Saúde

Vitamina D pode amenizar sintomas de doenças como Parkinson e esclerose múltipla

Pesquisas recentes têm reforçado os benefícios neurológicos do composto conhecido por proteger os ossos

Bruna Sensêve

Um dos alertas feitos pelo neurologista Cícero Coimbra é que a única fonte fisiológica real de vitamina D é a exposição solar
Pacientes em Oregon (EUA) com mal de Parkinson e níveis altos de vitamina D têm melhor cognição e humor. Em Boston, pesquisadores da Escola de Saúde Pública de Harvard (EUA) concluíram que indivíduos diagnosticados com esclerose múltipla e taxas superiores da mesma substância apresentam uma progressão mais lenta da doença. Na Áustria, voluntários com fibromialgia e que tinham deficiência do composto receberam suplementação e notaram uma diminuição acentuada dos sintomas. Todos esses avanços foram divulgados em importante revistas científicas internacionais nos últimos 10 dias. No Brasil, o neurologista Cícero Coimbra usa há mais de 10 anos uma superdosagem da vitamina D para tratar pacientes com esclerose múltipla e também relata benefícios. Impressionantes resultados vindos de diversos laboratórios indicam que a substância lembrada por reforçar a saúde dos ossos também pode ser uma grande aliada de uma mente sã.


Nos estudos de Oregon e Harvard, os cientista analisaram os níveis de vitamina D no sangue dos voluntários e a função neuropsiquiátrica de cada um, sondagem que pode medir a progressão da doença e a gravidade dos sintomas. No caso dos 286 pacientes com Parkinson, o estudo liderado por Amy Peterson mostrou que aqueles com os maiores níveis de vitamina D também tinham menor severidade de sintomas e depressão, além de uma melhor cognição. Os dados foram ainda mais expressivos entre indivíduos sem sinais de demência, uma consequência comum da doença.

“O fato de a relação entre a concentração de vitamina D e o desempenho cognitivo parecer mais robusta no subconjunto não demente sugere que uma intervenção mais rápida, antes da demência se instalar, pode ser mais eficaz”, acredita Peterson. A opinião é compartilhada por Alberto Ascherio, que conduziu a pesquisa de Harvard. Ele e sua equipe analisaram amostras de sangue e resultados de ressonância magnética de 465 pacientes com esclerose múltipla durante cinco anos. Concluíram que pequenos aumentos na concentração de vitamina D dentro dos primeiros 12 meses estão associados a um risco 57% menor de recaída e de novas lesões cerebrais. Também foi percebida uma progressão anual mais lenta — o aumento do volume da lesão foi 25% menor.

O trabalho austríaco destaca-se por um diferencial: comprova a efetividade da suplementação do composto em indivíduos que apresentavam baixa taxa dele. Diferentemente, nas pesquisas anteriores, não foi possível estabelecer uma relação de causalidade. Ou seja, não se pode dizer se a deficiência leva à progressão da doença ou se o paciente tem menos exposição solar — responsável por estimular a produção de vitamina D — e, por isso, apresenta a deficiência. O time de cientistas liderado por Florian Wepner, do Departamento de Gestão da Dor Ortopédica da universidade austríaca, tratou 30 mulheres com fibromialgia e baixos níveis da substância.

Elas receberam a suplementação por 20 semanas. Seis meses após o procedimento ter sido interrompido, percebeu-se uma redução acentuada no nível de dor, principal sintoma da desordem. “Acreditamos que os dados apresentados no presente estudo são promissores. A fibromialgia é um complexo de sintomas muito extensos que não podem ser explicados apenas pela deficiência de vitamina D. No entanto, a suplementação pode ser considerada como um tratamento relativamente seguro e econômico. Trata-se de uma alternativa extremamente rentável ou um complemento à terapia farmacológica cara, assim como terapias físicas, comportamentais e multimodais”, garante Wepner.

