Especialistas reforçam a importância do diálogo no enfrentamento de problemas da vida a dois

Além de preservar a individualidade, o hábito evita que as adversidades do casal culminem em uma situação insolúvel

por Flávia Ayer 15/01/2014 15:00

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Conflitos em um relacionamento a dois são, de certa forma, uma das únicas certezas que permeiam a vida em casal, independentemente da idade. Mesmo nos pares mais harmônicos, em algum momento, as diferenças acabam se evidenciando sobre as afinidades. Se não dá para evitar momentos de dificuldade com o parceiro, certamente é possível amenizar as crises por meio do diálogo. Não faltam razões para os desconfortos e argumentos capazes de aliviá-los.

“Existem vários motivos que podem gerar conflitos entre os casais. Eu me atreveria a dizer que tudo se resume à falta de afinidade de projetos e desejos em determinado momento”, arrisca o psicólogo Eduardo Lacerda. Trabalho, estudo, gravidez e a morte de um familiar podem provocar os problemas. “O mundo muda, e as relações a dois também. Ter maturidade e coragem para enfrentar o inesperado é fundamental para que os conflitos não sejam destrutivos”, acrescenta.

 Antonio Cunha/Esp. CB/D.A Press
"Eu não posso esconder todos os meus desejos dela nem atender todas as necessidades dela. Ela também não. Para ter um matrimônio feliz, é preciso reconhecer e aceitar isso" Kevin Redmond, casado com Antônia há 32 anos (foto: Antonio Cunha/Esp. CB/D.A Press)
A regra vale desde cedo, ainda quando a relação está começando. Como a de Camilla Behrens e Ramon Coutinho. Juntos há um ano e meio, os namorados, ambos com 24 anos, contam que tentam entender a individualidade de cada um, e não apenas respeitá-la. “Tem que compreender que ninguém é igual. Mesmo que procure a pessoa mais perfeita do mundo, não vai encontrar alguém que seja idêntico a você”, diz Camilla.

Participar de atividades de que o outro gosta faz parte das estratégias do casal para que o diálogo e o relacionamento fluam. “Sempre conciliamos, mas cada um mantém a própria identidade. Quando eu estou no carro dele, escuto o rock de que ele gosta. Quando estamos no meu carro, ele escuta os meus pagodes. Nunca precisamos mudar para agradar um ao outro”, exemplifica Camilla.

A individualidade e o respeito pelo outro são características apontadas pelos especialistas como determinantes para o sucesso de um relacionamento. “Tem que ter o eu e o nós. Não pode ser o nós antes do eu nem o eu antes do nós”, afirma Tamara Santos. A psicóloga diz que, para dar certo, os dois têm que estar na mesma medida. “Você tem que se amar como ama o casal”, explica. Segundo ela, mesmo às vezes trabalhosas, existem formas de construir um relacionamento saudável apesar das diferenças.

Para resolver as desavenças, Camilla e Ramon evitam discutir quando um deles está de cabeça quente. “Espero para resolver no dia seguinte”, conta a jovem. Antes da briga e até mesmo para evitá-las, Lacerda sugere que as pessoas fujam de vez em quando da mesmice. De acordo com o psicólogo, está aí uma das melhores formas de estimular a conversa. “Quando mudamos a rotina, o diálogo também sofre interferências que podem ser benéficas na vida amorosa”, explica.

Em qualquer idade
Casados há 32 anos, Antônia, 64, e Kevin Redmond, 82, são exemplos de que, independentemente da idade, é possível viver acompanhado e de forma animada. “A nossa vida não é monótona não. O Kevin nunca deixa que isso aconteça. Ele marca um cinema, um jantar fora. A gente sempre tem esse cuidado de não ficar só em casa, de passearmos os dois juntos”, conta.

	Iano Andrade/CB/D.A Press
Juntos há um ano e meio, Ramon e Camilla não se importam em fazer também o que o outro gosta. Segundo o casal, o que importa é que a parceria e a individualidade sejam respeitadas (foto: Iano Andrade/CB/D.A Press)
Kevin e Antônia tinham diversos fatores para não dar certo como casal: nacionalidades, culturas diferentes (ele é irlandês, ela brasileira) e idades distintas. “Isso é uma bobagem, não faz a mínima diferença no nosso relacionamento. Ele sempre foi mais disposto que eu, mais alegre, topa tudo. Não significa que ele gosta de tudo do que eu gosto, mas a gente se respeita muito”, reforça Antônia.

O irlandês garante que ele e Antônia separam as diferenças sem brigas e com muita conversa. “Nós dois somos seres limitados. Eu não posso esconder todos os meus desejos dela nem atender todas as necessidades dela. Ela também não. Para ter um matrimônio feliz, é preciso reconhecer e aceitar isso”, acredita.

