Saúde

Cada vez mais consumidores preferem produtos sem agressão aos animais ou ao ambiente

Mesmo com a valorização da origem do alimento, o preço ainda é a variável mais considerada na escolha, revelam pesquisas. Mas cresce em todo o mundo a preocupação com a qualidade e também com o bem-estar dos animais

Carolina Cotta

Criação de suínos é feita com o mesmo rigor dos bovinos e das aves. Sua carne é altamente digestiva e rica em potássio
Com redução de gorduras, cultivado no método orgânico, criado de forma humanizada. Estamos procurando selos em tudo, na esperança de ficar mais tranquilos com o que comemos. Assim damos voz a mitos e cultivamos medos que chegam a gerar estresse quando deveríamos nos despreocupar. Afinal, produzimos para os mercados mundiais mais exigentes. Para Antônio Gilberto Bertechini, ph.D. em nutrição e fisiologia animal e professor titular da Universidade Federal de Lavras (Ufla), o que faz bem é comer com tranquilidade mental: isso já melhora a produção de algumas enzimas no organismo. “Quem come orgânico e acha que está comendo melhor faz bem para sua cabeça, assim como quem come um frango de granja e não tem qualquer problema com isso.”


Leia a primeira matéria da série:  Hormônios no frango, ovos caipira ou de granja, gordura excessiva na carne suína - o que é mito ou verdade?

Mesmo com tanta preocupação em relação à origem dos alimentos, o preço ainda é a variável mais considerada na escolha dos produtos, revelam pesquisas. Mas cresce em todo o mundo a preocupação com a qualidade dos alimentos e também com o bem-estar dos animais – criados com boas condições de alimentação, saúde e alojamento – e com um abate humanitário. A demanda por produtos éticos – que consideram não só a qualidade de criação do animal, mas também do homem envolvido nos seus cuidados – nem sempre acompanha os índices de produção das grandes empresas, que diante da pressão tentam encontrar um equilíbrio entre produção lucrativa, carne de qualidade e cuidado com os bichos.

A ambiência – conjunto de fatores físicos que envolvem todo o espaço de produção, como a água, o ar e o solo onde os animais são criados – é um dos determinantes da alta produtividade e também da qualidade final, ou não, dos produtos, e, claro, dos impactos positivos ou negativos que determinados alimentos podem ter na saúde do homem. Prevê, por exemplo, que galpões de criação de frango tenham ventiladores, aspersores de água e nebulizadores para o controle de temperatura e umidade. Já o bem-estar animal é um conceito mais amplo. Segundo o doutor em ambiência animal Iran José Oliveira da Silva, do Núcleo de Pesquisa em Ambiência da Universidade de São Paulo (USP), envolve a sensação do animal com seu entorno. Aqueles em condições ideais de produção apresentam carnes com menos danos na carcaça, sem marcas de sangue ou qualquer sinal de agressão no manejo. “Mas essas medidas não geram qualquer impacto na qualidade nutricional da carne”, acredita.

SERES SENCIENTES
Segundo o especialista, acredita-se que os animais são seres sencientes, que sentem dor, prazer, alegria e também estresse”, explica. E é nesse sentido que a concentração de animais por metro quadrado chama a atenção. Há dois sistemas de criação: intensivo e extensivo, ou a campo. O primeiro ocorre em instalações e é necessário fazer um controle do ambiente interno de forma natural ou artificial. Nesse modelo são criados os frangos de granja. A densidade mais comum é de 10 a 13 frangos por metro quadrado, mas há produtores que colocam de 17 a 20 aves no mesmo espaço. “Não há uma legislação, apenas uma recomendação”, explica. Já os frangos caipiras – criados à solta e comercializados sem registro, ficando seu consumo a critério do consumidor – e os orgânicos, que seguem critérios próprios para obtenção do selo, têm mais liberdade de movimento”, acrescenta.

