Um outro olhar

Da edição icônica ilustrada por Poty (E) à 21ª, livro teve pelo menos 19 capas nas versões em português. Confira as apresentações propostas pelos ilustradores Lélis e Quinho

Eduardo Murta



Desde que o curitibano Poty foi convidado pelo editor José Olympio para produzir a icônica capa de lançamento de Grande sertão: veredas em 1956, a apresentação do livro foi ganhando interpretações múltiplas. Foram pelo menos 19 capas em seis décadas, o que, somente nas edições em português, equivaleria a uma a cada três anos. Como o texto rosiano, o olhar é plural, variando da estética de enfrentamento às abordagens ora quixotescas ora poéticas. Neste caderno especial, os ilustradores Lélis e Quinho também propõem uma leitura particular como moldura para a obra, curiosamente escrita em Paris.

Assim como a interpretação gráfica, as versões em outros idiomas foram ganhando o mundo à medida que se percebia a grandeza da publicação. A primeira delas foi para o inglês – The devil to pay in the backlands, em 1963, nos Estados Unidos –, que especialistas afirmam ter provocado profunda irritação em Rosa.

Meticuloso, perfeccionista, ele dominava outras línguas desde cedo. “Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do checo, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração”, afirmara num trecho de carta-entrevista à prima Lenice Guimarães de Paula Pitanguy.

Não foi por acaso que cuidou pessoalmente de encontrar termos que não contaminassem sua escrita ao estabelecer relacionamento afinado com outros tradutores. Fato é que em português, eslovaco, catalão ou dinamarquês Grande sertão: veredas cumpriu o delicado desafio de um dos tantos personagens que Guimarães Rosa, ainda que em outra de suas obras, esculpiu: alcançou a terceira margem do rio.



Pílulas rosianas em Grande sertão: veredas

“Por que não ficamos lá? Sei e não sei. Sesfrêdo esperava de mim toda decisão. Algum remorso, de não se cumprir de ir, de desertados? Não vê que não, desafasto. Gente sendo dois, garante mais para se engambelar, etcétera de traição não sopra escrúpulos, como nem de crime nenhum, não agasta: igual lobisomem verte a pele. Só se, companheiros sobrantes, a gente amiúda no ajuizar o desenroso assunto, isto sim, rança o descrédito de se ser tornadiço covarde.”


“Digo tudo, disse: matar-e-morrer? Toleima. Nisso mesmo era que eu não pensava. Descarecia. Era assim: eu ia indo, cumprindo ordens; tinha de chegar num lugar, aperrar as armas; acontecia o seguinte, o que viesse vinha; tudo não é sina? Nanja não queria me alembrar, de nenhum, nenhuma. Com meia-légua andada, por um trilho. É preciso não roçar forte nas ramagens, não partir galhos. Caminhar de noite, no breu, se jura sabença: o que preza o chão – o pé que adivinha.”


“Antes foi uma coisa acontecida repentina: aquele alvoroço, na cavalhada geral. Aí o mundo de homens anunciado de si e sobre o vasto chegando, da banda do Norte. Joca Ramiro! – “Joca Ramiro!” – se gritava. Sô Candelário pulou em sela, assim como ele sempre era: mola de aço. Deu um galope, em encontro. Nós todos, de começo, ficamos atarantados. Vi um sol de alegria tanta, nos olhos de Diadorim, até que me apoquentou. Eu tinha ciúme? – Riobaldo, tu vai ver como ele é!” – Diadorim exclamou, se abraçou comigo. Parecia uma criança pequena, naquela bela resumida satisfação.”




1956
o lançamento


na 21ª edição está o livro



1963
a primeira tradução, para o inglês


em 10 idiomas, além do português

. Inglês
. Espanhol
. Alemão
. Francês
. Italiano

. Holandês
. Dinamarquês
. Tcheco
. Eslovaco
. Catalão

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