Saúde

Quinze comprimidos por dia: conheça a história da dona de casa que aderiu à medicina ortomolecular

Saúde se vende em cápsulas? A verdade é que a ciência ainda diverge sobre o assunto. Dosagens, efeitos e interações são objeto de inúmeras pesquisas em andamento. Conheça as mais promissoras - e também as que criticam veementemente o consumo indiscriminado de complexos vitamínicos

Carolina Samorano

Era 1997, a dona de casa Francisca das Graças Monteiro, hoje com 63 anos, já não se aguentava mais de tanto tentar tratar suas manchas na pele, que a acompanhavam há anos, por métodos convencionais. As visitas aos médicos, especialmente dermatologistas, eram frequentes. Exames e tratamentos também. Todos em vão. “Eles faziam raspagem, tiravam um pozinho para mandar para análise e não dava nada. Receitavam pomadas e nada. Eu já estava irritada com aquilo. Até que resolvi buscar a medicina ortomolecular”, conta.


A medicina ortomolecular é tida como alternativa e se baseia no princípio de que doenças e problemas de saúde derivam de desequilíbrios químicos no organismo. Os tratamentos, portanto, consistem basicamente em repor vitaminas, minerais e aminoácidos para que o equilíbrio seja restaurado. Segundo especialistas, os suplementos podem tanto ajudar a prevenir problemas graves no futuro como serem combinados ao tratamento alopático — o convencional.

Alguns médicos tradicionais questionam o método sob o argumento de que não existe comprovação científica sobre sua eficácia ou seus riscos. Dona Francisca não questionou. Especialmente, quando os resultados começaram a aparecer. Depois de apresentada ao mundo dos potinhos vitamínicos, nunca mais precisou se preocupar com as manchas na pele, ou com gripes, resfriados, dores de cabeça e até com certos sintomas da menopausa.

Francisca das Graças Monteiro aderiu à medicina ortomolecular depois de se desiludir com tratamentos convencionais
  Hoje, 15 comprimidos, alternados entre vitaminas e fitoterápicos, compõem a rotina diária de “manutenção” de Francisca, como ela mesma diz. “Começo de manhã e vou tomando durante o dia. Dois pela manhã, dois pelo almoço, e por aí vai”, conta. Manter a bandeja onde armazena as dezenas de embalagens farmacêuticas em dia não sai barato. Um pote com 100 comprimidos de vitamina C, por exemplo, chega a mais de R$ 100. Um multivitamínico importado — que dá aos três filhos de vez em quando — a cerca de R$ 80. Toda vez que ela passa na farmácia para repor o estoque, deixa uns R$ 500. Ainda assim, a julgar pelos exames periódicos de acompanhamento da saúde, o investimento nos suplementos tem valido a pena. “Sempre recebo parabéns dos médicos”, diz, orgulhosa. “Eles veem que eu estou bem pelos exames, então nunca dizem nada. Alguns até perguntam o que eu tomo”, ri dona Francisca.

“Eu achei muito interessante e comecei a ler sobre o assunto — vitaminas, minerais, nutrientes, esse tipo de coisa”, conta. A pilha de livros que explicam minuciosamente o poder de cada vitamina, dosagens, benefícios, riscos, interações medicamentosas é considerável. “Agradeço todos os dias a Deus por ter me dado essa luz de buscar conhecimento nos livros”, exalta a dona de casa. “Mas não receito vitamina para ninguém. É preciso saber a dose certa. Tomo porque estudo muito”, avisa.

Sob o olhar da ciência
Sempre se estudou o papel e a importância das vitaminas na manutenção da vida. No século 18, por exemplo, já se sabia que dietas à base de laranja e limão, ambos ricos em vitamina C, podiam recuperar pacientes de escorbuto. Tanto que, em 1753, o sumo das frutas passou a ser incorporado à dieta dos marinheiros britânicos a fim de se evitar a doença. Agora, esmiuçar suas qualidades e riscos parece ser a nova fronteira da medicina. Veja abaixo alguns estudos que levantaram polêmica sobre o assunto:

