Saúde

Discutir a relação não precisa ser sinônimo de "barraco" conjugal; veja dicas para uma conversa construtiva

Encarar os problemas sem rodeios costuma ser benéfico para o casal

Carolina Samorano

Há até respaldo científico em favor da discussão
 Talvez nada cause mais medo — ou preguiça, a depender de quem escuta — do que a frase “precisamos conversar”. Pelo menos para a maioria dos casais, discutir a relação não é exatamente o melhor programa a dois. Mulheres esbravejam, homens reviram os olhos, uma nuvem negra se arma sobre a relação. Que a tal da DR (discussão da relação) é chata não há dúvida. No entanto, pode ser necessária para acertar os ponteiros e, dificilmente, um casal escapará dessa “manutenção”.


Para quem duvida, há até respaldo científico em favor da discussão. Em dezembro passado, pesquisadores da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, publicaram um estudo intrigante, que tinha como ponto de partida a pergunta “É melhor ser feliz ou ter razão?”. O senso comum aponta a primeira opção como a mais conveniente. Mas não foi isso que os cientistas constataram…

Foi escolhido um casal de voluntários disposto a medir o seu nível de qualidade de vida entre 0 e 10 durante algum tempo. Sem conhecimento da mulher, pediram ao homem (inclinado a abdicar da razão em nome da felicidade), que concordasse com qualquer opinião dela, mesmo que discordasse completamente. A hipótese era que a atitude do marido melhoraria a qualidade de vida de ambos. Mas, passados 12 dias, a pesquisa precisou ser interrompida às pressas. A qualidade de vida dele havia caído de 7 para 3. A da companheira havia subido, timidamente, de 8 para 8,5.

Em vez de trazer paz à relação, o comportamento do homem acabou levando a mulher a se tornar ainda mais crítica. Ele então jogou a toalha, contou tudo à mulher e terminou o relacionamento. “Nós pensávamos que os dois ficariam mais felizes ao fim da pesquisa, e ficamos realmente surpresos com os acontecimentos sérios e muito negativos”, disse à Revista Bruce Arroll, professor da universidade e chefe da pesquisa. A conclusão foi: evitar discussões pode ser pior do que as encarar de uma vez. E, sim, às vezes, as pessoas precisam ter razão — mais do que isso, precisam que os outros reconheçam que ela está certa.

Como desarmar uma bomba
A enfermeira Marília Ferro, 28 anos, e o namorado, o engenheiro automotivo Heitor Campos, 24, nem precisaram do resultado da pesquisa do professor Arroll para entender que, sem discutir, a relação não iria a lugar nenhum. Juntos há quatro anos, eles concordam que a convivência é uma arte que precisa de manutenção. “A expressão DR soa pejorativa. Você vê um casal batendo boca em uma festa e já diz: ‘Vixe, estão tendo uma DR’. Mas, para mim, não é a mesma coisa que briga”, pondera Marília.

Ela e Heitor aprenderam que expressar chateações é mais saudável do que alimentar sentimentos como raiva e frustração. “Logo que nos conhecemos, já disse para ele que, quando existisse alguma diferença, não era para sair de casa irritado, batendo porta. É para sentar e esclarecer, doa a quem doer”, continua.

Mas se, para Marília, discutir diferenças sempre fez parte da rotina — algo que ela aprendeu com a mãe, que fazia “mesas redondas” com a família —, Heitor precisou aprender com a namorada que falar é melhor do que guardar. “Nunca tivemos, em casa, o hábito de conversar. Sempre fui mais de guardar e deixar para lá”, conta o engenheiro. “No começo do namoro, eu não entendia nada. Ele ficava dois dias sem ligar, e eu ficava me perguntando o que será que tinha acontecido”, lembra a namorada.

Marília e Heitor não veem a DR como briga, mas como manutenção diária do amor
Faz dois anos que eles dividem o mesmo teto, e os pequenos aborrecimentos estão sob controle. “Para a gente, a DR é, na verdade, um exercício para o casal se entender, chegar a um acordo sobre alguma coisa. Se algo me incomoda, eu prefiro falar na hora, resolver logo aquilo. A gente acha que isso deve ser uma coisa diária”, opina Marília. “Casal que briga demais, pode saber que precisa de umas DRs. Quando eu vejo gente discutindo no meio da rua, já penso: ‘Ih, pode cavar isso aí mais fundo que tem coisa para resolver’”, brinca a jovem.

A lição de Marília e Heitor é a mesma dos consultórios de terapeutas de casais: aprenda a lidar com conflitos em vez de ignorá-los. Varrer as desavenças para debaixo do tapete tende a ser o caminho mais curto para o desastre conjugal. “Quando você perde a comunicação com o parceiro, perde a conexão. Resgatar a comunicação é fundamental para revitalizar o relacionamento”, sublinha a psicóloga e especialista em comportamento humano Luiza Ricotta, autora dos livros O vínculo amoroso e Quem grita perde a razão.

Para a psicóloga, o não confrontamento até prolonga um relacionamento, mas não traz felicidade. “Tem gente que não gosta de DR, mas adora se queixar do companheiro para os amigos. Em casa, não diz nada. Essa pessoa tem interesse em manter o casamento, mas não em manter qualidade”, critica. “Quem faz DR se importa, está envolvido com o outro. Não significa afastamento”, completa.

