Especialistas ressaltam a importância de cada um exercer a capacidade de ouvir e compreender o outro

Psicanalista e psicóloga chamam a atenção para os exageros e definem perfis

por Lilian Monteiro 03/06/2014 15:01

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Maria Tereza Correia/EM/D.A Press - 23/9/13
A psicanalista e psicóloga Maria Goretti Ferreira diz que o campo da fala está sendo substituído pelo campo da imagem, muito mais frenético e ruidoso (foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press - 23/9/13 )
Quando se fala da capacidade de compreensão subentende-se a habilidade de escutar o outro, o que significa estar atento ao que esse outro fala: o que diz, de que forma diz e de que lugar diz. A psicanalista e psicóloga Maria Goretti Ferreira diz que isso exige sensibilidade, disposição, constante contato consigo próprio e cuidado de quem escuta, já que o significado do mundo – interno e externo – é diferente e peculiar para cada um e é preciso que o escutando se tenha perspicácia e boa vontade em decodificar o que está sendo dito, verbalmente e nas entrelinhas. “Nesse sentido, a capacidade de compreensão vai além do meramente ‘ouvir’. Assim como cada indivíduo é único e traz dentro de si seu traço inigualável, a escuta também deve ser única e diferenciada. Há que se escutar o que se diz, as entrelinhas, o gesto, a ação. Por isso, quem só ouve, não está escutando, mas quem escuta, ouve. Não é mera coincidência que se emprega até os dias de hoje (ou principalmente nos dias de hoje) o velho ditado: ‘entrou por um ouvido e saiu pelo outro’”.

Para Maria Goretti, infelizmente essa disposição para escutar tem se tornado cada vez mais motivo de queixa entre as pessoas, gerando desconforto e mal-estar, principalmente nos grandes centros urbanos, cujo ritmo frenético da vida e o uso desenfreado dos recursos tecnológicos obscurecem o prestígio da boa e saudável conversa. Ela conta que tem até “circulado pela internet a implantação de uma nova regra de etiqueta, em que o convidado, à mesa, pergunta ao outro onde colocar o celular, ao lado da faça ou do garfo?”.

Maria Goretti diz que é preciso ressaltar que vivemos um tempo em que o campo da fala – com a primazia da palavra e da escuta – está sendo substituído e perdendo terreno para o campo da imagem, que, por sua natureza, imprime um ritmo apressado, delirante, com muito ruído e movimento, de fácil consumo, de linguagem superficial e quase nada intimista, levando a um discurso sucateado em que a palavra torna-se oca e desprovida de sentido. “Não é sem razão que um dos grandes sintomas da atualidade, em meio às inúmeras ofertas de objetos disponíveis nas prateleiras do mundo, consiste exatamente na falta de sentido no existir. Na ausência de significação, de compreensão, a vida torna-se obscena, barateada.”

EXCESSO
A psicanalista, com mais de 30 anos de experiência, enfatiza que, de mais a mais, as pessoas não só estão perdendo a capacidade de escutar e tentar compreender, mas que “também existem aquelas premidas por uma grande necessidade de falar, como se o ouvido do outro fosse uma mera caixa de ressonância! Não querem de fato ser escutadas, a não ser que o outro lhes escute passivamente”. Neste “falar” excessivo, descomprometido, a qualquer hora e lugar, “nota-se a exposição da privacidade no espaço público, como se ambos pertencessem a uma mesma categoria. Na contramão, tem circulado por aí algo que diz: ‘....não conte para o Facebook. Deixe no divã....’”.

Conforme Maria Goretti, “esta também é uma das formas de se fazer ruído e movimento nos dias atuais e é desejável que não se confunda com processo de real mudança e transformação, que opera por outras vias, pedindo uma certa quietude, menos agitação e mais contato consigo mesmo”. Para encerrar, a psicanalista e psicóloga mantém acesa a chama da esperança ao citar o poeta romano Virgílio: “Feliz aquele que conseguiu compreender a causa das coisas”.