  • Pesquisadores norte-americanos acompanharam durante 11 anos médicos do sexo masculino com mais de 65 anos que tomavam diariamente um comprimido multivitamínico. O estudo mostrou que as vitaminas não tiveram nenhum efeito sobre o declínio cognitivo da idade. No entanto, resultados do mesmo estudo publicados um ano antes sugeriam uma queda de 8% no risco em câncer e, possivelmente, menores chances de desenvolver catarata. O estudo foi publicado em dezembro de 2013.
  • Em 1999, pesquisadores americanos e italianos sugeriram que suplementos alimentares de betacaroteno — uma substância que, após a ingestão, transforma-se em vitamina A — poderia aumentar o risco de câncer de pulmão em fumantes. Eles descobriram que o betacaroteno ativa uma enzima que acelera reações químicas, o que poderia explicar o surgimento da doença.
  • Em dezembro passado, pesquisadores do National Center for Complementary and Alternative Medicine (TACT) concluíram que altas doses de multivitamínicos não preveniram o aparecimento de doenças cardíacas em sobreviventes de infarto. O estudo foi publicado no Annals of Internal Medicine.
  • Cientistas franceses do Instituto Internacional de Pesquisa de Prevenção em Lyon sugeriram que a vitamina D não é eficaz em prevenir doenças como câncer, diabetes e Parkinson, mas níveis baixos dela no sangue podem ser indicativo de deterioração da saúde. Eles chegaram ao resultado revisando dados de 290 estudos observacionais prospectivos com a vitamina e outros 172 ensaios clínicos. O estudo foi publicado em dezembro do ano passado.
  • Em maio de 2013, um estudo da Universidade de Yeshiva, em Nova York, revelou que a vitamina C pode curar a tuberculose multirresistente, uma forma grave da doença.
  • Pesquisadores do Instituto Karolinska, na Suécia, sugeriram em um estudo que homens que tomavam suplementos de 1g de vitamina C regularmente tinham duas vezes mais chance de ter pedra no rins do que os que tomavam comprimidos multivitamínicos, que possuem doses menores da vitamina. Eles observaram 23.355 homens ao longo de 11 anos. O estudo é de fevereiro do ano passado.

Mal não faz?
“Se não fizer bem, mal não faz.” É esse o pensamento que passa por grande parte dos consumidores de vitaminas diante dos potes recheados de comprimidos nas prateleiras das farmácias. A fama de que as vitaminas são inofensivas ao organismo é compreensível: como um nutriente essencial às reações químicas nas células e que, grande parte das vezes, é produzido pelo próprio corpo, pode ser danoso à saúde? Pois os médicos dizem: sim, eles podem. Principalmente porque a dose necessária a cada indivíduo é única.

“Esse negócio de dose padronizada não existe”, salienta o nutrólogo Edison Saraiva. “Por exemplo, quem tem esclerose múltipla tem polimorfismo de determinadas enzimas no organismo, as proteínas transportadoras. Pessoas saudáveis fazem esse transporte — hidroxialquilação — de uma vitamina de maneira simples, com cinco ou 10 mil unidades diárias. Portadores de esclerose podem precisar de muito mais”, exemplifica.

Por isso, ele avisa, é que a solução para a alimentação insuficiente — ainda hoje os alimentos seguem sendo a melhor fonte da maioria das vitaminas, exceto a D — não está em um pote de multivitamínico. “Além disso, a vitamina C, por exemplo, deixa um radical livre por um tempo no organismo, por isso deve ser tomada concomitantemente com outras vitaminas, como a E, que não permite que se formem esses radicais”, explica.

E se por um lado elas podem ser a solução para alguns problemas de saúde, por outro, representam riscos sérios: a vitamina C, por exemplo, pode estar associada a cálculos renais em homens que tomam doses altas diárias do suplemento. Já um estudo de 1999 feito por cientistas americanos e italianos sugeriu que suplementos alimentares de betacaroteno — uma substância que depois de ingerida transforma-se em vitamina A no organismo — poderia aumentar o risco de câncer de pulmão em fumantes. “Doses em excesso podem ser nocivas à saúde”, pontua o nutrólogo Dan Waitzberg, professor do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretor do Grupo de Apoio de Nutrição Humana do Hospital das Clínicas. “Elas podem levar a alterações tóxicas no fígado, como a vitamina A, ou alterações renais, como a C. Toda a ingestão de suplementos vitamínicos deve ser recomendada por um médico ou por um nutricionista”, conclui.