Mesmo assim, escrever a história de Antônio e seus affairs foi uma aventura.
Presente em toda a narrativa está Eduardo, amigo morto de Antônio, mas vivo na figura de um observador que não se furta em comentar as desventuras do amigo. Este sim é um personagem resgatado da vida real, um amigo que Domingos perdeu no dia seguinte àquele em que escreveu as primeiras linhas do livro. “Descobri também, com deleite, que a vida do dia a dia, o impacto do imaginado com o real que sempre me guiou e encantou em todos os meus filmes, encontrava, ali na prosa, sua vocação como principal elemento criador”, conta. Antônio pode não ser exatamente o próprio Domingos, mas não há como escapar da vida real. A única forma de escrever, ele defende, é colocar na obra o cotidiano vivido.
Pode contar como criou Antônio? Ele tem alguma conexão com personagens de seus filmes ou com você mesmo?
Não pode ser dito que é um livro biográfico, tanto quanto a maioria dos meus filmes. A prosa tinha me atraído muitíssimo na minha autobiografia. Foi quando descobri que a prosa é uma linguagem na qual eu me envolvia com graça e leveza e onde era fácil seguir pelo menos uma das minhas propostas básicas como escritor, que é o que sou: um escritor sério que faz um enorme esforço para fingir que não é. Percebi logo, nos meus embates com a forma literária, que somente havia um modo de escrever: colocar na obra todo o seu cotidiano.
Você diz que não há como escrever sem colocar na obra todo o seu cotidiano. Como é isso?
É bem verdade que você assume, quando faz isso, a obrigação de estabelecer ligações entre o seu cotidiano e aquilo que você tinha tão zelosamente armado.
E isso está em tudo o que você escreve?
Meus amigos e quem trabalha comigo nas peças e filmes dizem que eu não paro quieto. Modifico tudo até o último momento, pegando o bonde da realidade. Aproveitando o prazer do vento que bate na cara quando você muda de direção. Gostei de escrever prosa. Achei fácil.
Há muitas cenas íntimas no romance. Qual o papel delas?
Todas as cenas são íntimas. Caso contrário, o livro não é bom.
Você considera o livro literatura erótica? Qual o lugar desse gênero na literatura brasileira?
Absolutamente, não. É um livro pessoal com estilo próprio. A última obra que pode ser considerada “literatura erótica” é A casa dos budas ditosos, do amigo Ubaldo. Antes disso, pouco. Sade, Henry Miller. A literatura erótica nunca me deu tesão, prefiro as mulheres. Mas para o erótico ser verdadeiramente sexual é preciso conter a sadia e intensa dose de romantismo. E nem todo dia é dia santo.
Você já escreveu muitas peças e roteiros. Como foi o romance? O que o fez escrevê-lo e não transformar a história, por exemplo, em um romance?
Não sei muito bem dessa diferença de gêneros. São histórias que se contam, não importa o modo de contá-las. Sou da geração do cinema. Gostaria muito que meu próximo filme fosse o Antônio. Ia dar um dinheirão sem perder a ternura. Não é importante a forma como você conta. Não é importante sequer o que você conta. Importa apenas o olhar. O modo de ver a história que você conta. O resto são formalidades..