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Futebol, política e a identidade nacional

Devido à sua extraordinária importância cultural e social, o futebol no Brasil é um elemento decisivo para a esfera política e, no nível da micropolítica, articula grande parte das dinâmicas sociais e culturais, da identificação individual e coletiva até as mais variadas formas de comunicação e codificação midiática. Dentro dessa polaridade, o futebol é um dos campos mais cobiçados para a concepção e concretização de identidades clubísticas, locais e regionais, culminando nas propostas identitárias nacionais do “país do futebol” e do “melhor futebol do mundo”.

Revendo a história do futebol brasileiro na sua dimensão internacional, se evidencia um contraponto entre a evolução da filosofia do jogo e os rumos políticos do país, entre “futebol de resultados” e “futebol-arte”. A construção identitária brasileira, focada através do futebol, está atravessada pelos conflitos sociais e políticos que o constituem enquanto nação. Nas primeiras décadas do século 20, o jogo bretão importado e elitista se transforma em esporte popular e nacional.

Na Copa do Mundo de 1938, na França, o Brasil de Leônidas da Silva inaugura seu papel singular no palco global, e a partir daí, Gilberto Freyre e Mário Filho contribuem para a mitologia do “futebol mulato”, marcado pelo ritmo e a elasticidade dos jogadores de cor, em correspondência com a mitologia política da “democracia racial” e “nação mestiça” propagada pelo Estado Novo.

O trauma de 1950 faz desmoronar essa construção e evidencia a fragilidade da identidade projetada através do futebol. O título mundial em 1958 combina perfeitamente com a modernização esperançosa do país na Era JK e se confirma com o bicampeonato de 1962. O tricampeonato de 1970 é aproveitado pelo regime militar (através da transmissão televisiva ao vivo e em cores), mas, ao mesmo tempo, revela um futebol muito livre e criativo da Seleção. A disputa de 1974 é uma decepção e a Copa de 1978 é desfigurada pela ditadura militar argentina.

Os torneios de 1982, 1986 e 1990 vivenciam uma Seleção de jogo e estética extraordinários, mas sempre eliminada com derrotas trágicas. A isso corresponde a visão do país passando por um dolorido processo de redemocratização e por crises econômicas profundas.

Nessa época, o futebol incorpora muito da força libertadora do jogo e se livra das projeções identitárias nacionalizantes; a Seleção “mágica” de 1982, eliminada pela Itália, nos faz lembrar o encanto utópico e melancólico do futebol-arte, perdido nas décadas posteriores.

Em 1994, o Brasil “neoliberalizado” do impeachment de Collor, de escândalos de corrupção massiva e do Plano Real ganha, com um futebol “pouco brasileiro”, o tetracampeonato tão desejado... nos pênaltis. Em 1998, esse Brasil “realista” não se conforma com a derrota na final de Paris, e inaugura uma nova dimensão na comercialização do futebol e do simbolismo nacional, transformando a camisa canarinho em marca global.

Consequentemente, o pentacampeonato em 2002 é mais evento do que esporte, e não consegue esconder a crise estrutural que vai surgindo no futebol brasileiro. As copas de 2006 e 2010 são no máximo medíocres, e o declínio culmina na Copa de 2014, quando os sonhos da nação desenvolvida e modernizada se chocam com os protestos sociais, quando a dramaturgia da “Copa das Copas” se desfaz na repetição do trauma de 1950, evidenciando ainda mais nitidamente a crise política, social e institucional do país e do futebol brasileiro.

Quatro anos mais tarde, a Seleção do técnico Tite parece mesmo ter-se reencontrado enquanto time e símbolo nacional, garantiu de forma impressionante a sua vaga na Copa de 2018 e voltou a jogar um futebol para além dos meros resultados, revitalizando o ideal do futebol-arte e o sonho de uma recuperação da inocência ou autenticidade do futebol.

*Professor do Departamento de Espanhol e Português da Johannes Gutenberg-Universität, Mainz (Alemanha), sua tese de doutoramento faz análise comparativa entre Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, e Doutor Fausto, de Thomas Mann.

Alexandre Junior

Artista mineiro formado pela Escola de Belas-Artes da UFMG, trabalha nas linguagens do desenho, da ilustração e dos quadrinhos. Entre suas exposições, destacam-se Apenas mais um parabéns para você nesta data querida (2012), Nó (2012), Reis do ringue (2013, 2014), Vigiar (2016) e Momento que passa, desenho que fica (2018). A série O legado da Copa 2014 foi o riso explora o humor dos brasileiros diante da derrota para a Seleção Alemã na Copa do Brasil, apropriando-se de uma corrente de humor nas redes sociais, que criou expressões populares e piadas novas, como o Khedirismo, em alusão ao jogador alemão Sami Khedira, um dos algozes alemães do Brasil no fatídico 7x1. No Khedirismo, troca-se qualquer texto de notícia, mensagem etc.
por palavras-chave presentes na data da vergonha nacional.
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