Saúde

Nem todo tremor é sinal de Parkinson. E a doença não é sinônimo de fim da vida

Na novela 'Em família', ator Paulo José vive personagem diagnosticada com a mesma enfermidade com a qual convive na vida real há 20 anos. Descubra alguns mitos sobre a doença de Parkinson

Letícia Orlandi

À esquerda, Paulo José no filme 'O Palhaço', com Selton Mello, de 2011. À direita, ele contracena com o elenco de 'Em Família', atual novela das 21h. Seu personagem, Benjamim, também tem a doença de Parkinson. O autor Manoel Carlos pretende esclarecer mitos sobre o distúrbio motor, que pode ser controlado e não afeta a memória nem a capacidade intelectual
Nos últimos 20 anos ou seja, de 1994 para cá, o ator e diretor Paulo José participou de 22 novelas e séries de TV, incluindo Madona de Cedro, Engraçadinha, Por Amor, Senhora do Destino, JK e As Brasileiras. No cinema, foram 23 trabalhos, entre atuação, direção e narração. Nesse meio tempo, ele encontra brechas para criar projetos especiais, a exemplo de dois espetáculos com o grupo mineiro Galpão. Nos últimos 20 anos, Paulo José convive com a doença de Parkinson. Na atual novela das 21h, 'Em Família', de Manoel Carlos, ele interpreta Benjamim, personagem que também vive com o mal e reencontra seu filho após alguns anos de afastamento.


O artista brasileiro é um exemplo que revela um dos principais mitos em relação à enfermidade: por ser uma doença neurodegenerativa e progressiva, muitas pessoas acreditam que não há nada a se fazer, só esperar. O neurologista Henrique Ballalai Ferraz, professor da da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em Distúrbios de Movimento, explica que o transtorno motor, quando bem tratado e acompanhado, pode ter os sintomas revertidos e permitir que o paciente desempenhe suas atividades normalmente, incluindo a capacidade de trabalhar e de morar sozinho.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o mal atinge de 1 a 2% da população acima dos 65 anos. No Brasil, as estatísticas sobem para 3,3% entre pessoas com mais de 70 anos. Além dos tremores, a doença causa lentidão de movimentos, rigidez muscular, desequilíbrio, alterações na fala e na escrita. “Entretanto, nem todo tremor é sinal de Parkinson e nem todo Parkinson se manifesta em forma de tremor. A progressão é muito variável e se apresenta de formas diferentes em cada caso”, explica Ferraz.

A assustadora tremedeira nas mãos, embora seja realmente considerada um dos primeiros sinais da doença, pode indicar, entre outros problemas, o tremor essencial - enfermidade completamente diferente. Esse outro distúrbio do movimento é muito comum entre os idosos, mas tem tratamento e causas diversas do Parkinson. Muitas vezes, nem precisa ser tratado de forma específica.
Nos últimos 20 anos, período em que passou a conviver com o Parkinson, Paulo José realizou dezenas de trabalhos como ator e diretor na televisão, teatro e cinema

Primeiros sinais e mitos
Além do tremor, um dos primeiros sinais de alerta é a lentidão dos movimentos. Essa dificuldade se manifesta até nas ações mais simples, como se levantar de uma cadeira ou abotoar uma camisa, por exemplo. Essa característica ajuda a reforçar um outro mito a respeito da doença - o parkinsoniano é tratado como preguiçoso ou deprimido. “A família costuma recorrer primeiro a um psicólogo, para tentar conseguir que o paciente fique mais estimulado a desempenhar as atividades do dia a dia. Mais tarde, descobre-se que a razão do 'desânimo' era outra”, pondera o professor da Unifesp.

O desconhecimento a respeito da doença pode afetar a agilidade do tratamento. “Quando ouvem que a doença não tem cura e vai progredir, muitos desistem antes mesmo de tentar. Mas o acompanhamento pode devolver a qualidade de vida à pessoa com Parkinson e permitir que ela participe da vida familiar e profissional sem restrições”, reforça Ferraz. É importante deixar claro que a doença não afeta a memória, nem a capacidade intelectual do portador.
O papa João Paulo II, morto em 2005, e o ator canadense Michael J. Fox, hoje com 52 anos, têm em comum o enfrentamento do Parkinson e a vida ativa mesmo após o diagnóstico

Causas e tratamento
Apesar de ser uma das doenças neurológicas mais recorrente – e cada vez mais frequente, em virtude do envelhecimento da população - a causa do Parkinson ainda não é totalmente conhecida. Mais comum a partir dos 60 anos, em casos raros pode aparecer antes – o ator canadense Michael J. Fox recebeu o diagnóstico na faixa dos 30 anos.

Descrito pela primeira vez ainda no século XIX pelo médico James Parkinson, sabe-se que o mal é caracterizado pela degeneração das células dopaminérgicas do cérebro. A dopamina que seria produzida por esses neurônios é encarregada de transmitir informações às áreas cerebrais que comandam os movimentos. Se ela faltar, portanto, pode haver uma falha no mecanismo. Algumas pesquisas indicaram ainda um vínculo com a presença anormal de radicais livres no organismo, que pode ser causada por fatores genéticos e ambientais - desde o estilo de vida até a exposição a pesticidas e à poluição.

O temido tremor nas mãos, embora possa ser considerado um dos primeiros sinais da doença de Parkinson, pode indicar outras enfermidades completamente diferentes
Até mesmo pela longevidade crescente da população, há um investimento crescente em pesquisas que investigam a causa e buscam a cura, inclusive por meio das células tronco. "Por outro lado, em outras linhas de estudo, os medicamentos evoluíram muito e provocam menos efeitos colaterais. Ainda que a cura não exista, hoje já é possível manejar o problema de forma muito mais avançada e melhor para o paciente”, considera o especialista.

A droga levodopa, no mercado desde os anos 1960, ainda é a mais utilizada na terapia do Parkinson, repondo a dopamina perdida. Em alguns casos, para evitar o aparecimento de efeitos colaterais precocemente, o tratamento é iniciado com medicamentos menos potentes, chamados agonistas da dopamina. Existe ainda a possibilidade de cirurgia, no caso de o paciente não responder bem à ação medicamentosa. Ainda assim, as técnicas não são curativas, apenas aliviam os sintomas.

Os trabalhos científicos indicam também que a vontade do paciente e sua determinação para superar as limitações parece interferir diretamente nos resultados. E também na produção da dopamina em si. “A atividade física regular, mesmo que seja uma caminhada, é fundamental tanto na prevenção quanto no tratamento. A fisioterapia e a fonoaudiologia também ajudam no controle dos sintomas. Lidar bem com os desafios e se dedicar a essas atividades são posturas muito importantes e benéficas”, define Henrique Ferraz.

O próprio Paulo José é um exemplo disso. Ele pratica natação, dedica-se à escrita, voltou a tocar piano e faz sessões diárias de fonoaudiologia e fisioterapia. Embora confesse que já se sentiu deprimido em dias mais difíceis, ele diz que sua luta diária é para manter o Parkinson como um coadjuvante, e não protagonista. Para mais informações, acesse: www.parkinson.org.br