Experiência de rotular alimentos por seu valor calórico ajuda aumentar consumo de alimentos saudáveis

Pesquisadores usam as cores dos sinais de trânsito para indicar os valores nutricionais de alimentos vendidos em uma lanchonete. Após as intervenções, a compra de produtos verdes subiu até 20%

por Vilhena Soares 12/01/2014 14:30

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
CB/D.A.Press
(foto: CB/D.A.Press)
Verde, vermelho e amarelo — as cores que organizam o trânsito servem também para ajustar hábitos alimentares. O resultado foi conquistado por cientistas dos Estados Unidos em um experimento na lanchonete de um hospital de Massachusetts. O grupo rotulou os alimentos saudáveis, os que demandam cuidado e os de alto valor calórico com as três cores e notou que, devido à intervenção, os clientes passaram a consumir aqueles mais ricos em nutrientes.

A pesquisa, publicada nesta semana no American Journal of Preventive Medicine, teve início em 2010 e foi desenvolvida por especialistas em alimentação e nutrição do Massachusetts General Hospital (MGH). Semanas antes da rotulação, os funcionários dos caixas computaram a quantidade de alimentos gordurosos e saudáveis vendidos. Deram continuidade ao trabalho depois que os produtos ganharam as etiquetas, e os valores foram comparados três meses após a implementação dos selos coloridos. “Nossos resultados mostram mudanças significativas nos padrões dos funcionários do hospital e dos clientes”, relatou, em um comunicado, Anne Thorndike, da Divisão de Medicina Geral do MGH e líder do estudo.

Na segunda fase do experimento, os pesquisadores mantiveram os rótulos e mudaram a disposição dos alimentos. Os mais saudáveis foram posicionados nas prateleiras com maior visibilidade e os gordurosos ficaram mais escondidos, em locais afastados do campo de visão dos clientes. A mudança refletiu ainda mais nas vendas: as de alimentos verdes aumentaram 12% e as de produtos vermelhos caíram 20%.

Os especialistas comemoraram também a durabilidade do projeto. Dois anos depois dos testes, os números seguiam a linha de mudança detectada. “Esses resultados são o mais importante de nossa pesquisa até agora porque mostram que uma rotulagem de alimentos e a intervenção na disposição deles podem promover escolhas saudáveis que persistem a longo prazo”, avaliou Thorndike.

Para João César Castro, nutrólogo e endocrinologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o estudo de Massachusetts merece destaque mais pela diminuição da quantidade de alimentos gordurosos vendidos do que pelo aumento do consumo das opções nutritivas. “Conseguir diminuir o consumo de alimentos que muitas vezes nem são essenciais, como salgadinhos e refrigerantes, é uma tarefa bem difícil. E isso pode trazer grandes benefícios para quem adota a mudança”, justificou.

Diferente de consumo
Murilo Pereira, nutricionista e professor do Centro Universitário Iesb de Brasília, também acredita que a estratégia utilizada pelos pesquisadores foi interessante, mas ele acha que os cientistas poderiam ter aprofundado mais os hábitos alimentares de clientes e funcionários da lanchonete. “O que foi avaliado a fundo foi o perfil de compra, não necessariamente o consumo. Acredito que a os resultados poderiam também ter detalhado o perfil alimentar dos participantes, acompanhando também a saúde deles”, avaliou.

Pereira destaca que o método de avaliação dos pesquisadores é parecido com estratégias já implementadas. Ele usa como exemplo a adoção recente de um selo no Brasil que indica o uso de uma técnica de radiação para aumentar o tempo de conservação de alimentos. “Esses produtos tinham uma caveirinha em seus rótulos. Com isso, as vendas caíram e produtores pararam com a técnica para não prejudicar as vendas.”

Divulgação / MGH Nutrition and Food Service
Antes (foto esquerda) bebidas adocicadas e sucos ficavam msiturados com bebidas diet e laticínios. Depos (direita) água, bebidas diet e outras opções saudáveis passaram a ficar na prateleira de cima, na altura dos olhos, enquanto itens menos saudáveis ficaram embaixo (foto: Divulgação / MGH Nutrition and Food Service )
O pesquisador acredita que, caso a prática de alertar sobre bons e maus alimentos ganhe novos métodos e se dissemine, mais a população ganhará em termos de qualidade nas refeições. “Hoje, nos supermercados brasileiros, a parte de alimentos integrais já fica mais visível, o que aumentou as vendas. Só uma disposição nova faz diferença. Podemos ter ainda mais ganhos nessa área com novas estratégias.”

Uso em mercados
O uso de símbolos pode até não alterar o comportamento de quem entende a mensagem repassada, mas funciona como um aviso de saúde. Segundo o nutrólogo João César Castro, diante da mensagem de que está comprando ou comendo algo que faz mal ao organismo, muitos clientes sentem-se constrangidos. “Isso mexe com a cabeça da pessoa. Gera até vergonha. Não quer dizer que ela seja forçada a comprar algo, mas serve como um alerta de que há produtos com resultado mais eficaz.”

Castro acredita que a pesquisa realizada no Massachusetts General Hospital (MGH), indicando que o uso das cores do semáforo interfere na alimentação das pessoas, possa trazer resultados positivos além das lanchonetes. “Já vimos estratégias parecidas serem utilizadas em escolas e elas tiveram sucesso. Poderíamos, quem sabe, usar um símbolo de mercado para mostrar alimentos que têm um nível maior de açúcar ou de sal e valesse para várias categorias, como sucos e salgadinhos.”

Os cientistas do estudo divulgado nesta semana pretendem dar continuidade à pesquisa e elaborar novas técnicas de reeducação alimentar utilizando como base o experimento das cores em lanchonetes e refeitórios de outros locais de trabalho. “Os próximos passos serão desenvolver formas ainda mais eficazes de promover escolhas saudáveis por meio do ambiente de serviço de alimentação e traduzir essas estratégias para ambientes institucionais ou de varejo”, contou Anne Thorndike, integrante da Divisão de Medicina Geral do MGH. (VS)

Nomes criativos
Em março do ano passado, pesquisadores da Universidade de Cornell, em Nova York, reformaram os cardápios servidos a alunos de 7 a 12 anos. Deram mais destaque a frutas e legumes e usaram nomes mais criativos para os pratos ricos em nutrientes, como brócolis crocante. Eles também colocaram os alimentos mais saudáveis em locais em que os alunos pudessem enxergá-los melhor. Com as mudanças, o consumo de alimentos mais saudáveis aumentou.