Saúde

Técnica milenar, a pulsologia ajuda a diagnosticar males da alma e do corpo

Para os médicos ocidentais, a pulsação é indício apenas de como anda o batimento cardíaco. Para os profissionais das tradições chinesas, ali se refletem as energias de órgãos e de vísceras

Flávia Duarte

Para a objetividade e a descrença ocidental, que aposta em dados de computadores e reações de químicas poderosas para comprovar a existência de doenças, receber um diagnóstico após o simples dedilhar sobre os pulsos do outro pode parecer, no mínimo, de eficiência questionável. Assim funciona a pulsologia, uma técnica de diagnóstico usada pela medicina chinesa de que se tem notícia há mais de 7 mil anos.


Originalmente, o médico nem sequer conversava com o paciente. Bastava-lhe tocar com os dedos nos dois pulsos para identificar problemas do corpo e da alma. Trazida para a realidade do Ocidente, o profissional se tornou mais interativo. Ele quer saber quais são as queixas da pessoa e, por meio das manifestações energéticas do pulso dela, consegue encontrar a causa — ou pelo menos boas pistas do problema.

Na tradição chinesa, a pulsação reflete as energias de órgãos e de vísceras
A lógica é aparentemente simples. O segredo de tudo está na energia que nos mantém vivos e ativos. “Cada órgão, com suas funções, é regado de energia por um meridiano específico. A pulsologia avalia a qualidade e a quantidade de energia dentro desses meridianos e a interação entre eles”, explica o especialista em medicina tradicional chinesa Leonardo Lombardi.

Para os médicos ocidentais, a pulsação é indício apenas de como anda o batimento cardíaco. Para os profissionais das tradições chinesas, ali se refletem as energias de órgãos e de vísceras. Pelo toque no pulso do paciente, o profissional sente a força, a regularidade do batimento cardíaco, a textura e a pressão sanguínea. Cada ponto tocado corresponde a um local específico do corpo. De acordo com a energia emanada — o excesso ou a falta dela —, é possível apontar o desequilíbrio e propor um tratamento. “Cada síndrome energética pode desencadear sintomas diferentes e cada sintoma pode ser causado por um desequilíbrio distinto”, explica Leonardo.

Vistas dessa maneira, todas as doenças seriam resultado de alguma descompensação energética que desencadeia sintomas. Ou ainda, de alterações físicas e de experiências emocionais que também podem desequilibrar essa energia sentida no pulso. “Na medicina tradicional chinesa, você não consegue separar o universo emocional do físico. Esses mundos interagem o tempo todo”, esclarece o médico acupunturista Alex Botsaris.


"Cada órgão, com suas funções, é regado de energia por um meridiano específico. A pulsologia avalia a qualidade e a quantidade de energia dentro desses meridianos e a interação entre eles" - Leonardo Lombardi, especialista em medicina tradicional chinesa


Ele ainda acrescenta que o corpo dá sinais energéticos de que algo não vai bem antes mesmo de a doença se instalar. Para saber disso, basta tocar no local do pulso correspondente a um órgão ou víscera e, literalmente, sentir se ele está funcionando de forma saudável ou emitindo algum alerta. No braço direito, por exemplo, você pode sentir (seguindo da área mais próxima da mão para adiante) a energia emanada do pulmão, seguida pela do baço e mais a do pericárdio. No outro braço, o profissional consegue avaliar o funcionamento do coração, do fígado e do rim. “É um diagnóstico energético e exige uma vivência por parte do profissional, já que é muito subjetivo”, comenta Alex.

Se há energia sobrecarregando determinado órgão, ou ele está desgastado, o profissional indica sessões de acupuntura e uso de florais, por exemplo — depende do método de tratamento de cada especialista. “Cada órgão é regido pela energia vital ambígua do yin e do yang. A pulsologia funciona como diagnóstico desse desequilíbrio”, diz Leonardo Lombardi.

Mais do que sintomas físicos, a energia circulante no corpo também afeta e é afetada pelas emoções. Para o naturólogo e professor de medicina chinesa Bartolomeu Martins Veloso, a pulsologia é uma ferramenta poderosa para analisar dores e experiências marcantes na vida de uma pessoa, que podem desencadear sintomas físicos. “Existe uma energia pulsante na gente. Pelos pulsos, vemos as batidas dos órgãos e associamos esse batimento à vivência da pessoa”, explica.

Na prática, um sentimento geraria alterações químicas no corpo que podem provocar o que a ciência chama de doença. A pulsologia é um pedido de socorro do corpo que não conseguiu lidar com uma energia geral no plano psicológico. “Nos pulsos, percebemos essa carga energética e, assim, pode-se chegar a diagnósticos mais precisos do ponto de vista emocional, como medos, mágoas, rigidez perante a vida, vaidades exacerbadas e passividades excessivas”, acrescenta Bartolomeu.

Na ponta dos dedos, ele guarda o conhecimento da técnica oriental e também uma sensibilidade acima da média. Bartolomeu diz conseguir sentir pelo pulso do paciente experiências dolorosas, cargas emocionais passadas e características de personalidade que podem provocar respostas físicas e incômodos na alma.

Afinal, nessa filosofia, corpo e mente são completamente interligados. O que se passa em um se reflete no outro. E tudo é dual. Pode ser bom ou ruim. O fígado seria o acumulador da ira, da raiva e, ao mesmo tempo, a fonte da energia interior. O baço é responsável pelos fluxos mentais, pela capacidade de gerir questões, mas em desordem pode levar a quadros obsessivos. O pulmão guarda a tristeza, que, em acúmulo, pode levar a sintomas como os de asma.

Na lista de exemplos, ainda tem o coração, que, de maneira óbvia, manifesta a afetividade, o amor próprio e a relação com o próximo. Projetos frustrados podem se transformar em pedras nos rins, órgão onde há grande fluxo de água. Na tradução da pulsologia, o que era para ser fluido se cristalizou. “O corpo materializa o que está só no emocional. Isso é reação metafísica. Não há nada de sensacional”, simplifica Bartolomeu, que se diz capaz de “ler os sentimentos” de quem lhe estende os braços.