Do tamanho do mundo

EULER JÚNIOR/EM/D.A PRESS
(foto: EULER JÚNIOR/EM/D.A PRESS)
Philippe Enrico
59 anos, francês, artista plástico


“Ainda em Paris, já tinha ouvido falar de Guimarães Rosa. Tinha lido outras obras brasileiras traduzidas. Quando me mudei com minha mulher para o Ceará, li Graciliano Ramos, José de Alencar. E foi uma novela da Bandeirantes, Mandacaru, que me chamou a atenção para o mundo do cangaço. O curioso é que em Grande sertão: veredas fui apresentado a um outro sertão. E há ali uma história de amor por excelência. É um livro universal.

Sou um apaixonado por literatura. E essa obra é uma espécie de abertura para o infinito. Não percebi isso de imediato, mas vi que o sertão presente ali era isso. Li depois de uns cinco, seis anos de Brasil, quando havia me mudado com minha esposa (carioca) de Fortaleza para Belo Horizonte. Comprei o exemplar de Grande sertão veredas num sebo. Ainda que soubesse que há uma tradução em francês, havia decidido: vou ler em português. Sabia que era uma língua difícil. E Guimarães Rosa, mais ainda. Depois das primeiras páginas, fiquei encantado. Percebi a grandeza da dimensão poética. Minha esposa, Márcia, que já tinha lido, deixou-me descobrir esses efeitos, como os de uma travessia, cujo símbolo está ao final do livro.



Mesmo tendo dificuldade com muitas, muitas palavras (recorri várias vezes ao dicionário e, como não achava os significados, fui desistindo de consultar). A primeira, nonada, me fez pensar: não vou entender. Minha esposa me socorreu em várias dúvidas. Mas, no fundo, deixei passar muitas palavras. Preferi assim, ou teria de parar o tempo todo. Aos poucos, me vi como num daqueles jogos em que você coloca um tanto de letras embaralhadas e, automaticamente, consegue interpretá-las. O sertão, como diz o livro, é do tamanho do mundo.

Não sei se tem a ver com o fato de eu ser estrangeiro, mas essa riqueza dos cenários, do espaço... A forma de mostrar as coisas mais simples, os bichos, as plantas. Assim como os pintores impressionistas enxergaram e exploraram a luz. E há ainda a ambivalência – Deus, o diabo. É uma obra aberta. Mais do que em qualquer autor, você vai encontrar os mínimos detalhes e, ao mesmo tempo, uma dimensão planetária, como na frase ‘o sertão é do tamanho do mundo’. Haverá sempre um horizonte, uma janela.”

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