Saúde

Jovem paraplégico dará o pontapé inicial da Copa; projeto sofre críticas

Invenção construída sob comando de cientista brasileiro traz esperança de restabelecimento do controle motor e da sensibilidade tátil em pacientes com lesões medulares ou neurológicas

Um exoesqueleto hidráulico controlado pelo pensamento será usado por um jovem paraplégico para, daqui a poucas horas, abrir oficialmente a Copa do Mundo no Brasil, na Arena Corinthians, o Itaquerão, em São Paulo. O nome do rapaz ainda não foi divulgado por razões éticas estipuladas para pesquisas científicas.


Desenvolvido por um grupo de centenas de cientistas e pesquisadores de 25 nacionalidades, o chamado Projeto Andar de Novo é liderado pelo médico e cientista brasileiro Miguel Nicolelis.

O exoesqueleto que o mundo conhece nesta quinta-feira (12) recebeu o nome de BRA-Santos Dumont 1, em homenagem ao brasileiro considerado referência na aviação, a quem Nicolelis reserva o epíteto de “maior cientista brasileiro de todos os tempos”. O objetivo é devolver o movimento às pessoas com paralisia, liberando-as do uso de cadeiras de rodas.

 

Desenvolvido por um grupo de centenas de cientistas e pesquisadores de 25 nacionalidades, o 'Projeto Andar de Novo' é liderado pelo brasileiro Miguel Nicolelis
Em perfis nas redes sociais e na própria página de Nicolelis no Facebook, internautas cadeirantes e não-cadeirantes expressaram opiniões contraditórias sobre o exoesqueleto. As principais críticas dirigem-se ao acesso ao equipamento, devido aos custos individuais de cada 'armadura'; e aos recursos gastos com um projeto que não significaria uma 'cura'. 

 

Alguns cientistas, por sua vez, criticaram Nicolelis por trocar as publicações acadêmicas pelos meios de comunicação de massa - ele publica atualizações de suas pesquisas no Facebook - e questionam a natureza prática da pesquisa. Grupos acusaram o 'Andar de Novo' de abocanhar uma parte injusta do orçamento de pesquisas do governo brasileiro. Mas Nicolelis rechaçou estas críticas. "O financiamento é o mesmo, com ou sem Copa do Mundo. Nós recebemos US$ 14 milhões do governo brasileiro nos dois últimos anos. Isto é, aproximadamente, quatro ou cinco vezes menos do que o governo dos Estados Unidos investe em um braço mecânico", afirmou. "Eu não vejo nada de errado em demonstrar para o mundo todo uma tecnologia que tem um objetivo humanitário e que foi pago pela sociedade civil", acrescentou.

 

Primeiro passo de um longo caminho

A fase de testes foi concluída em maio deste ano, quando a equipe comandada por Nicolelis revelou ter atingido os objetivos científicos, clínicos e tecnológicos estipulados para a fase que antecede a grande apresentação de hoje. O cientista brasileiro, contudo, já anunciou publicamente que o pontapé inicial, diante dos olhos voltados para o centro do Itaquerão, será um grande passo, mas será também apenas o primeiro de um longo caminho para que cheguemos ao tempo em que pessoas com a mobilidade restringida possam se levantar das cadeiras de rodas e andar de novo com a ajuda da veste robótica controlada pela atividade cerebral.

Atuando como neurocientista desde 1984, Miguel Nicolelis começou a pesquisar formas de reestabelecer o controle motor e a sensibilidade tátil em pacientes com lesões medulares ou neurológicas em 2001, quando cientistas de várias partes já vinham tentando desenvolver uma veste robótica semelhante a BRA-Santos Dumont 1. Ao longo de mais de dez anos de pesquisa junto com vários outros especialistas, o grupo de Nicolelis conseguiu criar um mecanismo tecnológico que permite que uma pessoa emita sinais elétricos cerebrais que acionem um artefato robótico. Essa chamada interface cérebro-máquina foi a primeira etapa para o desenvolvimento do exoesqueleto.

Testes desse primeiro protótipo foram concluídos com sucesso no último dia 28 de maio, quando pacientes usando a veste robótica não só conseguiram realizar movimentos classificados como “naturias” e “fluidos”, mas relataram estar se sentindo caminhando com as próprias pernas. A resposta dos pacientes foi um importante avanço, pois significa que a sensação dos membros paralisados havia sido restabelecida, o que permitirá que eles possam caminhar e se locomover da forma mais natural possível com o exoesqueleto.

Para tornar isso possível, foi necessário desenvolver uma espécie de pele artificial, formada por placas flexíveis de circuitos integrados. Aplicada na planta dos pés dos pacientes, cada placa contem sensores de pressão, temperatura e de velocidade que permitem que, ao se colocar de pé e caminhar, o usuário do exoesqueleto receba um estímulo tátil enviado a uma região da parte superior do corpo, como os braços. Além disso, segundo seus inventores, o exoesqueleto praticamente impede quedas.

A avaliação foi feita por oito pacientes da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), em São Paulo (SP). No dia 29 de abril de 2014 um dos pacientes conseguiu dar os primeiros passos com a veste robótica, usando somente o cérebro para os comandos. Até o dia 20 de maio, os pacientes já tinham dado, em média, 120 passos com o exoesqueleto cada um.

O projeto de desenvolvimento dessa espécie de armadura robótica recebeu recursos brasileiros, por meio da empresa pública Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

 

Com informações da AFP e da Agência Brasil