Para Iran, a questão do bem-estar animal é um dos aspectos considerados por consumidores que priorizam o consumo de carne de animais que foram criados soltos. “Mas eles se esquecem de que muitos desses frangos de pequenos produtores, de criações de subsistência, nem sempre adotam os manejos mais corretos. Bem-estar não é o mesmo que dar conforto ou liberdade. Já as empresas querem lucratividade e ela nem sempre está ligada a bem-estar”, alerta. Por isso, na hora de escolher a carne, Ivan sugere que se priorizem as marcas com atuação no mercado internacional, por terem um produto de maior confiabilidade, ou as nacionais que têm o selo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Segundo ele, carne fresca, como o frango abatido na hora, tão comum em Minas, por exemplo, não é sinal de carne boa. “Ela pode estar até mais contaminada que uma congelada, que veio de um processo inspecionado.”

Nutracêutica para as carências do corpo

Os avanços na ciência da nutrição são um dos aspectos que estão ajudando o homem a viver mais e melhor. O maior conhecimento sobre a ação dos nutrientes e compostos bioativos no organismo, por exemplo, podem reduzir o risco de doenças. Daí o crescimento do interesse das pessoas por uma alimentação e estilo de vida mais saudáveis nos últimos anos. Somente no Brasil, de acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a esperança de vida ao nascer era de 73,48 anos, um incremento de três anos sobre o indicador de 2000. Em resposta, o mercado de alimentos passou a ofertar mais produtos nutracêuticos – processados para suprir funções relacionadas aos mecanismos de defesa do organismo, controle do ritmo corporal e prevenção e recuperação de doenças.

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O fato é que há muito mais do que leite enriquecido com ferro e ovos com vitamina D e omega-3 nas prateleiras dos supermercados. Exemplo disso são várias pesquisas pelo mundo nessa área, como as que mostram que aumentar a qualidade de selênio no peito de frango pode contribuir para diminuir aincidência de câncer de próstata e de mama no futuro.

CARNES E O COLESTEROL
Considerado um dos alimentos mais completos que existem, o ovo tem visto as restrições impostas ao seu consumo serem reconsideradas. Assim como alguns cortes da carne de suíno, como o lombo. Segundo Antônio Gilberto Bertechini, professor da Ufla, um ovo tem 213 miligramas de colesterol em sua gema e a carne suína, além de altamente digestiva e rica em potássio, contém níveis de colesterol iguais ao do frango. De acordo com o cardiologista e professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais Marcus Vinícius Malachias, é preciso observar a quantidade de gordura saturada de cada carne.

Apenas 25% do colesterol que circula no sangue vem da alimentação, sendo o restante produzido pelo próprio fígado. Para o especialista, no conceito moderno de alimentação não existe mais o bom ou o ruim, existe o mais ou menos adequado para uma dieta equilibrada. “O importante é ter bom senso. Não é um alimento que vai mudar tudo. O equilíbrio dos nutrientes tem mais valor que o alimento isolado”, defende Malachias, diretor clínico do Instituto de Hipertensão de Minas Gerais.

Desde que se priorizem as carnes magras, diminuindo assim o consumo de gorduras saturadas, a orientação é aproveitar a diversidade das carnes. Cada uma terá contribuições diferentes para o organismo. Silvia Franciscato Cozzolino, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e presidente do Conselho Regional de Nutricionistas – 3ª Região, diz que a carne vermelha tem mais ferro; já o peixe, mais ômega 3. “Em uma alimentação saudável não se deve priorizar um tipo ou outro de proteína. A variedade de carnes é que vai promover a variedade de nutrientes no organismo humano.”

ENGORDA DO GADO COM METAS

Em duas décadas, o tempo que um boi leva para chegar ao peso ideal de abate no Brasil caiu de quatro anos para 30 meses, mas espera-se chegar a 24 meses. A eficiência produtiva – tempo que um bovino leva para alcançar a média dos 500 quilos para o abate – é considerada alta, já que nosso gado é criado solto no pasto, enquanto em outros países, como os EUA, a criação é confinada para engorda. O melhoramento genético das raças e as técnicas para nutrição animal são as bases do sucesso da produção de leite e carne. Para isso é preciso um dieta balanceada, que varia de acordo com a raça, a idade, o que há de disponível na ração e se o gado fica ou não confinado. A expectativa brasileira para 2014 é de uma produção de 195 milhões de bovinos. Desses, mais de 150 milhões são gado de corte e menos de 5 milhões são criados em confinamento. O Brasil é o segundo mercado consumidor mundial de carne bovina. Cada brasileiro consome, em média, 39,5 quilos de carne bovina por ano, contra 60 quilos dos argentinos.