Antologia do poeta cearense Adriano Espínola joga luzes sobre objetos cotidianos

Publicação evidencia a clareza da lírica simples e direta do escritor, mas atenta às dores do mundo

por Felipe Seffrin 11/12/2015 12:30

Fabrício Marques *

 

Se a vida é feita de escolhas, Adriano Espínola poderia ter sido o nadador que desbrava ao menos quatro estilos permitidos no contato com a água: peito, costa, golfinho e nado livre. Mas este cearense de Fortaleza, nascido em 1952, optou pela poesia (ou foi escolhido por ela?), em cujas águas também pratica diversos estilos (cabe acrescentar que ele também é professor de literatura e ensaísta – é autor de trabalhos relacionados a Gregório de Matos e Sousândrade).

Diulgação
(foto: Diulgação)
Espínola começou em 1981 e, seis livros depois, oferece aos leitores a antologia Escritos ao sol (Record, 2015), com quatro de suas criações: Praia provisória (2006), Beira-sol (1997), Trapézio (1985) e Táxi ou poema do amor passageiro (1986).

Praia provisória e Beira-sol reúnem poemas em que predomina o lirismo dos seres e das coisas apreendidos no cotidiano de uma cidade “fera,/ na alva coleira/ do novo dia”. Trapézio é uma coleção de haicais, enquanto Táxi é um longo poema urbano, erigido em versos livres.

Não obstante essa diversidade de temas e formas, um fio condutor atravessa todo o livro, a luminosidade: é um livro de escritos ao sol, tanto no sentido de poemas dedicados ao astro solar quanto de terem sua origem em uma linguagem às claras. Como destacou o poeta em uma entrevista: “O sol foi meu grande professor de poesia, porque ele me ensinou a ver as coisas. Esse sol assim, pontiagudo, cortante, muito forte, muito intenso, fez com que as coisas fossem vistas com um certo fulgor existencial e sensorial ao mesmo tempo”.

Contudo, aqui e ali, essa claridade também coloca em primeiro plano as dores da existência, como evidencia o poema O prego: “O que mais dói/ não é o retrato/ na parede,// mas o prego ali/ cravado, / persistente -// no centro da mancha/ do quadro/ ausente.”

Em Táxi, um dos pontos altos do livro, o poeta embarca em uma viagem erótica e vertiginosa com sua amada, ambos levados por um taxista, e todos são transportados por uma cidade litorânea que, na verdade, são muitas cidades, expondo sua vida nervosa e múltipla repleta de personagens e episódios das mais diversas faturas.

Pão, cebola, lixeira, mariposas, pesca, mar, praia, duna, cavalo, jangadeiro, coqueiro, urubu, praça, lavadeiras, árvore, frutas, cão e gato: dispersos no dia a dia citadino, todos são objeto da atenção do poeta, sujeito às leis do acaso. Mas, pela mágica da poesia, são resgatados do caos pela necessidade imperiosa de fixar em versos “a beleza má/ do poema”.

* Fabrício Marques é jornalista, escritor e doutor em literatura comparada. Autor de Sebastião Nunes (ensaio, Ed. UFMG, 2008), Dez conversas (entrevistas com poetas contemporâneos, Ed. Gutemberg, 2004), A fera incompletude (poesia, Selo Dobra Literatura, 2011) e Uma cidade se inventa (ensaio-reportagem, Scriptum, 2015)

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