Não.
A influência surgiu para o escritor a partir de uma série de ilustrações feitas pelo artista gráfico e também quadrinista italiano Lorenzo Mattotti e que foram lançadas em comemoração à encenação da peça teatral de João e Maria no Metropolitan Opera, de Nova York. Contrastando com sua rica e iluminada palheta de cores, Mattotti optou pelo seco contraste do nanquim. Preto e branco criando sombrias ilustrações gestuais, quase abstratas. Perfeito retrato de uma opressiva floresta cercada de perigos.
Com base nesse clima soturno, Neil Gaiman não reinventa o conto. Ele o reescreve. Se a estrutura básica dos contos de fadas prima pelo texto extremamente curto, imposto pela necessidade da tradição oral – afinal, ele deveria ser contado para outra pessoa e assim por diante. Agora, o autor não mais está preso a essas amarras.
O contraste é claro. Se a penúria vivida pela família abre o capítulo inicial do conto clássico de maneira direta e já, de cara, nos propõe em poucas linhas o plano de deixar as crianças na floresta, Gaiman nos traz uma bela narração introdutória, com o desenvolvimento da história dos personagens e a gradual degradação da condição de vida da família devido à guerra (elemento que não existia originalmente) e o que se seguiu depois dela. E essa é outra característica importante.
A inclusão de pequenos elementos e detalhes dá um tom mais realista e amplifica a estranheza dentro da história, retirando o viés de ser apenas uma fábula moral sobre provação e superação e, assim, tornando palpável o desconforto. A sutil inclusão de correntes que prendem Maria ao pé da mesa na casa da velha senhora, por exemplo, é um desses pontos.
Gaiman retrabalha com maestria a obra, incorporando vários diálogos e enriquecedoras figuras de linguagem, ora de forma poética, ora de maneira aterradora. Como é usado para ressaltar a visão infantil sobre o medo da escuridão que se aproxima do bosque. A noite simplesmente não cai na floresta. É o dia que míngua, e “as sombras se esgueirando, saindo de debaixo de cada árvore”, cobrem tudo com suas trevas.
*Valf é ilustrador.