Saúde

Ingestão de anticorpos pode turbinar recuperação de derrames

Cientistas da Alemanha propõem que a recuperação seja realizada depois da ingestão de anticorpos que promovem o crescimento dos neurônios. A terapia surtiu efeito em experimento com ratos

Bruna Sensêve

Muita calma na hora de começar o tratamento contra o acidente vascular cerebral (AVC). Diferentemente do difundido, o momento da administração dos medicamentos e do início da fisioterapia não precisa ser logo após o problema. Conhecido popularmente como derrame cerebral, o grave evento vascular no qual o cérebro passa por um “enfarte” deve ter uma abordagem emergencial no momento em que é detectado, mas a reabilitação pode ser mais bem programada. É o que defendem cientistas em um estudo divulgado na edição de hoje da revista Science. Segundo os estudiosos do Instituto de Pesquisa em Cérebro da Universidade de Zurique, na Alemanha, quando feito depois da aplicação de anticorpos que promovem o crescimento neuronal, o treinamento leva à recuperação quase completa da função do membro paralisado.


A equipe de A.S. Wahl avaliou a combinação da reabilitação com um anticorpo contra a Nogo-A, uma das proteínas inibidoras do crescimento de nervos mais potentes no sistema nervoso central. As substâncias foram ministradas em ratos, submetidos ao treinamento duas semanas depois. “Nosso estudo mostra que, em um modelo de rato que teve AVC, o momento de início do treinamento de reabilitação em relação ao da terapia para a promoção do crescimento de fibras nervosas afeta a recuperação da função motora”, diz Wahl.

Wahl comparou os resultados entre os camundongos que tomaram os anticorpos antes de iniciar a terapia e aqueles que ingeriram o medicamento ao mesmo tempo em que fizeram a reabilitação física. A taxa de recuperação motora do primeiro grupo foi de 85%. “Não só esses animais superaram os outros grupos de reabilitação na tarefa de agarrar uma única pastilha de açúcar, mas eles também foram capazes de melhor recuperar suas habilidades.” Outras formas de tratamento também foram testadas nas cobaias.

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Segundo o neurologista do Hospital Sírio-Libanês Eduardo Mutarelli, substâncias como a testada estão sob pesquisa desde o início dos anos 2000 na busca pela reabilitação neuronal. A principal novidade do trabalho alemão seria apontar a diferença de resultados dependendo do momento da reabilitação em que o medicamento é ministrado no paciente. No caso dos ratinhos, foi melhor postergar o treinamento físico privilegiando a administração do anticorpo. Diferentemente do que é feito em humanos, quando a indicação é de que o treinamento físico comece o quanto antes. “O resultado é maravilhoso, mas temos que tomar cuidado com isso. Ele precisa ser reproduzido por outros pesquisadores”, alerta Mutarelli.

Reações estudadas
Mesmo sem o uso de remédios para a reabilitação, algumas interações já são conhecidas. O neurologista explica que, quando o paciente está sob uma medicação que inibe o sistema nervoso, como um anticonvulsivante, o processo de recuperação também é inibido e tende a apresentar melhores resultados entre aqueles que não estão sob o tratamento. “Se usar estimulantes para o sistema nervoso, como remédios usados para o mal de Parkinson, o paciente tem um ganho. Esses estimulantes fazem com que a reabilitação aumente.”

Segundo Mutarelli, um pouco da estimulação das substâncias dopaminésicas aumenta o brotamento neuronal. “Ao ingerir essas substâncias, a pessoa melhora a reabilitação, algo muito parecido com a linha desse anticorpo (testado na Alemanha). Mas vale reforçar que ainda é uma proposta em cobaias.” O especialista lembra que anticorpos também foram usados contra a progressão do Alzheimer para combater a proteína beta-amiloide, ligada ao desenvolvimento da doença. “Os primeiros resultados foram maravilhosos, os ratos melhoram. Ao fazer um piloto com seres humanos, na segunda fase de segurança, os pacientes que receberam o anticorpo desenvolveram uma encefalite e o estudo foi terminado.”

Ele reforça que a biologia do camundongo é muito diferente da do ser humano. Por isso, a complicação de imaginar até que ponto a proposta alemã tem chances de chegar aos consultórios. “É possível que seja suficiente, mas não podemos garantir. Duas etapas precisam ser adequadas: a segurança e a eficácia. Se tudo certo, demanda pelo menos cinco anos para chegar ao mercado”, conclui. O vice-presidente da Academia Brasileira de Neurologia, Rubens José Gagliardi, concorda com o especialista e explica que, pelo menos teoricamente, a proposta é interessante.

Inflamação cerebral
A encefalite caracteriza-se pelo inchaço e pela inflamação do cérebro, geralmente decorrentes de infecções virais. Ela é mais frequente no primeiro ano de vida, e a ocorrência vai reduzindo com a idade. Pessoas muito jovens e idosos são mais suscetíveis a sofrer um caso grave.

Replicação difícil em humanos Quando acontece um acidente vascular cerebral (AVC), uma série de neurônios é destruída e perde a função. Para que algumas sejam recobradas, o próprio organismo “estende” as extremidades dos neurônios, chamadas de dendritos, para que as conexões se mantenham. Os dendritos atuam na recepção de estímulos nervosos do ambiente ou de outros neurônios para a transmissão de estímulos para o corpo da célula. “O que o organismo consegue, às vezes, é aumentar esses cordões, prolongando essas conexões e mantendo uma corrente. É o chamado brotamento dendrítico. Mas existem alguns anticorpos que inibem esse crescimento para que ele não seja feito de modo desordenado”, detalha Rubens José Gagliardi, vice-presidente da Academia Brasileira de Neurologia.

Em uma situação de AVC, é interessante que haja esse brotamento, efeito proposto pela terapia detalhada, na Science, por cientistas do Instituto de Pesquisa em Cérebro da Universidade de Zurique, na Alemanha. O anticorpo inibe os fatores que não deixam esse processo acontecer, gerando mais brotamentos dendríticos, mais conexões e, consequentemente, melhor função cerebral. “Isso é uma beleza, teoricamente é ótimo. Os resultados experimentais em ratos se mostram satisfatórios, mas até chegar ao ser humano é um longo caminho.” Gagliardi explica que houve propostas anteriores de medicamentos que atuam na chamada neuroplasticidade — estimulam a plasticidade, isto é, a capacidade de crescimento dendrítico. “Mas os que já foram desenvolvidos para esse fim não comprovaram eficácia quando chegaram ao ser humano.”

Outro ponto levantado pelo especialista é a dificuldade de transferir a terapia de uma cobaia experimental para um ser humano doente. Os testes foram realizados em ratos sadios em que o derrame foi provocado pela destruição de uma artéria. “O ser humano quando tem um AVC não está sadio. Ele já tem um tecido comprometido, no qual aconteceu o AVC. Então, a resposta evidentemente é diferente. (BS)