano. Já foi traduzida do português para cinco idiomas e ganhou destaque internacional: sentimentos que refletem a identidade feminina em diversas realidades
Você já criticou alguma mulher porque ela está acima do peso considerado ideal? Viu os comentários que fizeram sobre aquela atriz que já passou dos 70 e não se envergonha de ir à praia de biquíni? Já questionou uma amiga mais alta por ela usar salto? Posturas aparentemente inocentes e sem grandes consequências - mas que representam formas sutis de controle sobre o corpo e o comportamento feminino - inspiraram a designer e ilustradora belo-horizontina Carolina Rossetti a criar a série 'Mulheres'.

Clique para ver a galeria com ilustrações da Série Mulheres, de Carol Rossetti


O trabalho mescla tanto os temas referentes aos supostos códigos de vestimenta e beleza quanto as discussões sobre a violência de gênero e estupro. Carol aborda também o assédio na rua, o racismo e o preconceito relativo à identidade sexual, entre outros (veja exemplos na galeria).


Algumas imagens apontam, de forma bem objetiva, como essas regras começam já na infância - a identificação do que é 'de menino' ou 'de menina', por exemplo.

Com a repercussão positiva, algumas peças foram traduzidas para o inglês, espanhol, alemão, russo e italiano, ganhando referências também em sites internacionais.

Carol explicou ao Saúde Plena que passou pela fase clássica de 'criança que gosta de desenhar', mas com uma diferença: manteve esse foco na adolescência e vida adulta. Talentosa, formou-se designer quando já trabalhava como ilustradora.

A decisão de retratar fatos rotineiros vividos pelas mulheres foi natural, vinda do cotidiano - não houve influência de um episódio específico. “Comecei essa série em abril deste ano, mas não imaginava que teria essa repercussão. Eu queria simplesmente praticar e aperfeiçoar minha técnica com lápis de cor. Resolvi fazer isso escrevendo mensagens positivas, mais direcionadas aos meus amigos e parentes que acompanhavam a página”, revela, de maneira despretensiosa.

Carol Rossetti: 'sou muito privilegiada. Consegui me dar conta disso e fazer o que eu posso pra mudar a situação. Outras pessoas também podem'
Saiba mais sobre o trabalho da artista mineira:

-Você considera sua mensagem feminista?
Sim, minhas mensagens têm muito a ver com o feminismo. Mas deve-se ressaltar que o feminismo é um movimento muito plural e diversificado, com várias correntes e formas diferentes de ativismo. Eu me identifico com uma forma bem abrangente do feminismo, que não foque apenas na questão do gênero, mas também discuta o racismo, a representação do ser humano na mídia, as demandas LGBT. E que inclua as mulheres trans e com deficiência.

Escolhi a figura feminina por identificação e representação. Como disse, começou como um projeto extremamente pessoal. Eu quis desenhar mulheres porque eu gosto, e acho confortável. Mas o projeto foi crescendo e hoje acho que é um espaço considerável de representação feminina, e pretendo manter isso.


-Qual a sua expectativa em relação à série?
As mensagens que venho recebendo são incríveis e me fazem sentir que o trabalho já valeu a pena, só de ter conseguido fazer diferença na vida de algumas pessoas. Foi algo que jamais imaginei que fosse acontecer, quando desenhei a primeira. A repercussão tem sido realmente incrível. Muito inesperado, muito bacana e um pouco assustador. Tenho o sonho de lançar um livro e criar uma galeria virtual para divulgar meu trabalho. Espero conseguir logo, logo!

-Você acha que desconstruir o machismo e o preconceito é muito difícil?
Desconstruir uma situação banalizada de opressão nunca é fácil. Isso se aplica não só ao machismo, mas também ao racismo e à homofobia. É algo bem complicado por envolver um conceito muito específico – o privilégio. É preciso muita humildade para reconhecer isso na gente mesmo.

Imagens mostram que o controle sobre os papéis que a mulher pode exercer começam ainda na infância
O feminismo joga na cara de homens o tempo todo que eles são privilegiados num sistema opressivo. A primeira reação é SEMPRE defensiva. Mas eu acredito (e podem me chamar de idealista, otimista ou sonhadora) que, na medida em que a pessoa vai tendo mais contato com as questões feministas, ela tende a repensar seus conceitos.

Não é de uma hora pra outra, com uma única discussão na internet que isso muda. Mas muda. Comigo mudou. Claro que, na minha posição não-privilegiada no machismo, enquanto mulher, isso foi mais fácil. Mas foi difícil reconhecer, imediatamente, meus privilégios em outras questões - sou branca, classe média, cisgênero, sem nenhuma deficiência física e há 7 anos em uma relação monogâmica heterossexual.

Eu sou muito privilegiada, e consegui me dar conta disso e fazer o que eu posso pra mudar a situação. Outras pessoas também podem.

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