“As pessoas agora possuem histórias mais complexas, tramas perigosas em que me enredo a cada passo ou conversa.” A frase foi extraída de Dora sem véu, novo romance do cearense Ronaldo Correia de Brito, mas caberia também como descrição de Onde nascem os fortes, série escrita pelo pernambucano George Moura (em parceria com Sérgio Goldenberg) e com direção artística do mineiro José Luiz Villamarim. Além da excelência e relevância, livro e série têm em comum o protagonismo feminino em um ambiente dominado pelos homens, o sertão nordestino, permeável também às transformações econômicas e tecnológicas das últimas décadas.
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No livro novo, Ronaldo Correia de Brito escolheu a primeira pessoa para narrar a saga de Francisca, socióloga encarregada pela família de resgatar o passado da avó, Dora. Na jornada, a pesquisadora se depara com histórias de violência, rancor e fé, todas narradas com a habitual elegância e intensidade do escritor. “Dora sem véu é mais tempo presente, Brasil ano 2018, escancaro sem pudor os males da nossa colonização que nunca cessa, se transforma, assume outros nomes e outros colonizadores, mas é sempre a velha colonização que nos esmaga e enche de mazelas”, afirma.
Já o pernambucano George Moura, radicado no Rio de Janeiro, voltou ao Nordeste – onde ambientou Amores roubados (2014), inspirada no livro A emparedada da Rua Nova (de Carneiro Vilela) – para tecer, com o parceiro Goldenberg, a trama de Onde nascem os fortes, em exibição na Rede Globo. Com ecos de faroeste (a partir do título), tragédia grega e melodrama, a série em exibição até julho é um oásis no deserto audiovisual da TV aberta: direção e atuações impecáveis, trilha sonora inspirada (capaz de trafegar de Elba Ramalho a Velvet Underground com idêntica desenvoltura) e dramaturgia sólida, calcada em poucos, ricos e ambivalentes personagens. Mais adequado do que oásis, talvez, seja comparar os Fortes a um açude que, ao “sangrar”, é capaz de irrigar a aridez de ideias e imagens da produção nacional contemporânea.
Como no romance de Ronaldo Correia de Brito, Onde nascem os fortes tem protagonistas femininas que desafiam a hegemonia patriarcal num sertão contemporâneo, mas ainda áspero, machista e violento. “A estranheza é notar como um lugar, apesar de uma nova roupagem mais contemporânea como a presença de motos, celulares e roupas industriais, pode ainda permanecer tão arcaico em seus valores e na sua permanência de status quo econômico”, afirma George Moura, em entrevista ao Pensar. Ao lado, entrevistas com os dois autores.