Saúde

Cientistas canadenses afirmam que não existem 'gordinhos saudáveis'

Ao analisar estudos dos últimos 63 anos, cientistas do Canadá concluíram que não existem gordinhos saudáveis. Estar acima do peso, independentemente do percentual, compromete o funcionamento do corpo

Bruna Sensêve

Desde que a obesidade começou a ser vista como um dos grandes males do século, uma corrente de médicos e cientistas caminha no sentido oposto: provar que ser gordinho e saudável é possível. Entre os argumentos estão exames clínicos atestando por A mais B que, mesmo fora do peso ideal, pressão arterial e colesterol podem estar em níveis satisfatórios e sadios. Os defensores dessa teoria podem se preparar para uma notícia desanimadora. Pesquisadores canadenses devolvem definitivamente à obesidade o lugar de maior vilão da saúde. Segundo pesquisa divulgada pelo time, ainda que com colesterol, glicose e pressão arterial normais, o excesso de “fofura” pode ser ainda fatal.


Nutricionistas e endocrinologistas do Hospital Mount Sinai, em Toronto, no Canadá, reuniram-se para derrubar de vez o mito do gordinho saudável. O estudo publicado na revista científica Annals of Internal Medicine, neste mês, analisou dados de mais de 61 mil pessoas, acompanhadas por cerca de uma década. Junto a esse monitoramento, os cientistas revisaram mais de mil trabalhos científicos em torno da temática feitos entre 1950 e 2013. “A informação sugere que o aumento do peso corporal não é condição benigna, mesmo com a ausência de problemas metabólicos, e é um argumento contra o conceito de obesidade saudável”, declarou Ravi Retnakaran, professor e pesquisador da Universidade de Toronto.

Apesar de muitos estudiosos no meio médico afirmarem que é possível ser saudável, especialistas de Toronto são categóricos ao negar a possibilidade
Os cientistas levantam a possibilidade de que as últimas pesquisas indicando que um obeso é tão saudável quanto alguém com o peso ideal provavelmente consideraram somente o peso e os fatores de risco para doenças sem aprofundar a avaliação da saúde metabólica real do indivíduo. Quando essa análise foi feita por eles, os resultados assustaram. O risco de infarto em pessoas acima do peso é 24% maior se comparado ao daquelas com peso saudável e sem distúrbios metabólicos.

A pesquisa não apenas alerta para o perigo das gordurinhas a mais. Ela também reforça as consequências graves que pessoas com problemas metabólicos, independentemente do peso, podem sofrer. De acordo com o trabalho, esse grupo apresenta o maior risco de eventos cardiovasculares, como acidentes vasculares cerebrais (AVC) e infartos, além da morte prematura. “Os dados sugerem que tanto os pacientes que são obesos e metabolicamente doentes quanto os que são obesos, mas metabolicamente saudáveis têm risco elevado de morte por doenças cardiovasculares. Nesse sentido, a ‘obesidade saudável’ pode ser considerada um mito”, conclui Retnakaran.

Para o diagnóstico do paciente com sobrepeso ou obeso, foi considerado o índice de massa corpórea (IMC). No primeiro caso, o resultado ficou entre 25 e 30. No outro, acima de 30. Segundo o presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Mário Kehdi Carra, o obeso hoje visto como metabolicamente saudável é aquele com açúcar, gordura e pressão sanguínea normais, entre outros marcadores. “O mito está na pessoa que fala que é gorda, mas tem saúde. Em algum momento, ela vai começar a ter problemas metabólicos. Mesmo que tenha só o sobrepeso.”

Carra detalha que a obesidade produz lentamente uma ação de resistência a diversos hormônios vinculados ao metabolismo. O mecanismo disso tudo é molecular, como se a célula fosse perdendo a capacidade de jogar fora as toxinas e, dessa forma, ficasse impossibilitada de metabolizar o açúcar e a gordura. A inflamação que a gordura provoca nas células seria o principal ator desse processo. “O paciente obeso é um inflamado crônico, ele está sempre como se estivesse na iminência de ter uma doença.”

Longo prazo
Além de reconhecer que não existe obesidade saudável, é preciso que a comunidade médica se concentre no tratamento da obesidade, como qualquer outra doença crônica que requer atenção a longo prazo. “É fato que, quando a pessoa tem um resultado de glicemia ou pressão alterado, todo mundo se preocupa. Quando é o peso alto, ninguém se preocupa. As pessoas sabem que têm que perder peso, mas não ligam e não encaram a obesidade como se fosse uma doença”, chama a atenção Maria Edna de Melo, diretora da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) e endocrinologista da Universidade de São Paulo.

Carra reforça o pensamento de Melo ao dizer que a obesidade é uma doença crônica. Uma vez com esse diagnóstico, o paciente terá a doença para a vida inteira. “Você pode diminuir de peso, controlar a doença, mas, no dia em que reduzir em 50% a atividade física, a obesidade vai voltar, como o diabetes e a hipertensão”, afirma. O médico, porém, afirma que, ao diminuir 10% do peso, o obeso melhora cerca de 70% da saúde.

» Risco de vida
Designa um conjunto de fatores de risco ou valores analíticos cuja base é a resistência insulínica. Segundo os critérios brasileiros, a síndrome metabólica acontece quando estão presentes três dos cinco critérios: obesidade central, hipertensão arterial, glicemia alterada ou diagnóstico de diabetes, altos níveis de triglicerídeos e colesterol. Nesse caso, há um risco de mortalidade geral duas vezes mais alto que na população normal e de mortalidade cardiovascular três vezes maior.



Fim de um mito
“Esse conceito do obeso saudável não procede. Como o próprio estudo demonstrou, após mais de 10 anos, os indivíduos que são obesos, apesar de terem o perfil metabólico favorável, têm o risco aumentado de eventos cardiovasculares. Mesmo com todos esses parâmetros normais — pressão arterial, insulina em jejum, colesterol LDL —, tardiamente eles terão um risco maior que aqueles com peso normal e índices ideais. Não é totalmente esclarecido como isso acontece. Nós sabemos que o tecido adiposo que está aumentado no indivíduo obeso tem uma ação metabólica e secreta substâncias que têm efeito inflamatório. O tecido gorduroso é metabolicamente ativo. Ele absorve e secreta substâncias e acredita-se que isso possa estar envolvido diretamente nessa evolução. Existem algumas teorias, mas a corrente mais forte vê a ação do tecido adiposo como se fosse um órgão e, pelo fato de existir em excesso, provoca a desregulação hormonal e outros diversos fatores inflamatórios. Isso é a obesidade isoladamente. O ‘obeso saudável’ incorre ainda assim no risco aumentado no desenvolvimento de doenças cardiovasculares e, em especial, a doença arterial aterosclerótica, que pode acometer o coração na forma de infarto; os vasos do sistema nervoso central, levando a um acidente vascular cerebral; ou mesmo outros vasos.”
João Luis Barbosa, cardiologista do Instituto Nacional de Cardiologia