Vamos falar de sexo? Especialistas orientam que educação sexual deve começar com a primeira pergunta

Psiquiatra defende a educação como forma de evitar que o jovem prejudique sua sexualidade

por Carolina Cotta 13/10/2013 10:47

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
ISTOCKPHOTO
(foto: ISTOCKPHOTO)

Menstruação. Virgindade. Impotência. Orgasmo. Quão incomodado você fica com esses temas? Sexo é um dos assuntos mais evitados, a não ser para aqueles interessados em promover sua performance sexual. Poucos questionam sua importância em um relacionamento. Poucos também conseguem romper a barreira que faz dele um tabu. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), o sexo é um dos quatro pilares da qualidade de vida. Se é tão bom vivenciá-lo, por que não falar sobre ele?

Historicamente, o assunto é enfrentado com ressalvas. O impacto aparece na cama. Pesquisas consecutivas escancaram a dificuldade das mulheres em sentir prazer, de os homens procurarem ajuda nos problemas de ereção, de os jovens iniciarem a vida sexual livres de preconceitos. As próximas gerações só viverão o sexo em plenitude quando ele deixar de ser uma esfera proibida. Sexo é bom. Falar de sexo não é problema. Educar para o sexo é essencial.

A educação sexual é a esperança. Nunca se falou tanto sobre sexo, mas ainda é preciso falar muito mais. Principalmente, falar de forma adequada. Para a coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da Universidade de São Paulo (USP), a psiquiatra Carmita Abdo, a iniciação sexual impacta positiva ou negativamente a história de vida de cada um em função de como se foi preparado para esse momento. “Educar para o sexo é um diferencial para toda a vida.”

Mas educar é bem diferente de informar. “Informa-se, por exemplo, que o jovem deve usar preservativo. Mas nesse uso ele pode se atrapalhar e não sabe que a educação sexual é cheia de tropeços. Esse garoto vai sair da experiência pensando que não sabe fazer sexo, considerando-se prejudicado sexualmente. Se tivesse sido educado, saberia que sexo demanda experiência e experiência demanda tempo”, explica Carmita, segundo a qual cada adolescente reage a isso de maneira diferente.

Promover essa educação sexual de forma a transformar a experiência da atual geração é o grande desafio. É preciso falar sobre sexo, mas como? Para o pedagogo Luiz Rena, professor do curso de psicologia da PUC Betim, o jovem de hoje quer ouvir menos e quer ser mais escutado. “Nunca se falou tanto sobre sexo. Nunca a criança e o adolescente foram tão bombardeados com informações sobre a vida sexual. O jovem quer ser escutado em sua singularidade. E quer ser percebido como uma pessoa única”, defende. Vamos, então, aprender a falar sobre sexo.

E aí? Alguma dúvida?
Para os especialistas, os pais devem ficar atentos aos questionamentos dos filhos sobre sexo. Ideal é que a conversa seja descontraída e transparente


Beto Magalhães/EM/D.A Press
Adriana Santos conversa abertamente com a filha Maria Eduarda, de 11 anos, e acha que esse é o melhor caminho para evitar confusões (foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press)
Quando a mãe soube da primeira menstruação da filha, seis meses haviam se passado. Adriana Alves Santos, de 38 anos, lembra-se com detalhes da forma como foi oficialmente apresentada ao assunto. Oficialmente porque da boca das amigas já tinha ouvido todas as explicações. A mãe de Adriana, como a mãe de milhares de garotas de todo o mundo, falharam no mesmo aspecto. Por vergonha, despreparo e, principalmente, por não ter recebido essa informação de suas mães, não souberam aproximar a filha.

“Lembro-me de ela dizer que chega um momento em que toda mocinha tem um ‘sanguinho’. Ela falava tudo no diminutivo, enquanto eu pensava: ‘Já sei disso há muito tempo’. Ela tratou o assunto de forma delicada, tentando me explicar do modo mais simples e natural. Mas falou de um jeito em que eu parecia ter 7 anos. Eu já tinha 15. Saía para dançar. Até trabalhava fora”, lembra a diarista, que compreende a postura de sua mãe, que se casou aos 17 anos e provavelmente nunca conversou sobre sexo em casa.

A experiência virou uma lição. Com sua filha seria diferente. E está sendo. Casada desde os 27 anos e mãe de Maria Eduarda, de 11, e de Marcos Paulo, de 7, Adriana optou por tratar do assunto sexualidade com os filhos desde cedo, quando começaram a perguntar. “Eles queriam saber sobre o que viam na TV. Há alguns anos questionaram por que as pessoas ficavam peladas e por que nasciam pelos no corpo. Trato tudo de forma normal porque eles vão passar por isso. Se eu enrolar, vai ficar confuso.”

Para os especialistas, é esse o caminho. A psiquiatra Carmita Abdo defende que a educação sexual comece em casa, assim que surgir a primeira pergunta. “Se ela pergunta duas, três, quatro vezes e fica sem resposta, irá buscar a explicação em outro lugar, seja na internet ou com amigos. E quanto mais linguagem indireta e metáfora, mais o pai estará convidando seu filho a não perguntar. Ele vai procurar em outras fontes”, defende.

