É possível lidar com as novas tecnologias sem perder o contato real

Já somos 27 milhões de brasileiros usuários de smartphone. Mas, apesar dos números e da realidade, especialistas dizem que é possível lidar com as novas tecnologias sem perder a conexão humana. Encontramos pessoas que driblaram essa 'atração fatal' e se dizem felizes por isso

por Luciane Evans 03/06/2013 14:30

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Edesio Ferreira/EM/D.A Press
Pesquisa feita este ano, com a população adulta jovem do Reino Unido, mostrou que a maioria prefere viver uma semana sem sexo do que sem o celular (foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)

Se hoje você sair por Belo Horizonte, faça o teste. Ande pelas ruas e repare como as pessoas estão se interagindo umas com as outras. Entre em restaurantes, vá a praças, parques, shoppings e bares e comprove: poucos são os que estão conversando olho no olho ou, pior, raros sãos os que estão se comunicando por meio da fala. O motivo? Os dedos passaram a ser os grandes comunicadores e, ainda que namorado, irmã, pai ou um grande amigo esteja ao lado, eles se tornaram seres “invisíveis” para quem tem à mão os atraentes smartphones.

É fácil ver amigos sentados em uma mesma mesa, cada qual conectado ao próprio mundo ‘on-line’, falando pouco uns com os outros e parecendo se divertir mais com o virtual do que a presença real. “Ao mesmo tempo que aproximam, as novas mídias separam”, diz a estudante Clara Vieira, de 17 anos.

O Bem Viver conheceu Clara quando percorreu os principais pontos da capital em busca dessas conexões não tão humanas. A princípio, pensava-se que achar esses amantes do aparelho poderia ser um pouco complicado, já que, na teoria, o telefone com acesso a internet tem hora e local para ser usado. Mas, o impressionante é que esses usuários estão por toda a parte. Seja em um ponto de ônibus, dentro de lojas ou até mesmo em uma mesa de restaurante, comendo ou não. Não há mais moderação. É fácil ver pessoas sozinhas ou acompanhadas imersas nos encantos do celular.

Clara e mais três amigas, por exemplo, estavam no coração da Savassi, na Região Centro-Sul. Antes de chegar a pizza pedida por elas, as quatro simplesmente trocavam poucas palavras umas com as outras, já que tinham que dar atenção às possibilidades do telefone, como o acesso às redes sociais. Quando chegou o pedido, a cena foi a mesma. Elas comiam e teclavam. “Não tem mais jeito. É um vício. Quando estamos com o smartphone nas mãos, não se escuta o que o outro está falando”, comentou Clara, dizendo que familiares já reclamam dessa postura dela.

Mas a garota faz parte de um universo que para alguns pode ser irreversível. Pesquisa feita este ano, com a população adulta jovem do Reino Unido, mostrou que a maioria prefere viver uma semana sem sexo do que sem o celular. Foram 2.570 pessoas entre 18 e 30 anos que participaram da análise, feita pela empresa de seguros de celular Mobile Insurance. Quando questionados sobre como se sentiam em relação aos seus aparelhos, 65% disseram que "não poderiam viver sem", 22% se consideraram "muito dependentes" e 10% sentiam que poderiam "pegar ou largar" o telefone. A pesquisa perguntou do que os britânicos abririam mão por uma semana para não ficar sem os celulares. Enquanto 94% preferiam abrir mão do sexo, outros 45% viveriam sem uma das refeições básicas, 71% ficariam sem seus carros e 9% admitiram que preferiam ficar sem os filhos.

Edesio Ferreira/EM/D.A Press
É fácil ver amigos sentados em uma mesma mesa, cada qual conectado ao próprio mundo 'on-line' (foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)


No Brasil, o comportamento caminha para isso. Já somos 27 milhões de brasileiros usuários de smartphone. Em abril, pesquisa feita pelo Ibope Inteligência e pela Worldwide Independent Network of Market Research (WIN) apontou que no país o uso do aparelho passou de 9% para 18% de 2011 para 2012.

“Não vemos mais um casal conversando olho no olho. Não sabemos o futuro disso”, lamentou a enfermeira Sandra Adriana, que, no aeroporto de Confins, estava ao lado da amiga Deise Matos, mas preferiu o toque na tela a trocar palavras com ela, que também estava imersa no seu mundo virtual.

