Saúde

Cientistas premiados com Nobel estudaram estruturas mais básicas da vida

Vencedor do prêmio de Medicina, estudo ajudou a ciência a compreender o mecanismo de doenças como o diabetes e a epilepsia e tem potencial terapêutico

Rodrigo Caveiro

Na 104ª edição, o Nobel de Medicina homenageou, ontem, três cientistas que se focaram nas estruturas mais básicas da vida e solucionaram o mistério de como a célula organiza seu sistema de transporte — uma façanha capaz de ajudar a explicar várias doenças, como o diabetes e o tétano. Os norte-americanos Randy W. Schekman, 64 anos, e James E. Rothman, 62, e o alemão Thomas C. Südhof, 58, entraram para a seleta lista de 204 laureados e dividirão, em partes iguais, o prêmio de 8 milhões de coroas suecas (cerca de US$ 1,3 milhão). Segundo o comunicado do Comitê Nobel do Instituto Karolinska, os três foram agraciados pelas “descobertas do mecanismo que regula o tráfego na vesícula, um importante sistema de transporte em nossas células”. Cada célula é uma fábrica que produz e exporta moléculas, carregadas dentro de pequenos pacotes chamados de vesículas. Em pesquisas complementares, os laureados explicaram os princípios que governam o modo com que essas moléculas são enviadas até o local correto na hora certa.


Ouça a ligação que revelou ao cientista alemão Thomas Südhof sobre a conquista do Prêmio Nobel de Medicina:




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  Pioneiro dos estudos, Schekman — professor de biologia molecular e celular na Universidade da Califórnia, Berkeley — detectou um conjunto de genes essenciais para o trânsito celular. Diretor do Departamento de Biologia Celular da Universidade de Yale, Rothman elucidou o mecanismo proteico que permite às vesículas se fundirem a seus alvos, possibilitando a transferência da carga molecular. Südhof, especialista da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford, revelou como sinais instruem a vesícula a liberar a carga com precisão. Quaisquer distúrbios nesse sistema contribuem para o surgimento de doenças neurológicas, diabetes e desordens imunológicas.

“Schekman, Rothman e Südhof descobriram poderosos mecanismos celulares, importantes para todos os tipos de processos que regem a vida. Mas os estudos são particularmente impressionantes no que diz respeito às células nervosas do cérebro, às células produtoras de hormônios e àquelas presentes no sistema imunológico”, afirmou ao Correio, por telefone, o sueco Göran K. Hansson, diretor do Instituto Médico Nobel. “As pesquisas são importantes para a biologia das células e têm muitas consequências para a medicina”, acrescentou.

Hansson acredita no surgimento de abordagens terapêuticas baseadas no trabalho do trio. “Sabemos que algumas enfermidades são causadas por problemas nesse mecanismo celular. Certas doenças do cérebro, como a epilepsia, e defeitos congênitos em recém-nascidos, além do diabetes, são alguns exemplos”, observa. Os mecanismos já se aplicam a ferramentas de diagnóstico e de prevenção, mas ainda não resultaram em tratamentos médicos. “O prêmio foi muito bem merecido. Esperamos o uso médico de seus estudos no futuro”, disse o diretor. O italiano-americano Mario Capecchi, geneticista da Universidade de Utah que foi laureado com o Nobel de Medicina em 2007, comemorou a decisão do comitê. “Cada um deles deu contribuições muito importante sobre como as células transportam a carga molecular, um processo fundamental da biologia. Um prêmio há muito esperado. Fabuloso!”, afirmou ao Correio, por e-mail.

Tão logo soube que acabava de se tornar Nobel de Medicina, Schekman telefonou para o gerente de seu laboratório e encomendou-lhe garrafas de champanhe. Queria celebrar com os colegas. Em entrevista ao Correio, ele demonstrou humildade ao falar sobre o prêmio. “Tudo o que eu esperava era descobrir esse mecanismo. Não alcançar um reconhecimento assim”, admitiu, por volta de 4h (hora local) e algumas horas depois de chegar de uma viagem à Alemanha. Rothman contou a uma rádio sueca que se sentia extremamente honrado. Horas antes de participar de um seminário na Universidade Internacional de Andaluzia (Unia), em Baeza, Südhof dirigia um carro pelas estradas da Espanha quando foi informado pelo Comitê Nobel de que tinha sido um dos escolhidos. “Eu estou absolutamente surpreso. Todo cientista sonha com isso. Eu não percebi que tinha uma chance de ser agraciado com o prêmio. Estou atordoado e realmente feliz em partilhá-lo com James Rothman e Randy Schekman”, comentou o neurocientista de Stanford, por meio de um comunicado divulgado por sua assessoria.

“Navios” carregados
As vesículas são minúsculas bolhas de gordura que agem como um serviço de transporte interno da
célula. Elas podem mandar materiais como enzimas, neurotransmissores e hormônios para outras partes da células ou se fundir com a superfície externa dessa estrutura e liberar o conteúdo para outras áreas do corpo. Alguns especialistas as comparam a uma frota de navios que transporta a mercadoria para o destino final.