Pesquisador rebate as versões que mostram dom Pedro I como farrista e politicamente inábil

Autor defende que o imperador foi um grande estadista apaixonado pelo Brasil

por Ana Clara Brant 01/01/2016 08:00

Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Gabriel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon. Realmente, é um nome digno de um soberano, mas ele ficou conhecido simplesmente como dom Pedro I, no Brasil, e dom Pedro IV, em Portugal. O monarca, nosso primeiro imperador, também era chamado de o Libertador por ter proclamado a independência brasileira. E entrou para a história como um homem farrista, de sexualidade exacerbada e temperamento difícil, além de político de pouco tato.


Leandro Couri/EM/D.A Press - 20/9/13
O IMPERADOR DO BRASIL EM RETRATO PINTADO POR SIMPLÍCIO RODRIGUES DE SÁ (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press - 20/9/13)
No entanto, há muito ainda a saber sobre o filho de dom João VI e Carlota Joaquina, morto há quase dois séculos, curiosamente, no mesmo quarto em que nasceu, no Palácio de Queluz, nos arredores de Lisboa. E foi justamente essa lacuna que chamou a atenção do escritor e pesquisador Paulo Rezzutti, que acaba de lançar D. Pedro – A história não contada: o homem revelado por cartas e documentos inéditos (Leya). Membro titular do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, ele trabalhou como consultor técnico na exumação dos corpos de dom Pedro e suas duas esposas, dona Leopoldina e dona Amélia de Leuchtenberg, realizada em 2013. Mas foi por meio de sua pesquisa sobre a amante de Pedro I, a marquesa de Santos, sobre a qual escreveu dois livros, Titília e o Demonão: cartas inéditas de d. Pedro I à marquesa de Santos e Domitila, a verdadeira história da marquesa de Santos, que Rezzutti decidiu mostrar o outro lado do nosso soberano. “Por meio dessas cartas, passei a ter um novo olhar sobre dom Pedro. Por meio delas, pude ver a atenção que ele dava aos filhos, inclusive tratava todos, fossem legítimos ou não, da mesma maneira e tinha uma preocupação extrema com a educação de sua prole, coisa que ele não teve ao longo da vida. Dom Pedro I não era esse porra-louca que muita gente imaginava”, destaca Rezzutti.


O historiador acrescenta que a imagem do imperador foi bastante deturpada ao longo dos anos e a impressão que se tem é a de que, no Brasil, o único Pedro que prestava era o segundo. “Até dentro da família real eles não conhecem a própria história. Dom Pedro II aprontou tanto quanto o pai, só que era mais come-quieto e discreto e um personagem mais palatável e fácil de lidar. Mas a figura de dom Pedro I sempre me pareceu mais interessante. Por isso decidi me aprofundar”, revela.


Rezzutti ressalta o lado humano de seu biografado, sobretudo após sua partida para Portugal, em 1831, quando abdica do trono brasileiro em nome de dom Pedro II, que tinha apenas 5 anos. Aqui, o imperador deixou os filhos ainda pequenos, com exceção de Maria Amélia, fruto do seu casamento com a imperatriz Amélia, que foi junto com ele. O soberano sofreu bastante com isso e jamais veria seus herdeiros novamente. “E as crianças sofreram muito também. Um dos bilhetes enviados ao pai por dom Pedro II está manchado por lágrimas e o pequeno imperador ainda pede um pedaço do cabelo de dom Pedro I. O texto diz: “Meu querido pai e meu senhor. Tenho tantas saudades de V.M.I. (Vossa Majestade Imperial) e tanta pena de não lhe beijar a mão. Com obediente e respeitoso filho Pedro, peço a V.M, um bocadinho de cabelo de V.M.I”. Em sua obra, o escritor também confronta a tese de que o responsável pelo Grito do Ipiranga maltratava a primeira mulher, a princesa austríaca Leopoldina. “Ele não foi santo, mas amava dona Leopoldina do seu jeito peculiar, como são peculiares todos os modos de amar alguém. E a história de que ele teria empurrado a mulher escada abaixo e provocado a fratura de um dos fêmures dela foi descartada pela exumação dos restos mortais feita recentemente”, afirma.

SANANDO DÍVIDAS Entre outras curiosidades apresentadas no livro, em uma carta ao pai, dom João VI, datada de 1821, dom Pedro informava que precisaria apertar os cintos da economia e que tal medida começaria pelo próprio príncipe: “Comecei a fazer bastantes economias principiando por mim (...) eu não faço de despesa quase nada em proporção do que dantes era, mas se ainda puder economizar mais, o hei de fazer a bem da Nação”, escreve em um trecho do documento. “Ele começou a cortar na própria carne e teve essa preocupação em sanar as contas públicas. Algo que está faltando nos governantes de hoje”, brinca o pesquisador.


Para Rezzutti, a imagem caricata e enigmática e as lendas a respeito do soberano foram criadas pela elite da época e acabaram permanecendo, infelizmente. O historiador conta que, quando Pedro I foi embora, os políticos daqui se sentiram livres para fazer o que bem quisessem. E foi nessa época que surgiu o Partido Restaurador ou Caramuru, ligado ao imperador, e que começou a exigir sua volta da Europa. “Foi um balde de água fria em cima de quem estava deitando e rolando no governo. Esses políticos, morrendo de medo de que Pedro I retornasse, começaram a criar uma série de artigos na imprensa pintando ele como capeta. Por isso, surgiram as lendas e a má fama em torno dele, justamente para mobilizar a opinião pública para que ele continuasse em Portugal. Mas dom Pedro deixou claro que só voltaria se o povo brasileiro exigisse”, esclarece.


Mesmo com todas as suas contradições, o autor ressalta que o primeiro imperador do Brasil foi um personagem rico de personalidade e nuances e que merecia ter suas outras facetas reveladas. “Ele teve defeitos, claro, porque ninguém é perfeito. Mas foi um abolicionista, um grande estadista e enfrentava qualquer um de peito aberto. Dom Pedro tinha uma grande paixão pelo Brasil e pelas mulheres, como ficou provado, e era esse fogo que ele tinha pela vida que o levou adiante e a fazer história”, resume.

 

D. Pedro – A história não contada: O homem revelado por cartas e documentos inéditos
De Paulo Rezzutti
Editora: Leya
464 páginas
R$ 59,90

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