Especialistas defendem compartilhamento pornô responsável e reflexão além das leis e do moralismo

Professora avalia fenômeno pornô dentro do cenário midiático: 'uma situação de conteúdo íntimo que vaza de propósito já representa uma quebra de contrato entre pessoas. Em bom português, quem faz isso é escroto'. Já a estudante de psicologia abandonou o curso de letras para se dedicar ao estudo do sexo

por André Duarte 14/11/2013 09:02

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
Katarine Lins, 23 anos, é uma ex-estudante de letras que desistiu do curso após flertar com os livros eróticos nas pesquisas e devorar todos os títulos do gênero que encontrou nas prateleiras. Achou que a literatura não supria o fosso de dúvidas e desdobramentos envolvendo um bloco de conhecimento integralmente excitante. Trancou o antigo curso e agora se prepara para ingressar em psicologia com foco no estudo da Parafilia, espécie de comportamento sexual no qual o prazer não se encontra no ato sexual em si, mas em alguma atividade secundária.

Admiradora declarada de vídeos amadores e integrante de um grupo de estudos de livros eróticos no Recife, Katarine coloca a tecnologia em segundo plano diante do interesse perene em disseminar pornografia. “Antes da popularização da internet no celular, as pessoas já compartilhavam vídeos pornográficos pelo bluetooth do aparelho. Eu já vi várias pessoas fazendo isso. A questão é saber se esse material saiu da intimidade dessas pessoas por vontade delas”.

Roberto Guerra e Wolney Fernandes  (Arte / especial para o Diário de Pernambuco)
Admiradora declarada de vídeos amadores e integrante de um grupo de estudos de livros eróticos no Recife, estudante coloca a tecnologia em segundo plano diante do interesse perene em disseminar pornografia (foto: Roberto Guerra e Wolney Fernandes (Arte / especial para o Diário de Pernambuco))
A estudante defende o compartilhamento pornô responsável e sugere uma reflexão que vai além de contornos judiciais: “Acho bonita a forma como as pessoas se expõem. É uma forma de eternizar uma relação. A gente tem que entender que pode tudo, desde que seja de forma combinada entre as partes. Todo homem gosta de fotografar e ver a mulher nua. A mulher se mostrar com celulite é uma afirmação dela. Eles estão dizendo que aceitam um ao outro do jeito como são”, opina Katarine, que, apropriando-se do caso de Fran, lança uma pergunta endereçada ao pacote de insinuações que ela identifica como conservadoras: “Por que ela é uma ‘cadela’ e ele não? O que difere os dois, já que ambos estavam fazendo a mesma coisa?”, questiona, rejeitando a adoção de novas lei: “Sou favorável à assinatura de um contrato (no qual os dois — ou grupo, dependendo do caso — se comprometem a não divulgar as gravações, se assim desejarem). Não precisa passar no cartório e nem ter valor jurídico. É só assinar e cada um fica com uma cópia”.

Mariana Baltar, professora de estudos da mídia e da pós-graduação em comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF), organizadora de um livro sobre pornografia no Brasil a ser lançado em 2014, propõe um debate mais amplo e franco antes de medidas oficiais. “A lógica da internet é a da desregulamentação. Não é preciso uma lei para intervir nos vazamentos. Já existe legislação que pode punir isso. A questão é discutir esses casos pela raiz, sem opiniões simplistas”. A pesquisadora direciona o debate para alvos já conhecidos, como a educação básica e cumprimento da papelada existente, a exemplo das leis Maria da Pena e da homofobia, além de garantias em casos de calúnia, injúria e difamação. “Uma situação de conteúdo íntimo que vaza de propósito já representa uma quebra de contrato entre pessoas. Em bom português, quem faz isso é escroto”.

No campo imagético, Mariana Baltar compara o pornô amador a uma commodity preciosa no mundo da cultura midiática. “O fenômeno amador é mais complexo do que simplesmente uma oposição ao profissional, e é um fenômeno que não se restringe ao campo da pornografia. Veremos isso no uso das imagens amadoras no telejornalismo ou em documentários como Pacific (dirigido pelo pernambucano Marcelo Pedroso, sobre um cruzeiro com imagens gravadas apenas pelos próprios passageiros). O amador é ao mesmo tempo um dispositivo e uma estética, que tem a ver com imagens produzidas pelo sujeito comum, no cotidiano, que se sustenta no efeito de diferença do artificialismo associado às imagens mainstream ou ‘profissionais’”.

Roberto Guerra e Wolney Fernandes  (Arte / especial para o Diário de Pernambuco)
Mariana Baltar, professora de estudos da mídia e da pós-graduação em comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF): 'lógica da internet é a da desregulamentação. Não é preciso uma lei para intervir nos vazamentos. Já existe legislação que pode punir isso' (foto: Roberto Guerra e Wolney Fernandes (Arte / especial para o Diário de Pernambuco))
A pesquisadora fareja o que chama de “falso moralismo” na discussão pretensamente ética sobre a circulação de frames picantes. Ainda falta, na visão dela, jogar luz sobre a participação de outro pêndulo fundamental do universo pornográfico: o público. “O debate ético é o mesmo do limite e do direito à privacidade. Nesse caso, pornografia não está à parte. É preciso também nos perguntar o que nos move como consumidores quando busca-se quase que avidamente esse tipo de imagem não consentida da exposição da privacidade alheia, e não apenas de conteúdo pornográfico. Debate ético não é específico do pornô, vamos parar de falso moralismo! Debate ético é postura como cidadão, inclusive como consumidor desse tipo de imagem de exposição da privacidade alheia, e aqui incluem-se revistas e flagras de fofoca”.

Saulo Araújo, goleiro do Sport Club do Recife, foi vítima do clássico “caiu na net” em 2011, após um vídeo de sexo com uma ex-namorada ter atravessado a rede virtual numa velocidade superior ao mais ágil dos atacantes. Bem mais que a repercussão, incomodou-lhe à época o título do vídeo disseminado em sites e compartilhado à exaustão fora dos gramados: “Saulo Pornô”.

Procurado via assessoria do clube, dois anos depois do episódio, o goleiro, preferiu não retomar o assunto. Na ocasião do episódio, concedeu uma entrevista a um blog esportivo, na qual, além de lamentar o “vacilo”, supostamente provocado pelo roubo do celular da então namorada, surpreendeu pela aderência com que recebeu a notícia à queima-roupa sem dar rebote: “Não sei porque tanto barulho com isso. Apenas é uma imagem de um homem e uma mulher fazendo sexo”.