Hormônio
Para o neurologista Cícero Coimbra, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a eficácia da suplementação não é novidade. Segundo ele, o conhecimento sobre o composto sofreu uma revolução na última década e meia. Há cerca de 20 anos, imaginava-se que ele tinha como única função favorecer a absorção de cálcio no intestino.

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A revolução a qual Coimbra se refere foi feita por novas pesquisas mostrando que não só as células intestinais, mas todas as células do corpo têm receptores de vitamina D e, portanto, respondem à ação do composto. “Na realidade, a vitamina D é um hormônio essencial de tal forma para o organismo que não se conhece um só hormônio que tenha receptores em todas as células”, reforça.

O médico trata pacientes com esclerose múltipla com superdoses de vitamina D. O uso do composto justifica-se principalmente porque o sistema imunológico é uma das áreas mais dependentes da substância. A doença é autoimune, quando as células de defesa se voltam contra o próprio organismo levando a um processo de degeneração celular. A reação imunológica presente nas doenças autoimunitárias leva o nome de TH17.

“A vitamina D seletivamente impede o desenvolvimento dessa reação imunológica TH17. Isso quer dizer que, na presença dela, o sistema imunológico não agride o próprio organismo”, explica Coimbra. O processo é seletivo e acontece sem que haja prejuízo das demais atividades das células no combate a infecções ou a invasões de qualquer micro-organismo estranho.

Crescimento neural
A extrema importância da vitamina D para as células imunológicas fica registrada na propriedade quase exclusiva que elas têm de captá-la inativa e ativá-la. Há vários locais do organismo que dependem das células renais para essa conversão. Outro grupo que conta com essa vantagem de ativação é o tecido nervoso. Níveis adequados de vitamina ativada vão estimular células auxiliares dos neurônios chamadas astrócitos. Essas, por sua vez, a partir do estímulo, produzirão proteínas que agem como fator de crescimento neural.

“A ocorrência de todas as doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Par-kinson, é favorecida por níveis baixos de vitamina D”, garante Coimbra. Ele acrescenta que uma grande ambição atual da neurociência é fazer com que esses fatores de crescimento sejam administrados com remédios.Mas as terapias existentes não são capazes de atravessar a barreira hematoencefálica, que fica entre a circulação sanguínea e a massa cinzenta. “A vitamina D passa essa barreira facilmente e chega ao tecido nervoso. Então, esse grande impedimento no uso de medicamentos para essas doenças neurodegenerativas fica resolvido com o uso dela a doses adequadas.”

Exposição obrigatória ao sol
Um dos alertas feitos pelo neurologista Cícero Coimbra é que a única fonte fisiológica real de vitamina D é a exposição solar. Segundo ele, indivíduos que não se expõem ao sol ou fazem isso fora do horário da radiação adequada para a produção do composto provavelmente estão deficientes da substância. Estima-se que 80% da população urbana esteja nessa situação. Os níveis estariam diminuindo pela ocorrência do uso de protetor solar e pelo aumento do número de horas que as pessoas permanecem em ambientes fechados.

A dermatologista e membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia Gladys Martins conta que o assunto é controverso entre a comunidade médica, mas em uma coisa eles concordam: a exposição solar indicada, por mais surpreendente que pareça, é no horário disseminado como o pior para a saúde, entre 10h e 16h. Nesse período, a radiação solar atinge a energia dos raios UVB capaz de estimular a metabolização de vitamina D pelo organismo. Nos outros horários, os raios UVA são mais fortes.

“Essa exposição para a produção é bem curta. Um estudo realizado em São Paulo durante três anos mostrou que basta a exposição apenas das mãos e da face por 10 minutos diários, mesmo nos dias nublados”, diz Martins. O efeito também pode ser obtido com a exposição considerada não intencional, ou seja, quando pessoa se movimenta ao ar livre. Martins lembra que idosos têm uma queda natural da produção do composto e que o período de exposição deve ser um pouco mais extenso, algo como 15 minutos três vezes na semana. (BS)