Segundo Carmita, a primeira escolha de toda criança é sempre o pai e a mãe. É para eles que ela vai apresentar as primeiras dúvidas referentes a qualquer assunto, inclusive sobre sexualidade. Afinal, até ali ela não tem qualquer problema em relação a isso. E ela precisa dessa resposta. “A criança escutou falar naquilo, ela quer saber. É péssimo quando ela recebe outra pergunta como resposta, do tipo: ‘Por que você quer saber sobre isso? Quem falou isso a você?’”.

A ideia é jamais deixar sem resposta, e dar a resposta na dose certa. Idealizador do Fala sério, projeto de extensão universitária de educação afetivo-sexual em Betim, Luiz Rena defende que os pais, ao receber essas perguntas, tenham clareza da idade da criança e avaliem a profundidade da pergunta. “Eles não querem uma resposta acadêmica. Nesse momento, pode ser algo mais leve. E quando o pai não souber a resposta, deve assumir. É melhor que dar uma resposta errada ou carregada de preconceito.”

O mesmo vale para os professores. Rena parte do princípio de que ninguém fica sem educação sexual. “Toda família educa, mesmo que diga que não. Toda escola educa, mesmo quando se silencia. Não falar é um jeito de educar sexualmente. Agora, se considerarmos uma pedagogia planejada e participativa para abordar o assunto, aí acredito que a maioria das escolas é negligente. Há muitas maneiras de a escola se implicar nessa tarefa. Por exemplo, articulando professores para um trabalho interdisciplinar.”

FUTURO

Nada, entretanto, substitui a missão dos pais. Quando Adriana e o marido decidem tratar o assunto sexualidade de forma natural, eles estão, inclusive, colaborando para o futuro da educação sexual e para que as próximas gerações vivenciem o sexo como qualidade de vida. Seus filhos, que podem conversar em casa abertamente, terão mais condições de orientar seus próprios filhos. Para Carmita, isso é educar as novas gerações para que estejam prontas para fazer essa educação em casa.

“Queremos que os pais estejam prontos para assumir a educação sexual. É preciso unir forças para que pais e mães do futuro estejam preparados para isso. A escola hoje quebra um galho ao fazer o trabalho que a família não fez. O problema é que a professora pode ter a mesma dificuldade que a mãe. Ela provavelmente teve a mesma referência. A escola de hoje educa de forma generalizada. Precisamos formar jovens que acreditem que a educação sexual é importante e assim transmitam a ideia para seus filhos.”

A importância da primeira vez
Pesquisa realizada com 30 mil pessoas de 37 países, incluindo o Brasil, revela como a sexualidade ao longo da vida sofre influência do início da educação sexual dos jovens


Jair Amaral/EM/D.A Press
"O tema parece sexual, mas é mais abrangente. Estamos falando de vida, de desenvolvimento, de cultura. Sexo é a forma como as pessoas expressam todas essas situações, sem barreiras" - Carmita Abdo, psiquiatra (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Usar camisinha na primeira relação sexual aumenta em três vezes as chances de uma pessoa recorrer à proteção ao longo da vida. O dado vem de um estudo mundial divulgado durante o 21º Congresso da Associação Mundial de Saúde Sexual, durante o simpósio Your love. Your life. Sex education for a new generation. De acordo com a Durex Global Face of Sex, pesquisa realizada com 30 mil pessoas de 37 países, incluindo o Brasil, nosso país tem o maior índice de pessoas que afirmaram usar o preservativo desde a primeira vez: 66%.

Os entrevistados, com idades variando entre 18 e 64 anos, também revelaram que o Brasil é onde a educação sexual nas escolas começa mais cedo: aos 13 anos. Em média, crianças e adolescentes de outros países têm acesso a informações sobre sexualidade aos 14 anos. Na Índia, a educação sexual só começa por volta dos 16. Isso confirma a ideia de que a educação sexual tem o poder de influenciar diretamente o comportamento sexual do indivíduo.

De acordo com a pesquisa, assim como determina mais sexo protegido no futuro, essa educação também tem impacto direto nas escolhas do indivíduo em relação ao uso da camisinha. Pessoas que nunca foram orientadas na adolescência, por exemplo, têm duas vezes mais chances de não utilizar o preservativo em suas relações sexuais. “Os resultados sugerem a importância da primeira vez sobre a atitude das pessoas em suas relações sexuais ao longo da vida”, conclui Carmita Abdo.

Não restam dúvidas sobre como as experiências iniciais permeiam as demais, assim como não restam dúvidas sobre o impacto das relações familiares na compreensão que o adolescente tem sobre sexo. Para a especialista, a forma como se inicia e se desenvolve a sexualidade pode dar mais tranquilidade no sexo e em outras áreas da vida. “O tema parece sexual, mas é mais abrangente. Estamos falando de vida, de desenvolvimento, de cultura. Sexo é a forma como as pessoas expressam todas essas situações sem barreiras.”