E, na hora da DR, desabafar é importante, mas não é tudo. De acordo com os especialistas, é bom ter em mente que a discussão visa sempre chegar a uma solução. “Alguns casais vivem discutindo a relação sem jamais chegarem a um consenso”, analisa a psicóloga e terapeuta de casais Iara Camaratta, autora dos livros A escolha do cônjuge e O casal diante do espelho. “Ambos falam, mas nenhum escuta. Discussões dessa natureza são estéreis e não contribuem em nada. Uma DR só é frutífera quando os dois se dispõem a se expressar com clareza e respeito, acolhendo-se mutuamente”, diz. Pode-se ceder se for preciso. “Não é vergonha nenhuma mudar de posição. Quando os parceiros conseguem estabelecer uma linha de diálogo, no geral, os resultados são muito favoráveis”, conclui.

Outro ponto importante para que a discussão seja frutífera, avalia a psicóloga Sandra Salomão, gestalt-terapeuta e professora da PUC-Rio, é que o conflito precisa ser sensato. Por exemplo, discutir que um precisa amar o outro do mesmo jeito provavelmente não dará resultado. “A relação boa de discutir é que o casal vai para lados diferentes ao tomar decisões, como na criação dos filhos. Ou, no caso de namorados, nos ‘contratos’ do relacionamento. Por exemplo, se o acordo é que eles podem sair sozinhos com amigos, mas precisam avisar o outro e isso não acontece, aí é a hora de discutir a quebra do acordo”, explica.

Além disso, ela alerta para os casos em que as discussões acontecem por puro hábito. “A pessoa está tão acostumada a um relacionamento ruim que quer ter DR todo dia. É preciso diferenciar o que é uma discussão para mudar e o que é uma discussão para ficar na mesma”, pontua. Fato é que os casais mais felizes também passarão por DRs. Se há uma fórmula que a ciência ainda não desvendou, é a do relacionamento perfeito. “Plena felicidade conjugal? Não, isso não é possível. Seria como ter vida sem dor física ou sentimental. É a condição humana”, resume Bruce Arroll, da Universidade de Auckland.

"Ambos falam, mas nenhum escuta. Discussões dessa natureza são estéreis e não contribuem em nada. Uma DR só é frutífera quando os dois se dispõem a se expressar com clareza e respeito, acolhendo-se mutuamente" - Iara Camaratta, psicóloga e terapeuta de casais


Um pequeno roteiro
Não que exista algum tipo de fórmula para discutir a relação... Os terapeutas são unânimes em dizer que cada casal tem um tempo e uma dinâmica. Mas, como respirar fundo e aceitar alguns conselhos nunca matou ninguém, aí vai um “quase” passo a passo da boa DR:

  • Dê um tempo, mas não muito
Não queira tratar problemas que vêm se acumulando na hora da raiva. “A melhor forma é ‘baixar a bola’, esfriar os ânimos e pensar um pouco”, diz a psicóloga Luiza Ricotta. Só não deixe que se passe tanto tempo que a conversa perca o sentido e o problema acabe varrido para debaixo do tapete. Estipule de algumas horas a dois dias, no máximo.

  • Transforme queixas em pedidos
De acordo com os especialistas, ficar só na reclamação é muito desgastante e pouco produtivo. Seja objetivo e diga claramente o que espera do outro e o que gostaria que mudasse no comportamento dele.

  • Segure as punições
Não deixe que a raiva estrague a rotina e a qualidade do dia a dia de vocês. Por exemplo, se dividem o mesmo teto e jantam juntos todos os dias, não deixe de sentar-se à mesa como forma de punir o companheiro. “Quando se tem uma dificuldade é que é a hora de cuidar do relacionamento. Ficar punindo e machucando o outro só traz mais problemas”, aconselha Ricotta.

  • Não exija, faça acordos
Na hora da insatisfação, pode ser fácil querer exigir alguma coisa do parceiro. Difícil é lembrar que, em um relacionamento, ninguém é maior ou superior do que ninguém. “Não existe o forte e o fraco, o que manda mais e o que manda menos. O acordo é a aceitação do ponto de vista de um e do outro e, a partir de então, se transforma essa aceitação em algo possível, viável para as duas partes”, frisa Ricotta.

  • Começou? Vá até o fim
Antes de mandar o tradicional “precisamos conversar”, é bom ter na cabeça exatamente o que você espera daquela conversa, para que ela não seja apenas uma sessão inútil de desabafo e queixas que não dão em lugar nenhum. Ok, começou? Então não pare até que os dois estejam satisfeitos e tenham a sensação de que o problema está resolvido. “A questão é discutir até que se chegue a um acordo, que os dois fiquem satisfeitos, ou, então, só se está empurrando com a barriga o problema”, diz Sandra Salomão, psicóloga e professora da PUC-Rio.

  • Arranque logo o band-aid
Segundo Sandra Salomão, se é para ter uma DR, vá direto ao assunto. Pule o aquecimento, os rodeios e encurte a tensão. “Quando for discutir, o melhor é começar logo pela parte difícil, ou seja, o problema. Ficar fazendo rodeio não vai ajudar em nada”, diz.

  • Siga adiante
Tome coragem, chame o companheiro para uma conversa, diga o que o incomoda, cheguem a um acordo. Mas, quando a briga ou a conversa terminar, supere. “Uma vez que a briga está encerrada, os casais precisam se desapegar do ressentimento e continuar o relacionamento. Apegar-se ao problema pode ser muito destrutivo”, diz o cientista Bruce Arroll.