Fabio Weintraub fala sobre os absurdos da violência do cotidiano em 'Treme ainda'

No lançamento, poeta mostra personalidade e talento consolidado

por André Di Bernardi Batista Mendes 20/11/2015 12:30
O poeta Fabio Weintraub acaba de lançar Treme ainda (Editora 34), que dá continuidade a um projeto criativo sobre as formas de desagregação no contexto urbano das cidades. Nada mais apropriado, nada mais justo, neste momento de fissuras, incertezas, medos e terror. A ideia teve início com Novo endereço (2002), obra vencedora do prêmio internacional Casa de Las Américas. Aqui, Weintraub recolhe estilhaços da vida íntima desmantelada por diversas situações de crise com retratos de párias, mendigos, assalariados a caminho da mendicância, doidos e andarilhos.

Editora 34/Reprodução
(foto: Editora 34/Reprodução)
Pária, a poesia é isso. Impura, desprezível, inerte, boba. A poesia pode ser faca antes de ser pão. E a poesia de Weintraub desestabiliza. O poeta não questiona, ele aponta sua lâmina afiada, pronta para restaurar, pronta também para reabrir cicatrizes. A poesia é isso. Todo (bom) poeta vive em fuga, todo artista é meio doido, pois prega no deserto sempre à espera de mínimas, sempre à espera de possíveis borboletas. Fabio Weintraub é poeta.

Iniciada em 2002, a série segue com a coleção Baque (2007), em que processos de cisão da voz lírica presentes no livro anterior são retomados numa chave mais expressionista. O autor, assim, volta a abismar-se com a loucura, o suicídio, a disfiguração, numa distopia cheia de fogo e ira. Weintraub é bom e ruim ao mesmo tempo, como nestes versos de Treme ainda: “Falo com a autoridade/ de quem tudo perdeu:/ a esperança não me avilta”.

Weintraub viaja e enxerga dissonâncias, que podem ser abalos naturais ou abalos políticos. O poeta usa técnicas indígenas para inventar e – escutar – melodias. Às vezes, é preciso cair para se colar ao chão, para colar boca e orelha ao fluxo incessante de algo que se espraia para tudo que é lado. Às vezes, faz-se necessário o tombo para vivenciar a plenitude de estar, com direito a estilhaços e castigos. Todo poeta paga caro por se desconstruir. Cabe ao leitor a queda.

Só a poesia é delével. Para dar espaço. Trêmulos, abismados, meio burros, meio bumerangues, numa determinada hora da vida abrimos os olhos e vemos a máquina, as engrenagens, e danamos a tremer. É que sempre, e sempre, “a natureza te traz de volta”. Congratulamos, tristes, meio alegres por dentro, quando só mesmo a poesia para alardear, para desapaziguar um tanto.

Weintraub extrai poesia de “sorrisos pequenos”. Caminha desesperadamente, quase solitário, cheio talvez de saudades, “num país sem ruas”, amparado/ desamparado pelo mistério. Porque a vida “contém material sórdido”. A poesia de Weintraub é sorrateira, e, infelizmente, também profética: “Não entrará nesse rio/ uma segunda vez/ até porque/ segunda vez não há/ nem rio existe”.

Toda situação é extrema. A poesia de Weintraub prima pela inovação, pelo desconforto. “Você cava um buraco/ na parede/ e espera/ que alguém/ ou alguma coisa/ cave de volta/ em sua direção.” Essa poética é feita de baques, de um “experimentalismo” que beija a contradição, que se dana de surrealismos. Trata-se de poesia que ofende, “fende a tempestade”. “Entre estilhaços de céu”, o melhor texto apenas supõe. Cabe ao leitor o desespero da busca.

Em Treme ainda, Weintraub mantém as armas apontadas para o vazio. Entram em cena, tomando conta de tudo, acidentes de trabalho, a ideia do absurdo, do isolamento da arte com seus privilégios e padecimentos. A capa já é um soco na cara dos desavisados. Pois tudo que é vivo carrega anomalias. Mesmo dentro do breu existe movimento – e revolta. Pois tudo que insiste em luzes tremeluz.

Fabio Weintraub é paulistano, psicólogo e doutor em letras pela Universidade de São Paulo (USP). Seu livro Baque foi lançado em Portugal. Poemas dele foram publicados também no México e nos Estados Unidos.

TREME AINDA
• De Fabio Weintraub
• Editora 34  
• 96 páginas  
• R$ 29

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