Mas, apesar dos números e da realidade, especialistas dizem que é possível lidar com as novas tecnologias sem perder a conexão humana. Encontramos pessoas que driblaram essa “atração fatal” e se dizem felizes por isso. “O bom é enxergar que essas novas tecnologias nos permitem ganhar mais tempo para se relacionar com as pessoas das quais gostamos. Tem que ser um uso saudável”, ensina o executivo e advogado Antônio Moreira, que carrega consigo dois tablets e um smartphone, mas sabe bem como usá-los e prefere a conversa olho no olho àquela feita na ponta dos dedos.

Sem perder a conexão humana
Jair Amaral/EM/D.A Press
Em um dia de fúria, o cinegrafista e músico Pedro Vasconcelos Costa quebrou o celular e passou a dedicar seu tempo a atividades de que gosta (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Não se pode negar que muitas são as facilidades que as novas mídias trouxeram. Hoje, pode-se conversar por chat com aquele amigo que está a quilômetros e quilômetros de distância, reencontrar pessoas do passado e restabelecer laços desfeitos. Pode-se checar um e-mail a qualquer hora do dia, sem que seja preciso se trancafiar em um quarto para estar on-line. Já não se sente tanta falta de estar em frente a um computador, basta ter um smartphone na bolsa para ter o mundo nas mãos. Mas, de acordo com psicólogos, psiquiatras e especialistas em tecnologias, há um certo exagero no uso dessas novas mídias. Por isso, eles alertam que é preciso saber lidar com elas, para que essa aproximação do século 21 não se torne o ‘antissocial’ contemporâneo. Mas será que esse controle é possível?

Pedro Vasconcelos Costa partiu para o radical. Cinegrafista, músico e editor, Pedro tinha um dispositivo móvel que o encantou. Bastava presenciar uma conversa chata que ele se conectava ao seu mundo virtual. “Se estivesse em uma mesa de bar e a conversa estivesse chata, conectava. E pronto, estava fora dali.” Passou a usar o aparelho para tudo, “só não usava para fazer sexo”. Mas isso deixou de fazer sentido para ele. “Entrava nas redes sociais e via um mundo que não me pertencia. A vida que estava vivendo não era essa. Fiquei deprimido e me sentia preso à nova tecnologia.” O cinegrafista, então, quebrou o celular, segundo ele, em um dia de fúria. “Foi a melhor coisa que fiz. As pessoas que gostam de mim encontram-se comigo pessoalmente. Estou me sentindo mais feliz, passei a fazer as atividades de que mais gosto, como ler, andar de bike, mexer com fotografia e tocar bateria. É muito melhor.”

Mas não é preciso ter uma atitude extrema como a de Pedro para se libertar desta dita ‘prisão’. Conforme reconhece o professor do curso de jogos digitais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) Artur Martins Mol, os smartphones trouxeram muitos ganhos. “Antigamente, dizia-se que o computador enclausurava o usuário, já que ele deixava de sair de casa para ficar de frente para a tela. Hoje, o dispositivo móvel substituiu a função do computador. Com a tecnologia 3G, ampliou-se a possibilidade de acesso à internet. Os aparelhos permitem uma conexão rápida 100% do tempo e um acesso às redes sociais, que são os aplicativos mais acessados”, comenta, dizendo que, assim, o aparelho ajuda nos momentos de tédio. “Há uma interação. Encontram-se as pessoas em qualquer lugar, em qualquer momento, e há o imediatismo. Mas, alguns não têm controle disso”, aponta.

LIMITES
Usuário de smartphone, Artur diz que é preciso se educar para usar o aparelho. “Há muitos que, em uma mesa de bar, fazem pilhas dos celulares e lançam o desafio: se alguém mexer em um deles, paga a conta. A coisa tem que ser por aí, porque a tendência é estarmos cada vez mais conectados.” Ele acredita que deixar de usar o celular é algo que não vai ocorrer. “Para não me tornar um viciado ‘antissocial’ da tecnologia, defini para mim três momentos do meu dia para me conectar. Mexo no aparelho na parte da manhã, no horário do almoço e às 20h. Não fico mais de 30 minutos. Durante todo o resto do tempo deixo-o desconectado da rede. Já tive medo de que o dispositivo atrapalhasse o meu trabalho.”

