Eufrásia Teixeira Leite (1850-1930) inspirou Zizinha, protagonista do romance Um mapa todo seu, lançado por Ana Maria Machado. Ex-presidente da Academia Brasileira de Letras e autora de cerca de 100 livros, essa carioca faz reviver, por meio da ficção, uma das mulheres mais fascinantes do Brasil.
Amor da vida de Joaquim Nabuco, a bela milionária de Vassouras nunca se limitou a sinhazinha. Órfã aos 20 e poucos anos, a moça recusou a tutela do poderoso tio barão e tocou os negócios do pai, sujeito esclarecido que gostava de conversar sobre o mundo das finanças com a caçula. Trocou a provinciana cidade fluminense pela capital francesa, livrando-se da parentela. Pioneira, frequentou a Bolsa de Valores de Paris – para surpresa dos europeus – e investia nas ações certas. Diferente das mulheres de sua época – a mãe, fina flor da elite cafeeira, nem sequer sabia ler –, Eufrásia correspondia-se com investidores, entre eles os graúdos do clã Rotschild. Perdeu dinheiro depois da revolução russa de 1917 e no crash de 1929, mas soube se reerguer.
Zizinha fazia belo par com o charmoso, culto e refinado Joaquim Nabuco (1849-1910), abolicionista e orador brilhante.
Um mapa todo seu é o livro de Eufrásia. A trajetória dessa moça à frente de seu tempo não é propriamente desconhecida. José Carlos Bruzzi Castello escreveu sua biografia (esgotada há anos), historiadores lhe dedicaram artigos e a pesquisadora Angela Alonso a “resgatou” no volume da série Perfis brasileiros sobre Joaquim Nabuco. Mais recentemente, o jornalista Marcos Sá Corrêa publicou reportagem sobre ela na revista Piaui.
Coube a Ana Maria Machado nos fazer cúmplices dessa mulher que trabalha, ama, sofre, ousa – e paga o preço disso. Sagaz, Zizinha derrotou, à sua maneira, o opressivo mundo intolerante que a cercava. Às ricaças oitocentistas, no máximo, era reservado o tal “bom” casamento. Mas ela, com sua competência, multiplicou a fortuna do pai. O noivo lutou para abolir a escravatura. Eufrásia, de certa maneira, “comprou” a própria liberdade.
Detalhe: não se trata de mulher “empoderada” pela viuvez, como as matriarcas valentes que encontramos na história da elite nacional. Zizinha/Eufrásia fez tudo sozinha: sem tio barão, sem noivo brilhante.
Quincas se casou com outra. Rompeu com Zizinha depois que ela “ousou” lhe oferecer dinheiro ao vê-lo arruinado por uma campanha política. Eufrásia morreu octogenária, vários anos depois dele, escrevendo – ela própria – o próprio grand finale. Não deixou a imensa fortuna para os parentes, fez do povo de Vassouras seu herdeiro. Graças a ela, até hoje lá estão o hospital, o quartel da polícia e escolas.
Pensando bem, seria mesmo anacrônico chamar Zizinha de feminista?
UM MAPA TODO SEU
De Ana Maria Machado
Alfaguara
224 páginas
R$ 27,90.