Saúde

Publicação organizada por 18 países, incluindo o Brasil, mostra falhas de equidade na saúde

A organização do poder político não tem conseguido proteger a saúde pública, alertaram os autores do relatório, que será lançado hoje em Oslo, na Noruega

Bruna Sensêve Paloma Oliveto

Foram dois anos na lista de espera para a realização de uma cirurgia. Na véspera, a diarista Eliete Neres da Silva, 36 anos, resolveu ligar para Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib) para confirmar. O filho, Maikon, então com 3, já havia passado por todos os testes pré-operatórios. O procedimento de retirada das amígdalas e de uma adenoide seria o fim de um quadro grave, que impedia o garoto de se alimentar normalmente e provocava crises noturnas de falta de ar. “Me disseram que não iam mais fazer a cirurgia por falta de anestesista. Se eu esperasse, podia demorar o mesmo tanto. O caso dele era gravíssimo”, relata Eliete. A diarista, que ganha R$ 1,2 mil mensais, decidiu pagar uma clínica particular em Goiânia. Foram R$ 2 mil, sem contar os gastos da viagem. “Para rico, é outra coisa. Quem tem dinheiro já marca e vai direto aos melhores hospitais”, acredita.


De acordo com uma publicação da revista Lancet organizada por 18 países, incluindo o Brasil, o mundo está, de fato, falhando em garantir equidade na saúde. A organização do poder político não tem conseguido proteger a saúde pública, alertaram os autores do relatório, que será lançado nesta terça-feira em Oslo, na Noruega. Para Ole Petter Ottersen, professor da Universidade de Oslo e presidente da comissão de especialistas que assinam o documento, o enriquecimento dos países em desenvolvimento não pode ser desacompanhado de melhorias nessa área.

Maikon esperou dois anos para uma cirurgia e mãe acabou tendo que buscar procedimento em hospital particular
“Inequidades na saúde são moralmente inaceitáveis e são exacerbadas pelo sistema de governância global atual, que coloca a geração de riqueza acima da saúde humana. A equidade na saúde é uma precondição, uma consequência e um indicador de uma sociedade sustentável, e deveria ser adotado como valor universal, como sucesso de uma nação, junto de crescimento econômico. Isso deveria ser um objetivo social e político partilhado por todos”, disse, em um comunicado de imprensa. Ottersen lembrou que, enquanto, nas duas últimas décadas, houve grandes avanços no diagnóstico e no tratamento de doenças, apenas um pequeno percentual da população mundial foi beneficiada. “Essas inequidades de saúde dentro e entre países são inaceitáveis”, alega Ottersen.

Áreas críticas
A comissão de especialistas identificou sete áreas onde injustiças econômicas e políticas afetam, em particular, a saúde da população: a crise financeira global e as consequentes políticas de austeridade, a propriedade intelectual, os tratados financeiros, a segurança alimentar, as corporações transnacionais, a migração e a violência armada. Um exemplo é a produção de alimentos, suficiente para atender 120% as necessidades dietéticas do planeta — há mais comida que gente para consumi-la. Contudo, nem todos têm acesso ao que é produzido. Alguns passam fome, enquanto outros comem demais.

“Essa inequidade não afeta apenas os milhões que experimentam subnutrição e escassez de alimentos. Há número cada vez maior de pessoas de países de todos os níveis de desenvolvimento que morrem prematuramente por má nutrição e obesidade”, lembra o documento.

Paulo Buss, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e coautor do relatório, lembrou que a América Latina é a região mais desigual do mundo. Em nota, ele afirmou que, apesar das questões internas influenciarem, as políticas globais injustas também afetam a saúde da população. Como exemplo, ele citou o preço de medicamentos, que, por motivos de comércio global, chegam mais caros aos latino-americanos. Para ele, a situação pode mudar, dependendo de “decisões corajosas e responsáveis de líderes globais das instiuições-chaves — incluindo agências do Sistema ONU a respeito de políticas e processos coerentes”. (BS e PO)