O psiquiatra Frederico Garcia, membro da Associação Mineira de Psiquiatria e coordenador regional de referência em drogas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), diz que existe hoje algo que se chama “dependente de internet” e, quando a pessoa perde o controle do uso disso, pode-se dizer que haja algo de patológico. “É quando há uma troca progressiva de outros interesses em prol do uso da tecnologia. Há uma tensão interna quando essa pessoa está longe do aparelho. O alerta vem a partir do momento em que o usuário começa a ter prejuízos no trabalho e nas outras relações.” Para o médico, é preciso dar limites de uso e procurar outras fontes de prazer. “Tente pensar a função do celular: é um objeto de comunicação? Quanto tempo vou gastar com ele?”

PAIS
Quem certamente tem sofrido com os vícios são os pais. É cada vez mais comum pais reclamarem que os filhos parecem não ouvi-los quando estão com o celular nas mãos, “trocando mensagens sem parar”. Para Frederico Garcia, uma forma de lidar com isso é cortar o uso por crianças e adolescentes. “Tem pai que corta a linha telefônica. Vai ter briga, confusão, mas abre-se aí uma discussão importante. Além disso, a tela do dispositivo móvel tem uma ação estimuladora do sistema nervoso, o que leva o indivíduo a ficar mais irritado, agitado e diminui o tempo do sono. A tecnologia é boa, mas traz consequências quando não há um controle, e isso deve ser levado em consideração”, avisa.

Já para a psicóloga clínica e professora de psicologia da Faculdade Newton Paiva Silvia Flores, os pais devem sair do processo de fiscalização e entrar na posição de interação. “E para interagir tem que atrair. Não se pega uma abelha com céu, mas com mel. Por isso, os pais devem criar interações mais agradáveis para seus filhos, que façam eles abandonarem o vício. Saber o que eles gostam de fazer é um ponto. Não ficar criticando as crianças é outro. E há de se entender a nova geração”, pontua.

Curtir o momento
Diante da realidade dos smartphones nas mesas de bar, em que muitas pessoas parecem preferir o uso dos celulares à conversa real, a Agência Tudo adotou o mote “Buteco, a verdadeira rede social” durante o Comida di Buteco 2013, que em Belo Horizonte terminou em 18 de maio. A intenção da campanha foi estimular os ‘butequeiros’ a curtir o momento, deixando os aparelhos em cima da mesa. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, há restaurantes onde os roteadores de wi-fi incentivam os clientes a não usar os celulares enquanto estão no local e a aproveitar o momento com as pessoas.

Uma questão de escolha
Ramon Lisboa/EM/D.A Press
O executivo Antônio Moreira, com a secretária Nayhara Silva, acredita que nada substitui o contato olho no olho (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)

Apesar de há oito meses ter um smartphone e saber quais as possibilidades que ele apresenta, a estudante Sophia Ferreira, de 21 anos, diz preferir o esporte a ficar o dia todo conectada ‘curtindo’, ‘compartilhando’, ‘postando’ ou trocando mensagens. Da mesma forma, o advogado e executivo Antônio Moreira, de 45, que tem dois tablets e um smartphone, diz preferir a boa educação e o encontro presencial ao mundo de acessos que as novas tecnologias oferecem. Os dois, que reconhecem os benefícios que os aparelhos trazem, dizem que jamais vão perder as boas coisas da vida por causa de um dispositivo móvel. Conseguiram esse equilíbrio com bom senso e consciência para usar o que hoje virou sinônimo de abuso.

Com a teoria de que há uma vida imensa e real para ser vivida, Sophia e Antônio representam o que os especialistas defendem: não se pode negar a tecnologia, mas saber usá-la. Sophia mora no Rio de Janeiro e faz estágio em uma academia de ginástica. Outro dia, reparou que, durante um lanche na academia, os cinco colegas que estavam ao seu lado comiam e se comunicavam com o celular. Sophia não quer isso para ela. “Estou conectada nas redes sociais, tenho Facebook, Whatsapp e Instagram, mas não me mantenho refém.” A diversão da jovem é o esporte. Ela corre, participa de maratonas, faz surfe e musculação. “Acho que estou mais saudável desse jeito. É muito estranho alguém sentar em um bar e, em vez de conversar com seus companheiros, mexer no celular. Não quero isso para mim”, desabafa.