O casal cultivou o hábito de sair cada um com o grupo de amigos ocasionalmente e acredita que isso também fortalece a relação. “Não temos que estar juntos o tempo inteiro. Ela tem o espaço dela e eu tenho o meu. Acho que uma coisa muito importante no matrimônio é que cada um tenha o seu espaço Se o casal conseguir viver assim, vai viver feliz”, aconselha o irlandês.

Exemplo em casa
O respeito dentro de casa tem efeito sobre as novas gerações. “A gente aprende a se relacionar observando o pai e a mãe”, afirma o psicólogo André Lubec. Ellen, 31, confirma a teoria. Filha de Antônia e Kevin, ela é casada há cinco anos com Frederico Fortes, 41, que também aprendeu com as experiências familiares a importância de ter relações felizes. “Eu tive nos meus pais um exemplo muito bonito de casamento e de família. Eles diziam uma coisa que eu aprendi muito cedo: sempre dizer o que não está te agradando e saber dizer na hora certa”, conta Ellen. “Meus pais são separados desde que eu tinha 10 anos. Eu tento buscar nas diferenças que eles tiveram soluções que eu possa implementar no meu casamento”, completa Frederico.

Lubec sugere que, nas soluções dos problemas, os casais deixem de lado a emoção e utilizem mais a lógica para se comunicar. Os resultados, segundo ele, serão melhores e a postura facilita também no entendimento do que pensa o outro. “É preciso aceitar mais, ceder um pouco mais, mas sem perder o próprio valor. O segredo está em respeitar o outro como você se respeita”, afirma.



Perigosa rotina
“Com a convivência, a percepção que um tem do outro tende a se cristalizar. Tudo passa a ser enxergado de um único jeito, fazendo com que o diálogo se torne repetitivo, monótono. Sair dessa zona de quase morte é necessário para que as ideias, as vontades e os planos a dois revigorem. Fazer isso sem ajuda de um profissional requer uma quebra de rotina. Na teoria, é fácil falar, mas, na prática, exige esforço e foco. Ao sair da mesmice, o diálogo tende a sofrer com essa interferência, o que pode torná-lo benéfico para a resolução dos desafetos da vida amorosa.”

Eduardo Lacerda, psicólogo

PRATIQUE

Confira as dicas dos especialistas e dos casais para o bom relacionamento a dois

» Pense no que você pode acrescentar ao outro em vez de tentar mudá-lo

» Respeite o outro como você se respeita

» Ame a você mesmo assim como você ama o casal

» Avalie se o outro está entendendo o que está sendo discutido durante a conversa

» Respeite as diferenças, aceite que o outro é um ser individual, singular e único

» Tenha maturidade e coragem para enfrentar o inesperado e as dificuldades que aparecem no dia a dia

Disputa por poder

Problemas nos relacionamentos podem ser desde uma simples diferença de opiniões até algo mais sério, como a disputa de poder. A tentativa de um parceiro se impor sobre outro é muito observada por especialistas em terapia de casal. “Acontece muito de chegarem casos em que um sente que o outro tem mais poder na relação e reclama de falta de permissão para falar ou agir”, conta a psicóloga Tamara Santos, que defende a comunicação como o melhor instrumento para lidar com essas questões.


Na mesma linha, uma pesquisa realizada na Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, tentou descobrir se é melhor “ser feliz” ou “estar certo” em um relacionamento. Os pesquisadores tentaram responder a essa pergunta realizando um experimento com um casal. Pediram que o homem concordasse com a opinião e os pedidos da mulher em tudo e sem reclamar, mesmo quando acreditava que ela estava errada. A mulher não sabia da intervenção.

Após 12 dias, o estudo precisou ser interrompido devido a um desfecho adverso: o marido achou que a companheira tinha se tornado autoritária e estava cada vez mais crítica de tudo o que ele fazia. Em uma escala de 0 a 10 (sendo 10 a melhor qualidade de vida possível), a felicidade do homem caiu de 7 no começo do estudo para 3. Já a da mulher subiu ligeiramente de 8 para 8,5. “Os resultados mostram que a disponibilidade de poder desenfreado afeta negativamente a qualidade de vida das pessoas no fim de recepção”, concluíram os pesquisadores do estudo, publicado no British Medical Journal.

Apesar de a disputa de poder ser um dos principais motivos para as brigas conjugais, Santos destaca que certa disparidade é natural. “Se a desigualdade não for muito grande, não precisa de um equilíbrio. A relação pode ser complementar”, diz. Mas a especialista reforça que, quando a diferença de autoridade estiver trazendo sofrimento para uma das partes, repensar a situação passa a ser uma obrigatoriedade. “Tem que observar se existe alguma imposição, se um dos pontos de vista está sendo defendido com muita força, se o outro não tem permissão para pensar diferente. Isso é uma agressão. Os dois devem se sentir autorizados a pensar diferente (ou igual) na relação”, afirma.