Nara Lúcia Tavares/Divulgação
Luciana Jorge, psicóloga: "É preciso estar disponível" (foto: Nara Lúcia Tavares/Divulgação )
A verdade de cada um
A psicóloga, terapeuta de família e de casal e membro titular da Associação Mineira de Terapia de Família (Amitef) Luciana Jorge diz que compreender o outro é “a capacidade que cada um tem de desprender de si mesmo para centrar no outro, o que nem sempre é fácil”. Numa sociedade individualista, voltada para o egoísmo e associada aos aspectos da vida contemporânea (acúmulo de funções, estresse, correria, dependência tecnológica), nunca foi tão difícil parar para escutar. “Para ter essa atitude, é preciso estar disponível.”

Luciana Jorge lembra que falar é uma capacidade intrínseca ao ser humano. E a de ouvir começa desde “as primeiras relações e é preciso sensibilidade para saber que todos somos responsáveis pelo próximo e pelas diferenças. As outras capacidades de comunicação, falar, ler e escrever, são habilidades básicas aprendidas. Já a de ouvir requer maior sensibilidade e aprendemos ao longo da vida. Aliás, a vida ensina, basta dar abertura”.

Se não bastasse a incapacidade de ouvir, outra barreira é quem só escuta o que concorda. Entender o diferente, nem pensar. “É uma trama. Estar disposto a ouvir significa se livrar das interferências pessoais, se não você vai julgar e desrespeitar a opinião do outro.” Luciana enfatiza ainda que não é só ouvir, mas como ouvir. “Às vezes, é melhor escutar do que falar. O que exige desenvolver a capacidade de controle emocional, a compreensão de si mesmo. Por isso, ser compreensivo e bom ouvinte estão ligados ao nível de amadurecimento.” A psicóloga reforça que “dar conta de olhar para o outro é papel do adulto, que compreende que existe outro mundo além dele. Crianças e adolescentes são egocêntricos”.

Luciana, que também é professora do departamento de psicologia da Faceb/Unipac Bom Despacho, ensina que para agir com esse desprendimento é necessário “estar com o canal aberto para questões afetivas, comportamentais, emocionais, enfim, acolher o outro sem julgar”. A psicóloga lembra que esse ato faz bem a quem fala e a quem escuta. “Ajuda a mudar como a pessoa se percebe, modifica a autoestima e o desejo, dá esperança, vontade de criar projetos e melhora as relações significativamente, porque muda a forma de perceber, agir e pensar.” Ela enfatiza ainda que a escuta traz “ganho maior na intimidade com o outro, compreensão mútua e fortes vínculos para o crescimento interior. E, claro, muda a forma como você é visto pelo outro. Sabe quando alguém diz ‘você me traz paz’ ou uma situação ‘que a pessoa simplesmente dispara a falar com você?”, mas nesse falar e ouvir, compreender e escutar, Luciana diz que há uma regrinha: “Esperar o tempo de concluir do outro, sem atropelá-lo, interrompê-lo, apressá-lo ou dar respostas. A história do outro tem de ser respeitada. Se ele quiser, vai perguntar e abrir espaço para sua opinião. Caso contrário, ele só precisa desabafar, só mesmo de um ombro amigo”. Ela ensina que esse tempo é importante porque nem sempre quem fala tem facilidade. Pode ter sido um desafio sair de si para conectar com o outro. “Por isso, nada de impor verdades, mesmo porque não existe verdade absoluta, ela é relacional, a verdade de cada um. E saibam que a disputa pela razão se perde no distanciamento emocional do outro.”

Cinco passos
No YouTube, faz sucesso o vídeo da palestra TED Talk (Technology, Entertainment, Design), do estudioso de som Julian Treasure, que fala sobre cinco maneiras para ouvir melhor (Julian Treasure: 5 ways to listen better). Nele, o autor enfatiza que as pessoas estão perdendo a “habilidade de ouvir” e que preferem os 140 caracteres à oratória, o que tem deixado todos mais insensíveis. “Ouvir é o acesso à compreensão. Um mundo em que não ouvimos uns aos outros é assustador.” Ele diz ainda que passamos 60% do tempo ouvindo e só retemos 25%. Claro, além de não estarmos interessados, há vários filtros e ruídos no caminho. “É preciso receber, apreciar, processar e perguntar. Isso é escutar conscientemente para vivermos plenamente.” A palestra de Treasure é inspiradora e suscita a reflexão. O vídeo está em inglês.