Segundo o psicólogo e mestre em análise do comportamento Gustavo Teixeira, é possível conciliar uma vida ativa com o mundo 3G. “Se você está com uma vida entediante e vazia, tirar o aparelho de suas mãos, algo que lhe dá prazer, pode não ser tão produtivo. Mas, pode-se lidar com isso colocando na agenda compromissos que lhe dão alegria e vão, de uma certa maneira, afastar você dos vícios do aparelho, como ir a um show, a um teatro ou praticar esporte. A dica é enriquecer o dia com práticas compatíveis e interessantes. Uma pessoa pode ficar presa a essas novas tecnologias em função de uma vida sedentária.”

ATRAENTE
Arquivo pessoal
'Estou conectada às redes sociais, tenho Facebook,Whatsapp e Instagram, mas não me mantenho refém', diz Sophia Ferreira, estudante (foto: Arquivo pessoal)
Para a psicóloga Silvia Flores, o nosso mundo individual é muito atraente. “O outro muitas vezes nos incomoda. Naquele momento em que quero falar o outro está falando, por exemplo. Com os dispositivos móveis sacia-se de interação por meio da interação ilusória. É mais fácil lidar com a sombra do outro.” Ela diz que as pessoas atualmente estão com dificuldades para se relacionar e têm descoberto novas formas para isso. “Sobre o que conversávamos antigamente? Na segunda-feira, falávamos sobre as coisas que passaram na televisão durante o fim de semana. As pessoas sempre se relacionam por meio das mídias. Hoje, temos outras.” Segundo ela, não se pode falar que o virtual não é o real. “Pode-se criar um mundo próprio, em que a pessoa se isola mesmo estando na presença de outro alguém.”

Ela ressalta que ainda não criamos regras para o uso dos dispositivos móveis, mas acredita que, com o passar do tempo, isso vai fluir normalmente. “Tem havido uma falta de etiqueta. As pessoas estão se permitindo se isolar. Não acredito que seja algo irreversível, mas uma postura que será reajustada para a medida do uso saudável, que é ter a consciência de si mesmo. O que você precisa no momento? Mais contato social ou virtual?”, propõe. É esse bom senso que Antônio Moreira procura ter. “Temos que entender que, se há alguém na sua frente, por que dar mais atenção a alguém que está distante?”

Executivo, quando participa de reuniões ou encontros, Antônio não leva o celular em respeito aos outros e a si mesmo. “Gosto de ir ao cinema, mas não vou com o dispositivo. Tenho amizades Brasil afora e as novas mídias me ajudam nisso. Sempre trabalhei com pessoas da minha idade. Hoje, o mais velho dos meus colaboradores tem 22 anos”, conta. Com a tecnologia, Antônio diz estar mais perto da sua equipe, porém, não acha que isso substitui o contato olho no olho. “A mídia é interessante, mas é diferente de um abraço ou de um aperto de mão. Acho que não se pode perder a educação, é preciso bom senso, usar o telefone quando for o momento apropriado e, principalmente, saber equilibrar as coisas”, afirma. (LE)

EXPERIMENTE

Se você se identificou com essa reportagem e usa o smartphone mais do que deveria, tente usar algumas dicas de especialista :

- Procure regular a quantidade de vezes que você acessa a internet do seu celular. Dê um limite a você mesmo para isso

- Quando estiver em um encontro importante, procure deixar o aparelho no silencioso ou retire o acesso à internet

- Quando estiver com amigos ou parentes, tente ouvir o que eles têm a dizer. Procure interagir em uma conversa olho no olho, e só se conecte ao celular caso for necessário

- Lembre-se: não podemos perder nossos contatos reais em função do virtual

- Procure fazer mais coisas de que gosta. Vá a teatros, shows ou se dedique a um esporte