Apesar do destaque brasileiro em relação ao uso de camisinha, prevenção é sobre o que os jovens menos querem ouvir. Pelo menos não querem ser abordados sobre o assunto da forma como são. É preciso adequar o modelo de educação sexual para linguagens e dispositivos que se aproximam desse público. Por exemplo: 35% dos entrevistados da América Latina e Ásia afirmam recorrer à internet para a educação sexual.

A palavra prevenção não é bem vista pelo jovem na opinião de Carmita. “Ele detesta qualquer situação em que precisa evitar alguma coisa e, na maioria das vezes, essa é a linguagem usada em casa e na escola. É assim que ele chega à internet atrás dessa informação. Se tiver a sorte de cair em um portal bem-estruturado e positivo, ótimo, mas se entra num site em que o sexo é apresentado de uma forma que não corresponde à realidade, imagina que aquela é a prática recorrente e assim conduz suas experiências.”

É preciso entender, também, o que é visto como diferente, principalmente quando se luta por mais visibilidade das pessoas de orientação homossexual. Um novo modelo de educação sexual, que comece em casa e seja natural, que chegue na escola de forma interdisciplinar e que transforme esses jovens em futuros educadores de seus herdeiros precisa também trabalhar a questão da diversidade. E também da afetividade.

“A educação sexual deve falar mais de prazer, de impulso, de necessidades físicas e emocionais, de autoestima e autoconfiança. Não dá mais para ficar explicando como nos reproduzimos. O adolescente já sabe como o pênis penetra a vagina. Isso ele já aprendeu de alguma forma. É preciso falar dos ingredientes que envolvem o sexo. Uma metanálise da Unesco já derrubou o mito de que falar sobre sexo antecipa a vida sexual. O que precipita é o meio, as características individuais, o perfil. Até temperatura interfere.”

CULTURA SEXUAL

Ramon Lisboa/EN/D.A Press
Luiz Rena, idealizador do projeto Fala sério, de Betim, diz que os pais nunca devem deixar seus filhos sem resposta. "Eles não querem uma resposta acadêmica" (foto: Ramon Lisboa/EN/D.A Press)
O projeto de educação afetivo-sexual Fala Sério contempla esse novo olhar para abordar o sexo e a sexualidade. Para o pedagogo e professor universitário Luiz Rena, tratar do aspecto sexual, mas também do afetivo, amplia a ideia de sexualidade humana para além do envolvimento genital. “É preciso reconhecer nesse outro uma globalidade que inclui desejo e envolvimento físico, sem esquecer que isso vem carregado de afeto, seja ele afetivo ou negativo.”

A violência sexual é um exemplo de afeto negativo, destrutivo. Com atuação em comunidades vulneráveis, Luiz percebe que nem todo mundo dá conta desse debate, muitas vezes porque a experiência que vê em casa é traumática. Como toda criança e adolescente elege modelos, que podem ser o pai, a mãe, o avô, o tio, a realidade familiar vem na bagagem. É comum que ele repita esse comportamento se não tiver a oportunidade de criticar e mesmo de ver outra referência.

“A grande contribuição de uma educação afetivo-sexual é permitir que esses jovens critiquem as referências de feminino e masculino apresentadas na mídia, em casa, na comunidade. A educação afetivo sexual, enquanto espaço de escuta e de problematização do vivido, encoraja a reflexão e a transformação. A construção sexual não começa na adolescência. Começamos nossa biografia sexual na primeira mamada. Somos sujeitos sexuais e ao longo da vida construímos uma cultura sexual.”

Papo relax vira programa

Projeto Papo Reto/Divulgação
Fred Negro F, Hugo Pires, Mariana Cabral e Marco Arcanjo: equipe do programa Papo Reto (foto: Projeto Papo Reto/Divulgação)
Uma conversa entre pais e filhos, descontraída, e sem tachar o que é certo ou errado quando o tema é saúde sexual e reprodutiva. A ideia do Papo reto, programa transmitido pela internet, que estreia em 28 de novembro, é fortalecer a construção e a expressão de ideias sobre a temática. Especialista em comunicação pública, o idealizador do projeto, Hugo Pirez, acredita que o meio que atrai cada vez mais jovens pode somar na hora de falar sobre sexo.

Viabilizada pela Cooperação para o Desenvolvimento Educacional e Social de Minas Gerais (Codesmig), instituição que atua com grupos vulneráveis com HIV/Aids, a primeira série tem cinco programas sobre o despertar da sexualidade e será exibida no canal do projeto no YouTube. Por ser direcionado para as classes D e E, Hugo pretende diminuir a falta de acesso dessa população ao tema. “O sexo hoje é visto apenas como prazer. A partir do momento em que o abordamos, do ponto de vista da saúde, muda o contexto.”

Informações:
facebook.com/paporetojuventude